Ciumes

Ciúmes

O mar é um bom contador de histórias, guarda segredos profundos que tenta nos revelar. Guarda magoas e risos e soa, aos nossos ouvidos, de acordo com os nossos sentimentos.

Encapelado, com suas ondas brancas, exibe a sua força e sua imensa beleza. Preso entre recifes é calmo, é murmúrio, é gemido de amor. Marulhando nas praias é convite, é chamado, envolvimento de amante buscando a sua presa. É brilho, é luz é sol, é chama do raiar do dia. É sombra, é chumbo, é cinza pesado no chegar da tempestade.

O mar é companheiro para todas as horas, mas é preciso conhecê-lo, ouvir seus clamores, descobrir seus sortilégios. O vento que nos envia, fala-nos de imensas distâncias percorridas. O mar é nascedouro de riquezas, é sorvedouro de tragédias.

* * * * * *

No alto do penhasco, que se estende sobre o mar, o velho marinheiro, de olhos cansados, feridos de sal e sol, busca no horizonte a jangada faceira que de noite partira. Era lua gorda, lua cheia, clarão intenso a seguir.

Dançando nas vagas, cheinho de sonhos, o branco batel cumpre o seu destino. Os peixes buscar, na rede colher surpresas, riquezas de brilho sem par. A casa na praia, de barro-batido, telhado de palha, na brisa a cantar.

Moema morena, curtida de sol, envia suas preces à deusa Iemanjá. O vestido branco, de bilro tecido, aguarda o momento de ir ao altar.

Olhos ansiosos, castanhos dourados, aguardam a jangada que tarda a chegar. O noivo bonito, tão forte e trigueiro, é bom jangadeiro nas manhas do mar.

O velho na gruta, de negro vestido, sufoca o ciúme no peito a queimar. O trabalho bem feito, o cordame raspado, o vento a vela não tarda a cortar. Morena Moema de corpo bem feito é sua, só sua, e se sempre será. Voltará aos seus braços, em quentes abraços, no catre macio ou na rede a rolar.

O corpo cansado, velho, adormecido, a mão de Moema viera acordar. E sorriu o sol, e brilhou a lua e a estrela fulgente o céu a cortar. Sonhou velhos sonhos, alegres, risonhos, a morena amada seria seu par.

Armou sua trama, quase enlouquecido, viu o noivo perdido no abismo do mar.

A noite passara, o dia a raiar, Moema morena a esperar, a esperar...

Um piu, um sussurro, a ave a grasnar, avistou as gaivotas volteando no ar. Os olhos se encheram de água salgada, na face enrugada, tristeza a rolar.

Olhou a jangada de vela caída. Qual folha perdida, a vagar, a vagar..

. Foi a correnteza – Maldita! Maldita! – que a barca sem rumo fizera voltar

Na praia serena Moema morena, aos pulos, aos risos a se entregar nos braços do noivo, cansado, ferido de tanto lutar.

Na gruta de pedra, tão alta escondida, ficou um vazio na escura guarida. A onda revolta de ódio investida, o corpo sem vida a surrar, a surrar...

Christina Cabral
Enviado por Christina Cabral em 23/07/2007
Código do texto: T576904