As estradas de Enialon

A noite engolia aquela estrada deserta e o vento gélido do inverno cortava os pulmões do elfo cansado.

– Realmente, faz tempo que não durmo em uma cama – disse Enialon para si, coisa normal para viajantes solitários. – Assim que chegar em Sethz vou dormir imediatamente! O louco do Leão pode esperar até amanhã…

Passo após passo o elfo chegou até a vasta floresta de Celebianme, onde a estrada dava lugar a uma estreita trilha. Um dia e meio naquela floresta separava o elfo de seu objetivo. Ele entrou na floresta e se manteve acordado até o amanhecer.

– Durmam perigos noturnos, o sol brilha e me protege de vocês – ainda restava um pouco do conhecimento dos elfos em Enealor, mesmo tendo ele vivido quase toda sua vida em cidades dos homens. O elfo deitou-se em uma depressão escondida entre as árvores e rapidamente adormeceu, perdido em sonhos profundos.

Sonhou com ouro escondido, com ouro em casa de nobres, com ouro em minas, nos bolsos, em todos os lugares! E com cavalos. O som dos muitos cavalos invadiu os sonhos dourados de Enialon e o lançaram para a realidade onde um batalhão de cavalos corria a galope na direção de Sethz.

O elfo se levantou sem fazer nenhum ruído e ficou observando sem respirar. Era noite novamente e a luz das estrelas ajudou a ele perceber que se tratavam de cavaleiros de Sethz, com a insígnia do Leão Negro nos escudos e armaduras. Sem pensar duas vezes Enealor se levantou e correu na direção deles gritando, mas sem muito escândalo – Ei! Estou indo para Sethz! Alguém pode me dar uma carona! Ei, estou falando com vocês! – todos os cavaleiros passaram sem dar importância ao elfo, como se ele fosse invisível.

– Malditos sejam os cavaleiros arrogantes, que não podem conceder ajuda a um viajante! – e ao ouvir isso um dos guardas parou e olhou para o elfo com desdém. – Filho de uma cadela, o que disseste sobre os leões negros? – pego de surpresa Enialon recuou um passo, tomou coragem e repetiu a frase. A espada do guarda foi tirada lentamente da bainha pela mão pesada do soldado. Enealor saltou para trás no exato momento em que sua cabeça seria divida do corpo.

– Volte aqui elfo maldito! – o soldado chamou outros dois e desceram floresta adentro atrás de Enialon. – Matem o porco! Ele cuspiu no nome dos Leões!

Ao ouvir a acusação, em busca de seu arco o elfo riu-se – Cuspi no quê? Estou indo para uma terra de loucos! Pobre de mim ter que descer até Sethz, ouviu leoa? – um grito na floresta respondeu sua pergunta.

Os soldados bravos cavaleiros de Sethz foram bem treinados, mas nunca enfrentaram um elfo em uma floresta densa e escura. Em menos de um minuto, todos haviam se calado com flechas afiadas nos olhos e pescoços. Um deles trazia uma bela espada, que o elfo pôs na cintura com um ar triunfante – Idiotas, era só ter dado carona... – montou no cavalo do cavaleiro arrogante e pôs a cavalgar a caminho da cidade. Vez ou outra alguns guardas retornavam em busca dos três mortos e rapidamente se juntavam a eles. A precisão de Enialon era incrível, mesmo para um elfo.

Em dado momento o elfo foi emboscado por um pequeno batalhão de soldados, mas nenhum deles sabia que morreria nessa noite. O elfo era tão bom no combate montado quanto com arcos. Um dos soldados tombou seu cavalo, e sentiu as duas pequenas espadas que o elfo tinha na cintura.

– Se a recompensa que me espera em Sethz não fosse tão alta, jamais estaria a caminho dessa cidade – começou novamente uma conversa consigo. – Pobres soldados. Fanáticos! Seus títulos não fazem diferença no campo de batalha.

Armou-se como um leão de Sethz, vestindo armaduras e armas dos mortos e então partiu.

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– Só pode ser brincadeira – resmungava o elfo enquanto se aproximava dos portões de Sethz. – Sou convidado a entrar na cidade e tenho que fazer isso sem que ninguém me reconheça! São todos loucos…

O olhar do elfo parou na imensa torre que saia de dentro dos muros da cidade. Uma torre grande e negra, com gárgulas e leões por todas as partes. Eram três torres e na maior Enialon sabia que seu contratante o aguardava.

