MARIA TEREZA

Vocês lembram à última vez que fui a Paris? Quase fico por lá. Sinto-me em casa quando estou em Paris. 

Dessa última vez viajei com o amigo Izídio, odontólogo que foi participar de um congresso mundial sobre Ortopedia Facial. O congresso foi realizado no Hotel Concord La Fayette, creio que o hotel mais luxuoso de Paris; um baita edifício com 950 apartamentos, seis auditórios e diversos salões de conferência, encravado no centro da cidade. Ficamos hospedados no Hotel La Villa des Ternes que fica ali na avenida do mesmo nome, duas quadras após o La Fayete no sentido Arco do Triunfo, também no centro de Paris. Dava bem para ir e vir andando, pois cruzávamos apenas a Avenida Boulevard Péreire e a Rua Torricelli. Aliás, a melhor maneira de conhecer Paris é a pé, andar e respirar o arzinho francês; seus aromas, seus sabores, ... a melhor coisa do mundo!
 
Conseguimos uma concessão junto à organização do congresso para que eu tivesse acesso como ouvinte e acompanhei o companheiro Izídio em todas as etapas do evento. Só que eu não entendia nada. Além de não ser do ramo, nunca me interessei aprender francês, mesmo tendo viajado à França diversas vezes. Em muitos locais se fala bem inglês e com isso sempre me virei bem. Para mim o congresso só não foi um tédio total porque tinha muita mulher bonita, de decotes palpitantes. Ainda tenho na mente aqueles vestidos transparentes e aqueles pescoços cheirando a Cabrochat. Recordo também que um dos conferencistas tinha os dentes horríveis. Parece que faltou boca para tanto dente. No hotel onde ficamos hospedados tomávamos apenas o café da manhã. As refeições tanto no Lafayette como no La Villa são caríssimas, chegando a custar, dependendo do prato, cem Euros por pessoa. Fica bem mais em conta procurar os restaurantes. No almoço íamos sempre ao restaurante Lasserre, na Avenida Franklin Roosevelt, que tem um cardápio excelente e não se gasta os olhos da cara. À noite jantávamos no La Cantine du Faubourg, na Rua St. Honoré e por duas ou três vezes no Mandala Ray que serve dezoito tipos de Sushis. Esse fica um pouco distante do hotel. Próximo à ponte de Notre Dame na margem esquerda do Reno. Mas era um excelente passeio: percorríamos a Praça Achille Peretti, as ruas Victor Noir, Saint Pierre, Charles Lafitte, Gamier e trechos das avenidas Charles De Gaulle, Du Roule e Champs Elysées (Champs Elysées é avenida mais famosa do mundo, foi criada em 1667 pelo paisagista André Le Nôtre, onde se encontra o famoso Arco do Triunfo). Nesse percurso visitávamos o Arco do Triunfo, a Torre Eyfel, o Museu do Louvre a capela Saint-Chapelle onde se encontra a coroa usada por Cristo e comprada pelo Rei Luiz IX, o resto do tempo ficávamos a papear na margem do rio vendo as francesas desfilarem. O congresso de odontologia durou uma semana inteira, de segunda a domingo. Mas um outro objetivo de nossa viagem era ir até cidade de Toulouse, mesmo distante de Paris, para conhecer o Institut d'Etudes Politiques (Instituto de Estudos Políticos). 

