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tamanho originalO RELÓGIO DE OUROtamanho original

                           (Continuação de MINHA ÁRVORE CANDOCA)

 

                                                                             I

 

           Voltando a minha linda fazenda e continuando a ultrapassar cerquinhas de arame farpado, fui visitar Tia Cândida como havia prometido. Não sem antes pegar o saco cheinho de laranjas da terra que tinha deixado bem escondidinho...Sabia que ela adorava fazer os doces e já não tinha energia física para colher as laranjas. Era o presente que eu mais gostava de levar. Servia para as duas, para mim e para ela. Tia Cândida ficava alegre em poder ter muitas laranjas para cristalizar e eu em saber que na próxima visita os doces estariam a minha espera!

 

                                                             II

 

A casa estava completamente fechada. Portas e janelas. Minha Tia não gostava muito da luz do sol, mas eu sabia que estava lá dentro. Podia ouvi-la conversando e sabia que conversava sozinha todo o tempo. Uns diziam que já não “batia bem da cabeça”. Outros que havia ficado assim tão grande era sua solidão. Eu não pensava nem de um jeito nem de outro. Achava que minha tia guardava escondido naquele enorme baú que havia em seu quarto, os verdadeiros motivos de sua clausura. Ela vivia só por opção. Não se aproximava dos caseiros a não ser para dar as devidas ordens. Queria estar só e pronto. 

 

                                                            III

 

Batia palmas e a chamei:

 

- Tia Cândidaaaaaaaaaaaaaaaa! Sou eu, Marcela! Vim como prometi! Deixe-me entrar...

 

A porta se abriu e com ela um largo sorriso de minha tia pousou sobre mim. Entendíamos-nos bem. Eu era a pequena fadinha dela – como gostava de dizer – e sempre me recebia com estórias, atenção e muitos petiscos. Perguntava sobre a escola, sobre os amiguinhos, sobre os inumeráveis cursos em que minha mãe me enfiava e nunca deixava escapar a oportunidade de tecer algum comentário malicioso sobre minha mãe, sua sobrinha de fato, filha de seu mais querido irmão, meu avô. 

 

                                                            IV

 

A casa de Tia Cândida era pura magia e História. Os móveis eram poucos, mas carregavam o peso de raras antiguidades que me fascinavam. Sempre que eu perguntava o que guardava no baú, ela dava um sorriso e dizia que a curiosidade corria nas veias dos Torres. Desconversava dizendo:

 

- Quando eu morrer, minha menina, ele – o baú – não estará mais ali. Tratarei disso pessoalmente bem antes da minha partida...

 

- O que fará, titia? Vai enterrá-lo em meio à fazenda??? 

Ela dava estrondosas gargalhadas!!!

 

                                                             V

 

- Separei entre meus pequenos tesouros, um presente especial para você, neta de José!

 

- Que legal, tia! Cadê? Mas, por favor, pare com isso de ficar trocando toda hora a maneira de me chamar...Uma hora sou sua fadinha, depois filha “daquela lá”, aí muda para “minha menina”, logo depois sou a “neta de José” ou a bisneta de Otávio Torres. Daqui a pouco perco meu nome!

 

- Você sabe ou saberá com o Tempo, exatamente quem é. E não faça esse “arzinho” de inocente criança, que essa titia aqui você não convence, moleca!

 

Saí dançando e cantarolando pela sala:

   

  “EU SOU PEQUENININHA DO TAMANHO DE UM BOTÃO,

  CARREGO PAPAI NO BOLSO E MAMÃE JOGO NO CHÃO!”

 

Rimos juntas até perder o fôlego!

A rivalidade entre eu e minha mãe era visível desde tenra idade...só os cegos de alma não viam! Era algo inexplicável, mas palpável de tão real!

 

- E o presente, Tia?

 

- Vou buscar!

 

                                                             VI

 

Trouxe nas mãos algo embrulhado em papel de seda.

 

- Abra! É seu!

 

Abri com cuidado. Era um relógio. Não qualquer relógio. Era o mais lindo relógio que eu já havia visto ou imaginava um dia possuir.

 

- É de ouro puro...está na família há anos. Agora é seu por direito. Jamais...- preste bem atenção! – Jamais se desfaça dele por dinheiro algum, em dificuldade alguma. Nunca se separe dele. Promete? Jura? Isso é muito mais importante do que você possa imaginar...Preciso que me faça este juramento.

 

- O que são estas pedrinhas no lugar dos números? Brilhantes? De verdade?

 

- Sim. É um relógio de ouro cravejado de diamantes. Agora jure!

 

- Eu juro, tia, em nome de meu pai e de minha felicidade que nunca irei me separar deste relógio. Palavra.
 

- Não mostre a sua mãe. Darei uma colher de prata que separei para ela. Tal qual seu relógio, tem um determinado motivo cada presente. Cada qual levará aquilo que lhe pertence.

 

- Não estou entendendo nada. Mas entre a colher de prata e o relógio de ouro, acho que sou mais querida que ela...rsrsrsrs

 

- Um dia entenderá, querida! Não é apenas uma questão de carinho, mas de dar a cada qual seu quinhão. Já ouviu: "Dai a César o que é de César?" São coisas das mulheres de nossa família. Cada uma tem o objeto que lhe foi e é reservado. Um dia entenderá, não se preocupe com isso agora. Mas nunca se esqueça do juramento que fez.

 

- Não esquecerei, Tia! Jamais! Obrigada! É muito lindo!!!!!!

 

- Não há o que agradecer, meu anjo, este relógio é seu antes mesmo que você nascesse...

 

- Vamos lanchar, tia? Estou mortinha de fome!

 

                                                            VII

 

Minha mãe soube do relógio algum tempo depois. Não pude evitar. Guardava-o escondido em uma caixinha de veludo que comprei especialmente para ele. Certo dia, entre idas e vindas de muitas viagens que fiz, não encontrei mais a caixinha com meu relógio. Minha mãe havia empenhado na Caixa Econômica e só descobri isto, após várias horas de discussões e ameaças.

Pior! Não pagou as cautelas e perdi meu relógio para sempre. Tia Cândida já havia morrido.

Minha promessa não. A jura que fiz carrego até hoje. Acalenta-me apenas o fato de não ter sido eu a autora desta ruptura emocional e da promessa feita.

Ela, minha mãe, descobriu meu relógio sem que eu contasse e se desfez dele sem minha permissão ou conhecimento. 

Hoje realmente entendo o que minha Tia queria dizer e sei que de onde estiver lamenta tanto quanto eu a perda.

Meu relógio de ouro cravejado de diamantes não era apenas um objeto. Era um pedaço da história das mulheres da nossa família que vinha de longe, tão longe, que jamais saberei quem foi sua primeira e legítima dona.

Posso apenas pressentir, imaginar, ter a certeza não.

Lamento...Como lamento ter perdido minha relíquia!

Não se brinca com promessas e juramentos....

As palavras têm Poder.

Problemas terá quem usurpou o que não lhe pertencia.

E isso, francamente, não lamento! Como disse minha tia: "Cada qual tem o seu reservado!"

 

Meu relógio de ouro, guardo em minh´alma e meu coração! 

- Perdão, titia! Não pude evitar...



 

 

by MarCela Torres




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Music tamanho original Não Vou Me Adaptar tamanho original Nando Reis
 

 
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MarCela Torres
Enviado por MarCela Torres em 21/06/2007
Reeditado em 17/07/2012
Código do texto: T536142
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