– Ao menos vou entrar na tão falada torre – esse pensamento não consolava e os ombros do elfo doíam sob a pesada armadura dos leões.

Poucos minutos e ele já havia entrado na cidade como um dos guardas.

– Idiotas, não reconheceriam um espião que entrasse na cidade... merecem morrer – porém os pensamentos assassinos rapidamente desapareceram da mente do elfo subtamente dando lugar a uma poderosa na cabeça.

Gemendo baixo Enialon se afastou das ruas, desceu do cavalo e se largou na parede de um beco escondido tirando o elmo fechado. Seus olhos ardiam como brasa e sua cabeça poderia explodir a qualquer momento. A dor era insuportável e o motivo da tortura era dois olhos verdes vivos que observavam a mente do elfo. Alguém invadiu seus pensamentos e estava vasculhando cruelmente seu cérebro em busca de algo. O elfo abafava os gritos, que com o passar do tempo cessaram. Enialon caíra no chão sem fazer barulho, desmaiado. O invasor estava satisfeito.

*

As crianças brincavam pelas ruas, mas não notavam o elfo caído no beco. Os feirantes passavam e ninguém olhou para o elfo jogado. Alguns guardas passaram, e esses pararam. Olharam para o elfo, um deles desceu com espada em mãos. Um outro elfo surgiu, o guarda embainhou a espada e fez uma reverência. Conversaram algo e os guardas partiram. Enialon observou tudo moribundo.

*

Abriu os olhos e estava deitado em uma cama velha o silêncio era insuportável. Olhou em volta e viu um quarto velho de estalagem. Sentado um outro elfo escrevia algo em um pergaminho com muita rapidez. Era um elfo jovem para os elfos. Tinha longos cabelos loiros presos em um rabo de cavalo, vestes de plebeu e uma bela adaga dupla embainhada na cintura.

– Obrigado, amigo – disse Enialon derrepente fazendo o elfo borrar uma palavra no pergaminho. – Você me salvou dos guardas, não salvou?

– Salvei? Verdade, salvei. – e com um ar de preocupação ele se levantou da mesa. – Meu nome é Miguel, sou um servo e guia de Sethz. E você é Enialon estou certo?

Confuso Enialon apenas afirmou com a cabeça, tentando entender o que estava acontecendo e onde ele estava. A armadura que ele vestia estava desmontada perto da cama e Enialon vestia uma roupa limpas e novas, muito diferente de suas roupas de viajem.

– Você ainda está em Sethz, está em meus humildes aposentos, e seus pertences foram guardados pela estalajadeira. – afirmou Miguel sorrindo, como se lesse os pensamentos de Enialon. – Você passou maus bocados até chegar aqui rapaz... descanse. – Miguel enrolou o pergaminho que escrevia e se virou para a porta. Enialon pulou da cama e fitou o elfo.

– Miguel, espere! – esse pedido fez o guia se virar e olhar para Enialon que prosseguiu. – Você não é apenas um guia, os guardas te obedecem. Quem é você? – Essa ultima pergunta fez o elfo levantar as sobrancelhas de forma divertida.

– Realmente. Os guardas me obedecem e não sou apenas um guia. És tão astuto quanto me disseram, e tão imprudente quanto eu pensava. Você assassinou diversos guardas Enialon. – o tom de voz de Miguel tornara-se assustador enquanto ele prosseguia. – Você nos causou muita dor de cabeça, mas o Velho Leão olhou dentro de você e viu seu potencial. Querermos que você nos ajude e poderemos ajuda-lo.

– Me prometeram um tesouro que somente o Leão poderia me conceder.

– Silêncio! Não fale disso aqui! Você o terá, mas agora descanse.

A falta de paciência de Miguel provocou um sorriso maroto no rosto de Enialon.

– Você é o braço direito do Leão, certo?... Miguel o guia de Sethz, finge que nasceu aqui e que adora seu trabalho, mas é apenas um brinquedinho do Grande Leão...

Enfurecido pela verdade e pela sagacidade de Enialon, Miguel saiu do quarto batendo a porta deixando o elfo gargalhando sozinho.

– Acho que irei me divertir em Sethz! – O elfo abriu um vinho sentou-se triunfante e permaneceu rindo por um bom tempo.