Partimos de Paris com destino a Toulouse na segunda-feira cedinho e num moderníssimo trem francês de alta velocidade: o famoso TGV viajando a mais de 200 km/h. Chegamos a Toulouse às onze horas. Uma cidade às margens do irreverente rio Garrone. Era nesse ponto do rio que os peregrinos, que se dirigiam a Santiago de Compostela conseguiam cruzá-lo e isto fez de Toulouse uma cidade muito importante naqueles tempos e mantendo o seu prestígio até os dias atuais. Hoje é a quarta maior cidade da França, próxima do Mar Mediterrâneo, do Oceano Atlântico e da fronteira espanhola. Toulouse continua sendo um dos grandes centros artísticos da França e com universidades de prestígio, principalmente na área tecnológica, pois, foi aí que se desenvolveu a indústria aeronáutica e aeroespacial, com a construção do Concorde, do Caravelle e do Airbus. Perambulamos pelas ruas até às doze horas, num excepcional clima de dezoito graus e procuramos um restaurante para almoçar. Não estávamos resolvidos a pernoitar. Almoçamos no Restaurante Toulouse, onde acompanhado por uma garrafa de Chateau Pape Clement 2001, degustamos um Magret de pato ao molho de caramelo, purê da casa e legumes marinados. Excelentes: pato, purê e vinho. À tarde fomos para Universidade de Toulouse I, onde visitamos o Institut d´Etudes Politiques e tivemos acesso a um vasto acervo de conhecimentos sobre a história econômica e política da França e da Europa. Já tardinha, deslumbrava-nos os vôos rasantes das gaivotas sobre o Rio Garrone. Resolvemos então pernoitar. Compramos calça jeans e camiseta numa loja no Toulouse Shopping e nos hospedamos no Hotel D´Orsay que fica na Rua Boulevard Bonrepos. Muito bom hotel, e caro também. Pagamos a bacatela de 300 Euros, cada um, para passar a noite e tomar o café da manhã. Não saímos à noite, o frio não era convidativo; jogamos Gamão, demos um mergulho na piscina térmica e cama! Terça-feira: acordei cedo e enquanto Izídio ainda dormia – exagerou no vinho durante a noite – dei uma volta no quarteirão onde algumas pessoas caminhavam sob um frio de oito graus. Mas a paisagem é deslumbrante e as casas da Rua De Stalingrad são magníficas, com arquiteturas divinais. Voltando ao apartamento Izídio já estava acordado com a cara enfarruscada e ainda meio de porre. Fomos ao café. Muitas frutas. Irresistíveis as uvas vindas de Bordeaux! Combinamos passar mais um dia e uma noite desfrutando das belezas e do clima de Toulouse. Acertamos a permanência no hotel e saímos para conhecer a cidade sem um destino definido. Era mais emocionante! Tomamos a Rua Betrand De Bom, percorremos as Ruas Lafon, De Bayard, De Belfort, Guillemin Tarayre e Saint Marth. Muito bem cuidadas as ruas de Toulouse; arborizadas, limpas, todas asfaltadas com uma grossa camada de asfalto verde. Quando atingimos a Rua Metabiau passava das dez horas e paramos numa lanchonete anexa a um restaurante para tomar uma cerveja e comer um sanduíche de Atum. Muito saboroso! A cerveja francesa não desce redondo, é amarga. Creio que seja prevenção contra cirrose. Francês não é inglês, mas bebe como se o fosse. O restaurante anexo tratava-se do Lê Capaccio, especialista em Fundue. Na lanchonete fomos atendidos por uma moça de invejada beleza, falando um francês arrastado com sotaque latino. Saímos da lanchonete e fomos até o Museu de História Natural de Toulouse que fica no final da Rua Metabiau. No percurso comentamos sobre a forma gentil como fomos atendidos pela moça, a suavidade de sua voz e a beleza de sua boca. Que boca! Passamos umas duas horas no museu e fomos almoçar no restaurante do Hotel Orleans, que fica na Rua Jean Jaurès, este nos serviu camarão grelhado com purê e arroz branco. Tomamos duas garrafas de vinho Piriquita tinto de mesa. – Um excelente vinho português. Aliás, o primeiro vinho engarrafado em Portugal e feito de uvas Castelão Francês produzidas na propriedade Covas de Piriquita ao sul de Lisboa e que nos seus 153 anos não perdeu a qualidade. 

Estávamos resolvidos a deixar Toulouse nesta tarde. Saímos do restaurante pela Rua Sebastopol, que dá acesso a Praça do Capitólio, onde paramos e ficamos deslumbrados com os jardins e a arquitetura. Se embarcássemos no trem que sairia da estação de Toulouse às quatorze horas, estaríamos em Paris em torno das dezoito horas. Pegamos um táxi e fomos para o hotel. Fecharíamos à conta e, também de táxis, iríamos pegar o trem das quatorze horas. Acertamos as despesas do hotel, – tudo no cartão de crédito – pegamos nossas bagagens e adeus Toulouse. Mas, confesso que a minha vontade era de ficar e voltar àquela lanchonete perto do hotel e voltar a ver a moça que nos atendeu. Descemos do elevador. Passamos o hall, e quando chegamos à calçada do hotel fomos abordados por um casal que nos reconheceu do congresso em Paris. Tratava-se de Renée e Luciann, um casal de dentistas que moravam na cidade. Ficamos a conversar e perdemos a hora do trem. Renée nos convidou a conhecer sua moradia, tomar um vinho e, se fosse o caso, até pernoitar e deixar para voltar à Paris no outro dia pela manhã. Aceitamos o convite e saímos caminhando de bagagens nas costas; moravam perto, na Rua Saint Ligory. Uma casa recuada, cercada por jardins, linda! Luciann muito solícita nos serviu doce de morango e depois vinho seco com uvas de Borgonha; deliciosas. Papeamos o resto da tarde. Eu quase nada entendi. O casal nos convenceu a passar mais uns dias na cidade. Não aceitamos a hospedagem, ficaríamos mais à vontade num hotel. Renée nos levou a uma pousada muito agradável próximo ao rio Garrone, que era administrada por uma brasileira e com uma diária de quarenta dólares e apartamento para duas pessoas. Combinamos com Renée para nos encontrar às vinte horas e conhecer a noite em Toulouse. A administradora da pousada, dona Madalena, era pessoa de fino trato, simpática e conversadeira. Aproveitei, pois em nossa viagem só quem falava era Izídio, não aparecia quem falasse Português ou Inglês e Francês eu não falo e tão pouco entendo. Na pousada também tínhamos direito a janta... sem vinho. Na conversa dona Madalena nos falou que era muito difícil aparecer brasileiros em Toulouse, pois Paris era a atração maior para os turistas. E morando ou trabalhando só conhecia uma moça que trabalhava durante o dia numa lanchonete e noite costumava ajudar num restaurante como garçonete. Mas não tinha família, morava com uma colega numa pensão que ficava no final da Avenida Charles Degoule. Chama-se Maria Tereza. Ela nos contou ainda que Maria Tereza chegou a Toulouse depois de uma passagem Por Madrid onde entrou irregularmente, levada por um tal seu Demócrito, que a iludiu dizendo que tinha uma agência de modelos na Espanha. 

