A Dama Vermelha

Nosso exército cruzou o último bastião do inimigo, crentes de que a guerra estava vencida. Porém, daquele ponto em diante, sofremos derrotas diárias.

Os arqueiros, sempre tão precisos, erravam seus alvos; os cavaleiros eram derribados das montarias amedrontadas; a infantaria era desbaratada por forças menores.

A guerra é feita de probabilidades numéricas: quem tem o exército mais numeroso, mais bem treinado, com melhor equipamento, derrota o adversário. Matemática simples. Mas não neste caso. Contra todas as chances, perdíamos.

Muitos dos soldados debandaram, fugiam do acampamento à noite, retornavam a suas vilas, para suas famílias. Quando recapturados, amaldiçoavam a Rainha Graidnieva por tê-los enviado para uma luta perdida, e repetiam boatos, os quais já haviam chegado aos meus ouvidos antes, de que do lado inimigo uma bruxa maligna os protegia. Para eles, éramos derrotados por magia negra.

Sou um homem simples, habituado às crendices popular, eu mesmo nasci e vivi boa parte da vida num vilarejo ao sul de Harstiet, a capital do Reino, carrego no peito um amuleto contra mau-olhado e estas inscrições do meu braço são para manter meu braço constante da batalha, mas não podia acreditar que os rumos duma guerra poderiam ser alterado por magias ou sortilégios.

No entanto, os boatos foram se avultando; propagavam que a feiticeira, cognominada a Dama Vermelha, habitava a torre mais alta da fortaleza que víamos sobre a colina, donde observava nossos movimentos, antevia nossos ataques, e preparava as defesas.

A sucessão de derrotas e baixas fez-me questionar minhas convicções e, num fim de tarde, adentrei a tenda do comandante com um plano temerário: infiltrar-nos na fortaleza, encontrar a Dama Vermelha e assassiná-la. Fossem os boatos verdadeiros ou não, poríamos termo à angústia dos soldados e levantaríamos o moral.

— Não podemos arriscar a vida dum capitão experiente como vós — respondeu-me o comandante — Escolhei homens em quem confiais e os enviai nesta missão.

— Homem algum se aventurará nesta empresa se eu não estiver com eles — retruquei; eu havia lutado ombro a ombro com meus soldados, e eles confiavam em mim cegamente.

— Voltai vivo, então...

Naquela mesma noite, eu, três soldados e dois arqueiros nos esgueiramos por entre as paliçadas inimigas e atingimos as muralhas do forte. Escalamo-lo e nos dirigimos à torre. Encontramos oposição, alguns balestreiros tentaram nos deter, derrubaram dois dos nossos, mas atingimos a entrada da torre. No interior dela, mais defensores nos atacaram e, de toda nossa comitiva, restei apenas eu.

Perfiz os lance de escadas até o topo e alcancei uma porta lacrada, à qual abri pela força da minha alabarda. Foi quando vislumbrei a esguia figura, vestida de vermelho, longos cabelos afogueados, de costas para mim, sentada diante dum livro.

Meu braço fraquejou, a garganta seca.

— Dama Vermelha?

Ela se voltou para mim, e fulminou-me com olhos rubros. Mas meu espanto foi em reconhecer nela a pessoa que menos poderia esperar, a pessoa pela qual guerreávamos, pela qual morríamos.

— Não é possível! Rainha Graidnieva?

A Dama sorriu.

— Demoraste, Helfrjiod, há quantos dias te aguardo.

— Mas quê? Por que guerreais contra vós mesma? Que significa esta encenação?

— Neste livro, Helfrjiod, está escrita a história de minha vida. Fala da maldição lançada por minha mãe quando meu padrasto se apaixonou por mim, e de que eu deveria suportar uma existência sem fim, até que, durante uma guerra, um homem que houvesse me amado lutasse contra mim e me privasse da existência.

— Por isto vós me fizestes deitar em vosso leito? Usai-me para cometer suicídio?

— Só quem vive para sempre entende este fardo... — lágrimas na face da bruxa — Fazei o que viestes fazer!

No dia seguinte, a guerra acabou, um mensageiro de nossas terras trouxe a notícia de que nossa Rainha havia sido assassinada, não havendo mais sentido prosseguir.

Somente eu sei a verdade, mesmo que inacreditável, mesmo que inconcebível, mesmo que se mescle e se confunda com a mentira.