A tarde morria lentamente.
Era só mais um dia que acabava.
E tudo,naquela floresta ligeiramente adormecida, parecia estar em profundo e enlevado êxtase.
Calma, quieta e serena, lá estava ela: a alta, bela e impávida garça,cheia de graça, leveza e elegância.
Tão alva era, que mais parecia um pé de algodão desabrochando sobre o galho da ingazeira.
Um pó branco descia das nuvens e  aquietava-lhe as asas,camuflando o segredo do seu voo lunar.
Parecia no entanto estar pronta para o voo do amor, e do acasalamento.

Embaixo, a seus pés , estava o  pequeno macho apaixonado, que cantava há horas com eufonia maravilhosa, lindas canções de amor, e exibia com ousadia e altivez as suas penas decorativas, com o intuito de a conquistar para namorá-la.
Do lado de cá,sentada a observar, estava eu, poeta sonhadora,solitária a contemplar o tudo e o nada, e já entristecida até a alma pela tarde que estava morrendo aos poucos.

Mas a perspectiva do amor acontecer, me reanimava!

E o cortejo galanteador do pequeno e pobre pássaro, continuava, apesar da indiferença explícita da garça de coração de gelo.
O ousado sedutor, mesmo sentindo-se tão humilhado perante a indiferente garça,intrepidamente se aproximou convidando-a para com ele navegar rio abaixo, em seu humilde barquinho.Sugeriu construirem um grande ninho de gravetos entre os galhos de uma árvore no final do rio.
Mas a graça,  sequer lhe dava importância, e permanecia altiva e indiferente,com seu bico amarelo apontando para o céu.
Nada, lhe seduzia. Nada lhe interessava.
Pensei então, em algo fazer:
- Qual o quê! O dia ia morrer, e o amor dos dois não ia acontecer?? 

Com destemidez, aproximei-me da garça para tentar despertá-la para o amor. Ofertei-lhe então os meus poemas de amor, esperando que a garça os lesse, se emocionasse, e acendesse nela enfim, o amor pelo pássaro amorançado.
Acontecendo o milagre do amor, poderiam os dois voarem juntos, ascenderem os céus,  alcançarem a lua, e de lá trazerem vida para aquela tarde já quase morrendo.

Continuei mostrando, lendo e declamando grandiloquentemente os versos amorosos , mas a garça permaneceu indiferente. Nem se moveu!
Depois de alguns minutos,sem tir-te nem guar-te, ela  alçou asas num voo impetuoso,e num  instantâneo gesto, com o pescoço encolhido, roubou com uma bicorada os poemas das minhas mãos , largando-os rio abaixo, e afogando os meus versos, tacitamente, na água.
Metade de mim se foi, naquelas asas da garça, que se abriram para o além.
E, assim ficamos os três, sem graça por causa daquela garça desenamorada que bateu asas,e voou: Eu, sem ver acontecer  o milagre do amor; o pássaro, sozinho e desencantado;
e  a tarde, coitada, 
                            que não teve jeito,
                                                      definhou...



Mas,não vamos desesperançar. Haverão outras tardes, e a qualquer hora dessas, o amor acontece. Afinal o mundo está cheio de graças!
Eugênia Morais
Enviado por Eugênia Morais em 28/06/2016
Reeditado em 28/06/2016
Código do texto: T5681673
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