Apenas o abstrato

Estava na estrada, com frio, sem saber pra onde estava indo, apenas seguia. Usava no corpo uma roupa branca e carregava em suas costas asas negras, alvas e pesadas. Era um fardo difícil de se carregar sozinho. Pés descalços e machucados, como se já houvessem caminhado pelo mundo inteiro. O frio deixava sua boca num tom de vermelho ardente e ao redor nada parecia fazer sentido.

Tudo era tão concreto, as construções, a estrada. Mas em meio a tanta concretude, viu ali algo abstrato. Seguiu então esse sentimento, com os mesmos pés descalços e machucados, nunca antes experimentara a dor, não conhecia o peso de suas asas, mas pela primeira vez desde que ali chegará não se importou.

Ao ponto que aproximava-se do que perseguia, conseguiu entender com mais clareza, tratava-se de um humano, nunca antes, estivera com um. Notou que suas asas se tornavam um fardo ainda maior e mais pesado de se carregar, porém tomou-se de uma súbita curiosidade e um sentimento nunca dantes sentido. Queria caminhar por esse sentimento, suas asas estavam batendo, conseguia ouvi-las, não mais em suas costas, mas em seu peito. Nunca em sua curta existência no céu sentira isso.

Estava transformando-se constantemente, estava transformando-se todo em sentidos, todos desconhecidos, o frio, a dor, medo, o fardo e o amor.

No céu não haviam sentimentos...queria caminhar por isso, viver por isso, entendeu agora o real significado desta palavra, viver...

Arrancou suas asas e assim foi visto pela humanidade, transformou-se em carne, ossos e sentimentos antes inacessíveis e desconhecidos, amou.

Luiza Bruun
Enviado por Luiza Bruun em 07/04/2016
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