Caapora - incompleto

Capítulo 1: RubraMata

O sol já havia se posto. A lua, cheia, brilhava com uma intensidade tal como se reconhecesse a importância daquela noite. Os animais, todos eles, se mantinham a sua maneira um respeito a ocasião. Os humanos... bem os humanos não mais viviam naquela parte da Terra... na verdade eles sequer sabiam que aquela região estava na Terra.

Aquela era uma noite especial. Todos sabiam disso e ele também sabia. Seus olhos eram ligeiramente fechados, sua íris amarelada, com um brilho felino. Seu corpo, vigoroso, cor de ébano, era vigoroso e coberto de pelos espessos no dorso e no antebraço e seus cabelos eram rubras labaredas sobre sua cabeça. Ah sim claro, seus pés eram ao contrário. Ele não era humano, ele era um Caapora, ou como os humanos chamavam, um Curupira.

Seu nome era Kerexu, nome que entre os homens de Pindorama significava Lua Crescente. Seu pai era Irati dos Caá, cuja linhagem descende diretamente de Anhangá, a divindade que na origem do mundo criara os Caapora.

Kerexu estava atrasado e isso o envergonhava, afinal ele era o primogênito dos Caá. Ele pretendia um dia assumir o lugar de seu pai e liderar a tribo, não por orgulho e sim por puro senso de dever. A questão é que para que isso pudesse ocorrer ele precisava demonstrar possuir o mínimo do valor necessário a tal incumbência, e como mostrar esse valor se ele mal conseguia manter algo tão simples como o chegar na hora?

Com uma velocidade espantosa que deixaria qualquer onça com inveja, Karexu correu. A lua escalara mais um pouco a abóbada celeste quando ele finalmente alcançara a clareira. Aberta não através da derrubada as arvores e plantas que lá estavam e sim por um pedido feito aquelas árvores, e que fora prontamente atendido para que elas desocupassem a região por alguns dias, tirassem algumas férias em algum outro local e posteriormente retornassem. Não se preocupe, apenas os Caapora entendem como fazer isso.

Os Caaporas se reuniam em uma espiral, cujo centro era Irati, pai de Kerexu, que dizia com uma voz digna do próprio Tupã:

“Irmãos! Irmãs! Hoje finalmente iremos conseguir nos redimir ante os deuses de Pindorama pela falha de nossos antepassados. Sim, a grande falha, quando após a chegada do homem branco nossos antepassados por medo do desconhecido, fugiram da terra das palmeiras!”

Kerexu se junto a espiral e ficou a observar com respeito a eloqüência de seu pai.

“Anos se passaram. Sem a nós para a proteger, Pindorama se tornou vitima dia a após dia da destruição dos filhos de Rudá. Nossos antepassados então tentaram reverter seu erro porém era tarde demais, os espíritos de Pindorama haviam sido perdidos pela destruição e com isso nossa rota de retorno obstruída, a priori para sempre...”

“Anhangá, nosso pai, não nos deixou que nossa falha nos destruísse. Ele nos deu força e geração após geração trabalhamos para criar uma nova rota. Anos, séculos se passaram mas finalmente hoje conseguimos reabrir a passagem!”

Os Caaporas exultantes gritaram! Braços erguidos e vivas eram gritados aos montes, quando Irati tornou a falar:

“Infelizmente essa não é a rota definitiva! Tal portal permitirá apenas 3 Caaporas viajarem até Pindorama, sem qualquer garantia de retorno! Aqueles que forem deverão portar os Muirquitãs necessários para que os espíritos guardiães sejam encontrados e o caminho restabelecido.”

A alegria então se transformou em receio. Quem seriam aqueles iriam ser enviados? Tudo era incerto, até que uma voz se manifestou entre os últimos círculos.

“Meu senhor. Eu Kerexu, seu filho, peço para ser um dos encarregados de tão divina missão pela honra de nosso povo e nosso nome!”

Quando todos se entre olharam uma segunda voz se levantou entre a multidão:

“Senhor! Eu Unaí, filha de Cy, peço para acompanhar seu filho a Pindorama!”

Unaí também era uma jovem. Diferente de Kerexú, sua pela possuía um tom esmeralda que contrastava maravilhosamente com o ardor de suas madeixas. Seu corpo esguio tinha poucos pelos, e seus músculos eram vigorosos porém sem perder o ar feminino. Engana-se porém aqueles que achavam que ela era uma fêmea indefesa, sua habilidade e espírito a colocava junto aos melhores guerreiros de seu clã.

Irati olhou para os jovens com uma expressão de quem não esperava menos, e então os perguntou se realmente era aquilo o que desejavam e logo disse:

“Meus filhos... Nos enche de orgulho ouvir tanta força e determinação vinda de dois de nossos mais jovem guerreiro e nossa bela amazona. Sei que vocês possuem plena consciência dos riscos dessa jornada, assim como sei que ambos sofrerão muito e somente com muita determinação conseguirão superar seus inimigos interiores de modo a triunfar ante a sua missão.”

“Infelizmente a jovialidade de vocês pode se vir a significar ingenuidade ante algumas situações adversas que possam vir a se manifestar ante a vocês, por esse motivo Kaloré, nosso Pagé, os acompanhará nessa missão.

Kaloré pertencia ao clã dos Guara. Sua pele era rubra como seus cabelos. Mais velho que os guerreiros que o acompanharia e mais jovem que os demais pagés, Kaloré fora o pupilo mais leal e aplicado de Iraputã, a maior dos pagés, morto pela traição de um dos seus durante um ataque dos Boiúnas.

“Pois bem meus irmãos! Temos nosso grupo! Que amanhã ao nascer da mãe celeste os preparativos começem. Hoje porém, celebremos!”

Kerexú, Irati e Kaloré então se entre olharam antes de voltarem para seus clãs afim de adiar por alguns instantes as preocupações da missão que acabam de abraçar.

[ Fim do Capítulo 1 ]