860-UMA CASA PARA JECA TATU- Com Monteiro Lobato

Lobato tinha pensamentos e atitudes positivos, punha fé e determinação em tudo o que iniciava e tinha certeza de que suas ações sempre redundariam em sucesso. Queria inovar tudo na fazenda Buquira. Começou com a renovação de cafezais, que proporcionava maior renda. Plantou novas áreas com o “ouro verde”, como ele gostava de dizer. As terras cansadas recebiam adubo importado. Iniciou plantações de cereais em grandes áreas, roças que proveriam as necessidades da fazenda e ainda daria para vender. Milho, arroz, feijão nas terras baixas, nos vales. Cafezais subiam as serras. Melhorou o gado de leite: comprou um touro de raça. Introduziu cabras, trouxe bons reprodutores de porcos, e até a criação de galinhas recebeu melhorias.

Os colonos foram contaminados pela força, pelo vigor e pelo entusiasmo do patrão.

Lobato acompanhou de perto a situação de Jeca. Nas suas idas semanais, observava que os remédios eram eficazes, pois notou que o desânimo ia desaparecendo. De sua própria iniciativa, o matuto cortou novas folhas de indaiá e reforço a coberta da “casa”, também tampou com barro amassado à mão os buracos nas paredes de pau-a-pique. A mulher também cuidava melhor do asseio próprio, das crianças

Certa manhã de domingo, Jeca apareceu na casa sede da fazenda. Batendo palmas ainda distante da porta de entrada, gritou:

— Ô de Casa!

La de dentro veio a resposta de praxe:

— Ô de fora!

Lobato, deixando de lado a máquina de escrever na qual redigia um artigo para o jornal de São Paulo, do qual era colunista semanal, chegou até a porta.

—Olá, Jeca! Bom dia!

E adiantando-se até o visitante, estendeu-lhe a mão, abraçou-o e puxou-o para dentro de casa

— Vamos entrando.

Ainda meio tímido e muito sem graça, Jeca entrou. Vestia uma roupa domingueira, isto é, camisa branca de manga comprida e punhos abotoados, calça de brim amarelo e calçava botinas inteiriças. Chapéu de palha na cabeça.

— Conceição, sirva um cafezinho pra nos dois, aqui na sala- Falou em voz alta o fazendeiro e escritor. E dirigindo-se ao Jeca, já assentado e com o chapéu nas mãos:

—Então, criou coragem e saiu da toca?

— É. Dr. Lobato, esta semana tinha até dado um jeitinho na minha casinha, colocado folhas novas na coberta. Mas aí veio aquele vendaval... passou por aqui também?

— Passou, sim! Foi uma coisa de louco, seu Jeca. Até telha andou voando por aqui.

—Pois é, lá em casa num ficou uma folha incima da outra na cobertura. Inda bem que num choveu, sinão a gente tava nágua...

O jeca parou de falar com a entrada da empregada trazendo a bandeja com duas xícaras, o bule de café e um cestinho com quitandas quentinhas. Serviu o café nas xícaras e entregou-as ao patrão e ao visitante. Jeca deixou o chapéu de lado e tomou a xícara nas mãos, que tremiam um pouco.

— E então? A que devo a honra de sua visita? — A cordialidade e a educação de Lobato estavam sempre presente, era um homem de fino trato, culto e naturalmente afável com as pessoas.

— Pois é. Intão eu tava pensando que minha casinha tá pequena e num tá servindo mais prá gente não.

Lobato olhou o homem sentado à sua frente.

Já não é mais o mesmo homem que descobri lá no grotão faz alguns meses. Era um verdadeiro molambo. Doente, preguiçoso.Gaguejava.

—Então o que o senhor quer? Quer aumentar o casebre?

—Não, doutor Lobato. Vim lhe pedir ajuda pra móde fazê uma casinha nova. Maior e coberta de telha.

Acostumado às mais diferentes e surpreendentes situações, Lobato abriu a boca e deixou escapar o cigarrinho de palha que lhe pendia entre os lábios.

— O senhor falou em construir uma casa nova?

Jeca encolheu-se, temendo que o patrão não tivesse gostado da idéia. Piscou os olhos e disse em voz baixa:

— É que as criança dorme tudo amuntuado. Mais si o sinhor num quiser...

Lobato levantou-se, apanhou o cigarrinho no chão e colocou-o no pires. Com sua voz um timbre mais elevado, respondeu ao Jeca:

— Sim, senhor! Estou gostando de ver. Quando visitei o senhor pela primeira vez, o amigo não tinha ânimo nem prá se levantar, ficou de cócoras enquanto eu falava. Agora, já quer uma casa nova!

— Bão, se não for possiver...

— Mas claro que é possível! Claro! Vou ajudar sim, na construção da sua nova casa.

E sentou-se novamente.

— Vamos combinar como é que faremos.

E os dois, sentados um defronte o outro, passaram a discutir os detalhes da futura casa do Jeca.

Antônio Roque Gobbo

Belo Horizonte, 23 de setembro de 2014.

Conto # 860 da Série Milistórias.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/08/2015
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