- Esse morreu quando a bordo do navio “Skuna”, de bandeira americana, viajava junto com Maria Tereza de Roma para França. Tendo adoecido na viagem, o médico da embarcação suspeitou que o mesmo fosse portador de Malária e o sacrificou atirando-o ao mar. Assim, ela chegou sozinha em Paris e mesmo irregularmente conseguiu amparo numa casa de família onde trabalhou por alguns meses. Como chegou aqui em Toulouse não lembro. Mas ela me contou. 

- Renée chegou às vinte horas conforme combinado. Junto com ele a esposa e uma colega – Marisa Jonh – linda por sinal. A noite não estava muito fria como de costume, dava para ficar na rua sem bater o queixo. Não deixamos Renée indicar o local para onde irmos. Meu interesse particular era voltar a ver aqueles quadris silurianos de Maria Teresa. Já tínhamos informação do local onde ela trabalhava à noite. Tratava-se do bar Au Petit Cornet, na Rua Boulevard de Strasbourg. Renée conhecia o local e disse ser um bom lugar; com um bom tira gosto e grande variedade de bebidas, inclusive do Brasil. Fomos no carro de Renée, um Peugeot conversível de 200 mil Dólares. O Au Petit Cornet não era distante, mas o percurso foi delicioso, incrível a paisagem das ruas, principalmente a Praça Jeanne d´Arc e a Rua de Bellegarde fechada por árvores nos dois lados e iluminada por lâmpadas de néon tipo lampiões. O cenário foi deslumbrante. - Izídio não tira os olhos da colega de Renée. No bar fomos recebidos à porta pelo proprietário. No interior, flores, lareira, mesas e cadeiras de madeira no estilo colonial, muitas mulheres bonitas e quatro garçonetes servindo aos fregueses. Entre elas, Maria Tereza que se destacava. Acomodamos-nos numa mesa perto da lareira, a temperatura havia caído um pouco. Maria Tereza de imediato nos reconheceu e falando seu Francês arrastado colocou cardápios sobre a mesa, e como oferta da casa, serviu-nos uma garrafa de vinho Deuxième Cru, um tinto de mesa fabricado em Bordeaux de excelente qualidade. Marisa e Luciann apoderaram-se do vinho. Nós, eu Izídio e Renée, combinamos em tomar Wisky. Pedimos qualquer escocês acima de doze anos. Maria Tereza nos trouxe um Shivas Regal de 25 anos. Pedi que deixasse o litro sobre a mesa falando em português e a chamando pelo nome, ela rindo atendeu. Como tira gosto, por indicação de Maria Tereza, pedimos um Gigot de Sept Heures (pernil assado por sete horas, com condimentos e alho), delicioso. Trata-se de um prato famoso da cozinha de Bourdeaux. 

Maria Tereza trajava um vestido vermelho acima dos joelhos e um avental de seda branco colados ao corpo; um lenço combinando com o avental cobria-lhe os cabelos. Lábios deliciosamente cobertos por um batom cor de mel com toques avermelhados... Pareciam doces e extremamente saborosos. Meus olhos seguiam Maria Tereza por todas as voltas que dava no salão atendendo aos clientes. Cada vez que chegava a nossa mesa parecia que meu sangue se renovava e meu peito respirava um oxigênio novo. 

