O Demônio Contemporâneo

Em um novo alvorecer, voei. Pelo fio dos séculos transitei e vi povos. Revoltados por sombras do passado, estavam vos. Eram sombras dignas e virtuosas, de rostos pintados.

Pelo fio dos séculos voei ao longínquo venturo. Horrorizei-me. De pinturas, os homens já não tinham nada, de rupestre tinham a si mesmos. Selvagens homens-máquinas, com mentes-máquinas e corações-máquinas.

Caçam e predam a si mesmos, não com lanças. Lanças são ilustres. Os projéteis trazem melhor o prazer da caça e dizimam mais facilmente a esperança.

O que ingurgitam, homens do futuro? Sei que não são os seus semelhantes, pois esses se vão para a vala. Percebo que vós tendes fome. Há pobreza em vossas costelas. Escuto-vos dizer: “Recolher-me-ia alguma parte, um Deus, no momento de meu adormecer?”

Fora, certamente, o suficiente para criar sua melhor metade. “É miraculosa minha inópia costela”, dizem notáveis homens. Digo-vos, porém, homens do futuro: “É inópia a forma como arreiam sua metade, comandam-na, humilham-na e em hipocrisia elegem-se uns aos outros, pregadores da igualdade.”

Oh! Selvagens homens do futuro, em martírio, desço até vós. Intercederei, de bom grado, em seus infortúnios.

– Homens do futuro, deem-me o desfastio de ensinar-vos o caminho do sublime. – Dirijo-me ao povo.

– Quem és tu e o que ofereces, homem de mistério? – disse-me um futurista.

– Não há mistério, não há homem. Sou o tempo. Trago-vos o sublime. Trago-vos a humanidade.

– De que fala a humanidade?

– Oh! Homens do futuro, és bela, afortunada e doce. Une e não mortifica. Faz-vos enxergar a paz onde faz-se a guerra. Faz-vos integrar os povos. Faz-vos esvanecer o amargor da alma e eterniza-vos a essência.

– Fala-nos de união, de alma, de paz e de essência. Vende-nos, pois o paraíso. Não nos interessa tal humanidade. Quando nos formos, encontraremos o criador e portanto sua humanidade.

– Refutem vossa fé, homens famintos. Rompam tais quimeras. Bestializados estão, cegos pela ganancia, vivendo pela miséria dos seus. Atemorizem-se pelas próprias vozes do pensamento. Renunciem-se!

– Diverte-nos com sua veemência, ser do tempo. Somos homens do progresso, grandiosos somos. Vê nossas máquinas? De tudo fazem. Logo farão a tal humanidade. Parta para outros terrenos, aqui não nos ilude.

– Hoje há lástima e pranto. Aflijo-me para longe daqui e vos deixo em sua própria Carneia sofrida. Vos aguardam, não muito distantes daqui, os coveiros. Pergunto-vos: "Qual de vós enterrará o último homem"?