Emblemas BRASILIANOS

Brasilino possuía nas mãos o sentimento do imaginário. Assim que pensava o que provavelmente ninguém conseguiria incluir em seu diário mental, ele transportava para as mãos. Para entender os cenários imaginativos de Brasilino, somente quem flutua pelas sutilezas da subjetividade e nesse contexto, ele estava imbuído em deparar-se com as tempestades e desafiar as tormentas para subir os mastros que o encantava, arrebatando-o pelos imensos e infindáveis mares e oceanos de água que cercava sua imaginação e pensamento. O medo não impunha limites aos seus anseios e expectativas, o que o levou a projetar uma nau para velejar os seus mais novos sonhos. Uma vez sonhado e para ele, sonho-sonhado e não realizado, é noite de sono perdido e sonho inutilizado, pôs-se com fé, coragem e as mãos na produção da nobre obra arte marítima.

- Na vida não basta respirar, é preciso transpirá-la em sonhos.

Brasilino navegou o oceano e aportou-se em terras que jamais imaginava existir. A sua primeira impressão era de que o céu havia tombado sobre aquele território e por lá permaneceria para sempre. Para apreciar de perto o cenário, procurou o pico mais alto da região e quanto mais arregalava os olhos, mais visualizava o azul do horizonte.

- Espigão! O cume que divide as águas, também deve ser o cume que divide ideologias.

De manhã, antes do sol apontar a cara atrás das morrarias, a neblina emergia de vales e gargantas profundas soltando baforadas de fumaça, inebriando-o de êxtase e medo. Com o decorrer do dia, o nevoeiro se dissipava e o que se via era o verde vívido das copas das árvores aterrizando a cauda sobre a superfície do solo; enquanto que à noite, incontáveis pontos luminosos tomavam de assalto o espaço, salpicando-o de um brilho luminoso, tal qual a cor da prata. Antes de fincar raízes em novo solo, construindo um casebre que o acolhesse por tempo indeterminado, Brasilino embrenhou-se pela mata a fim de encontrar um mastro. De dossel elevado, as árvores abrigavam muitos animais locais que piavam, saltitavam, sibilavam, uivavam e gemiam; sabiam os animais que havia estranho à vista.

Tendo ele escolhido a madeira, o próximo passo seria criar um logotipo que representasse as características físicas do espaço em que viera aportar-se. Ao cavar para fazer a fundação do mastro, o aventureiro notou algo faiscar em sua frente: “amarelo: ouro...ouro, muito ouro!!” - gritou, mas ninguém o ouviu; apenas os ecos de seus gritos responderam muito distante dali.

O ouro, que também jorrava em aluviões pelos rios circundantes, não atraia os viventes daquele lugar: índios, animais, flores, árvores, aves, pássaros, para alimentarem-se, bastavam algumas raízes, folhas, frutos e seiva que, cada um ao seu modo se desdobrava para conseguir. As riquezas não resumiam somente ao ouro, no alto das montanhas podiam ser retiradas pedras de magníficas cores, verdes e azuis... Sabarabuçu (em linguagem indígena: serra que brilha), nome de uma delas, era um dos lugares sagrados que guardavam tais riquezas.

E assim Brasilino foi juntando os motivos e as cores da invenção que estava por vir. O verde representaria as matas; o amarelo, o ouro e outras riquezas; o azul, a cor do céu e mar. O branco, a paz; e como viera da Europa e sempre pesquisou sobre Augusto Comte, pretendia usar o lema do positivismo criado pelo filósofo Francês como automotivação, disciplina e estímulo.

O mastro foi erguido acima do dossel das árvores e na ponta, uma bandeira funcionava como cata-vento, fazendo-a tremular ininterruptamente. Queria a todo custo que seu emblema fosse visto e reverenciado por todos, indiferente à distância. O inventor sentia-se lisonjeado pelas suas novas descobertas e invenções, o que o levava a dormir embalado pelo sibilo dos grilos e despertar com o alvoroço das cigarras.

Isso até certo dia, quando ao subir no espigão para observar os baixios e deleitar com o céu que aparava uniformemente as arestas das copas das árvores ao longe, notou algumas delas tombadas e roídas; imediatamente, imaginou que por ali havia roedores, mas não um número suficiente para destruir com toda aquela floresta virgem. De lá, desceu as ribanceiras, chegando num dos fundos de vale e nele, a estranheza de ver o córrego tomado pelo prateado flutuando sobre as águas. De bate-pronto veio-lhe a indagação: “Guapiara! Meus Deus, serei eu merecedor de tantas riquezas?!”

As noites e os dias se sucederam, as cenas também. Agora com sinais mesclados com as cores vermelha e cinza contrastando com o verde; no córrego, peixes subindo à superfície da água em busca de oxigênio; anfíbios descamando-se. O reflexo desses episódios atingiram as cores da bandeira criada por Brasilino, desbotando-a, a ponto do verde-vívido transformar em vermelho faiscante; o azul em cinza-escuro; o amarelo em prata e o branco, em cores quaisquer; pois o branco suja à toa. Para consolidar as alterações aparentes, ele reconstruiu o emblema com as cores impostas pelo tempo e como recompensa, nunca mais sonhou sonhos recheados de imaginação; exceto o pesadelo que foi utilizado como nova inscrição: “A ordem nasceu dos recônditos da Natureza; e do invisível, a desordem e o progresso”!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 14/08/2015
Reeditado em 14/08/2015
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