E assim furamos a metade da noite. Iniciava-se uma madrugada fria com ventos quase gelados soprados pelo Mediterrâneo. O bar não apresentava mais a mesma lotação, algumas pessoas já haviam se retirado. Renée e a esposa também resolvem ir embora, pois na quarta-feira pela manhã teriam que trabalhar numa clínica odontológica num bairro afastado. Acompanhamos os amigos até a porta, despedimos-nos. E assim foram-se Renée, a esposa e a colega. Voltamos ao interior do bar e tomamos assento novamente. Próximo à nossa mesa um grupo de ingleses que moravam em Toulouse, já bastante bêbados, fazia um barulho terrível – nem parecia que estávamos na França - e um deles berrava repetidamente: I come here to see Marie Tireza! Não fosse o exagero do gringo, lembrava nosso amigo Bittencourt quando na pizzaria diz, depois de uns tragos: eu vim aqui pra ver Tereza. 

Àquela altura da noite o Wisky já começava a fazer efeito. Maria Tereza observando que somente eu e Izídio restávamos na mesa se aproximou e ofereceu outra dose. Aceitamos. Para trazer as doses Maria Tereza, já sem o avental e a cobertura dos cabelos, veio acompanhada de outra moça e nos avisou que estava largando e que doravante seríamos atendidos pelos garçons que estavam começando o expediente em substituição às garçonetes. Nos apresentou a colega e disse que dividiam o mesmo apartamento numa pensão próxima dali. Convidei a sentar, mas ela não aceitou; o regulamento da casa não permitia. Mesmo de pé ficou junto à mesa a conversar. Apresentou a amiga em francês e disse que sua folga era nas quartas-feiras e, se quiséssemos, poderíamos nos encontrar para conversar. Teria que ser à noite, durante o dia trabalhava na lanchonete. Nem deixei Izídio falar; de imediato aceitei o convite, pois Maria Tereza me deixara enfeitiçado com sua beleza latina. Só teríamos essa noite em Toulouse. Na quinta pela manhã tomaríamos um vôo para o Brasil. Combinamos com Maria Tereza para nos encontrar às vinte horas eu, Izídio, ela e a colega, em frente ao teatro que fica na Praça do Capitólio. - É nessa praça que fica a famosa Cruz de Toulouse, desenhada no piso central da praça. Ela carrega em suas formas o forte significado do passado da cidade.- Acompanhei Maria Tereza até a porta e me ofereci para acompanhar até a moradia. Ela disse preferir o encontro no outro dia....forçadamente concordei. 

Izídio já apresentava fortes sintomas de embriagues e já passava das três da manhã. Tomei a iniciativa de pedir mais duas doses e a conta. Tomamos um carro de aluguel e retornamos a pousada. Também já cheguei meio de porre. A madrugada tava gelada, mas o whisky aquecia as nossas almas bêbadas. – Dormimos copiosamente. Acordei depois do meio dia com o barulho do chuveiro de Izídio tomando banho. A ressaca da noite não permitia almoçar. Fizemos um lanche na pousada mesmo e deixamos para jantar a noite quando encontrássemos Maria Tereza. Passamos o resto da tarde no apartamento. Conversamos muito sobre o encontro que teríamos a noite. Às dezenove horas fomos ao tão esperado encontro. As vinte em ponto chegou Maria Tereza com a colega, conforme combinado. Estavam deslumbrantes. Maria Tereza usava um vestido vermelho claro um pouco transparente, deixando transparecer o soutien e destacando a silueta do seu maravilhoso corpo. No pescoço um cachecol cor de rosa. As sandálias altas forçavam-lhe uma postura mais elegante. Conversamos um pouco e por indicação da colega de Maria Tereza fomos ao cine Méliès Castelmaurou, na Rua Saint Honest onde assistimos ao filme “As Aventuras de Mister Bin”. O cinema, pertencente à rede de cinemas Toulouse, fica um pouco distante da Praça do Capitólio, mas não pegamos carro. É gostoso andar nas ruas das cidades francesas. Sedutora, e sem pressa nenhuma, Maria Tereza caminhava ao meu lado. Parecia flutuar de felicidade, pois não era comum encontrar brasileiros por aquelas bandas. Saímos do cinema às onze horas. Convidei Maria Tereza para jantar num restaurante próximo, porém ela não aceitou. Tinha que trabalhar cedo no outro dia. A colega também. Fizemos então um lanche rápido na lanchonete do cinema. Tomamos um carro de aluguel e nos dirigimos até o apartamento de Maria Tereza. Izídio ainda tentou seduzir sua colega convidando-a para um motel, mas sem sucesso. Na pensão onde moravam ficamos conversando no jardim. Mesmo com a garganta sufocada de desejo por Maria Tereza, observei que ela não tava interessada em uma aventura mais íntima, com justa razão, inclusive. Daí, cerca de meia noite me despedi beijando e acariciando as mão macias de Maria Tereza. Na quinta feira pela manhã tomamos vôo de volta para o Brasil. Mas, com certeza, voltarei a França para ver Maria Tereza.
limavitoria
Enviado por limavitoria em 21/06/2007
Reeditado em 21/06/2007
Código do texto: T536105