A Crônica do Menino Invisível

No banco vazio, do lado da lanchonete onde como por impulsividade, existe uma sombra, mas não sei o que estaria ali, não posso ver e não me incomodo com isso. Eu não me importo. Aliás, acho que não tem ninguém lá. Podia ter alguém aqui, quero voltar logo para casa, preciso comer.

Ah, mais um final de tarde, o clima nesse horário é quase sempre frio, quase sempre é noite e sempre as pessoas estão com pressa para ir embora, assim como estavam com pressa para chegar em casa e, para que? Talvez terão uma noite maravilhosa na faculdade ou em casa.

Não se vê mais pombas nas ruas, elas provavelmente são as mais apressadas – já devem estar nas casas delas, no alto dos prédios planejando suas vítimas do dia que seguirá -. As vezes se vê um cachorro ou outro, mas também não são comuns.

Os mendigos também são vistos, as vezes, quando as pessoas querem os ver. Entretanto, sempre são reparados, seja pelo mau cheiro, seja pela aparência moribunda ou pela interrupção de uma gloriosa conversa ou pensamento a pedido de alguns trocados.

Nas escadas do metro, humanoides descem dentro de seus aparelhos de telefonia - provavelmente estejam em algum outro universo, no Facebook, por exemplo -. Há outros, porém estão dentro de livros, alguns de dentro de suas próprias cabeças e os indelicados que creio que desejassem estar dentro das calças das garotas que se destacam.

Sim, algumas pessoas se destacam nessa multidão caótica, as pessoas as veem, as admiram, as sentem. Outras, bem, são outras. Não sei dizer, não as vejo. Ninguém as vê. Logo, é impossível descrevê-las. São Invisíveis.

Não por que tenham alguma anomalia ou por que sejam seres etéreos. A culpa de não serem vistas não está nelas – na maioria das vezes -, está nas outras pessoas. Os seres humanos perderam a capacidade de olhar para si mesmos e para os outros que os rodeiam. Ao contrário disso, olham para o que querem olhar, olham para o que querem que olhem.

Olham tudo, mas não veem nada. Não veem o amor que esbarra e vai embora. Não veem os filhos crescerem trancados no quarto enquanto assistem à novela das nove. Não veem as esposas, não veem os pais. Nós somos todos invisíveis...

Marcelo Marques Júnior
Enviado por Marcelo Marques Júnior em 12/05/2016
Reeditado em 22/07/2016
Código do texto: T5633771
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