Sobreviver

Sentei no sofá, perto do telefone e esperei por horas seguidas a ligação chegar. Aliás, fiquei por dias sentada, esperando. E pra quê? A ligação nunca chegaria... no máximo seria minha mãe, ligando pra saber como eu estava, como estávamos. Porque eu nem tive coragem de contar que já não éramos mais. Fomos, já não somos.

Era cedo, nem sete da manhã e já era quarta-feira e eu não tive vontade de ir trabalhar, ligaram lá do escritório e eu pedi pra segurarem tudo sem mim, me fingi de forte no telefone, mas não contei o motivo por não ter ido desde segunda pro escritório, só não conseguiria me concentrar e não conseguria nem olhar pra ninguém sem ter vontade de chorar. Não fui.

Levantei do sofá e fui direto pro banho. Enchi a banheira, deitei e tomei um banho demorado e quente. Fiquei deitada pensando em nada. Livrei minha cabeça de tudo e dormi. A água foi esfriando e eu saí da água. Nem me sequei, saí molhada pro quarto, deitei na cama e esperei meu corpo secar sozinho. Era frio, mas eu não me importava, não quis fazer nada. De novo adormeci. Incrível como eu só conseguia dormir, nem de comer eu lembrava, era só sono o que eu tinha. Sonhei que tu estavas comigo mas, quando acordei, dei de cara com o vazio que tu deixaste na cama, do meu lado. Não resisti, deixei as lágrimas correrem e lavarem meu rosto. Não era tristeza, na verdade era uma falta, uma coisa maior que apenas tristeza. Mas deixei tudo sair, até sentir cansaço e parar.

Era tarde, quase noite talvez, não sabia ao certo, não havia sequer aberto as janelas. Vesti um hobby, e fui pra cozinha preparar alguma coisa, mesmo sem vontade, mas eu sabia que mesmo sem ti, minha vida não tinha acabado. Um misto de ausência com sufoco, mas que mesmo assim não me deixava parar. Fiz uma sopinha instantânea, comi metade. Voltei pro quarto, coloquei um vestido, me maquiei, peguei as chaves do carro e saí. Fui sem rumo. Mas senti vontade de ir, apenas. Dirigi até um posto, abasteci o carro e segui. Pensei em ir na casa de alguma amiga, convidar pra sair, mas não, era quarta-feira e nenhuma aceitaria meu convite e, se vissem meu estado deplorável, com cara de quem chorou o dia inteiro e está se fazendo de feliz, com certeza se preocupariam e me fariam ficar na casa delas. Decidi ficar sozinha. Já que foi isso que aconteceu, me deixou sozinha.

Fui pra uma praia, estacionei o carro perto do mar, deixei os faróis ligados, deixei os sapatos na areia e o carro aberto. Entrei no mar. Refletida pela luz branca dos faróis. Me senti completa, me senti única e deixei aquela sensação tomar conta de mim. Uma onda de alegria havia tomado meu coração. Tinha dado conta que tinha tudo o que precisava. Tinha minha vida, meu trabaho, a casa, os amigos, a família... tinha a mim.

Entrei no carro, voltei pra casa. Era quase manhã de quinta-feira. Tomei banho de chuveiro, troquei as roupas de cama, coloquei tudo limpo, sem teu cheiro e dormi. Despertei tarde, quase dez da manhã. Chequei a secretária eletrônica e havia sete ligações, de um mesmo número desconhecido. Talvez eu devesse ter retornado, mas não. Apaguei as ligações.

Abri toda a casa, troquei todas as coisas de lugar. Deixei as lembranças virem, mas não deixei mais a ausência perturbar. Fiquei feliz por estar comigo, por ser e ter minha vida. Saí, comprei novos quadros, novas mantas pro sofá, novas roupas de cama, tapetes. Troquei a decoração como se estivesse me mudando pra alguma casa nova. Não. Era minha vida nova e eu sabia, teria que me virar sem ti. E sobrevivi. Aqui, comigo.

(continua?)

Gabibis
Enviado por Gabibis em 12/08/2007
Reeditado em 21/10/2007
Código do texto: T604084