Para o Alto e Avante

O tempo voava como os pássaros, as horas passavam como as águas caudalosas de um rio inquieto, e ela ainda cheia de dúvidas, presa às incertezas de "Ser ou não ser, eis a questão"; afinal, a vida adulta, a vida de gente grande acomodada, não permite pensamentos, sonhos e ilusões de menina peralta. Se via como uma folha presa ao trançado ingazeiro. Se debatia, debatia e nada de sair das garras do emaranhado de galhos retorcidos. Sabia que a expressão "correr perigo sob o balanço constante das cordas bambas no picadeiro dos libertos" fora extirpada dos dicionários os quais lera desde criança. Trazia em seu âmago a traquinagem de desvendar os enigmas do inimaginado, mas precisava de algo que lhe despertasse para a descoberta do dormir acordada.

Todavia, num estalo de assustar os dragões nas montanhas, ela tomou a decisão, rompeu com os paradigmas, disse não aos indecisos e caminhou. Seu espelho foi o primeiro a sofrer as consequências. Todos os caminhos levam às vicinais... e todas as vicinais... ora, se duas retas se encontram no infinito, estradas sinuosas e estradas retas hão de bifurcar em algum ponto; e por mais que não soubesse, caminhou em direção ao firmamento. Seria ela o exemplo e não a reclamante, a porta-voz daquilo que deveriam ter feito e não fizeram! Assumiria-se.

Para o alto e avante. Imensidão e divagações lhe vinham em torvelinhos; mas nada que abrisse espaço em sua mente para o desânimo. Ao contrário, sempre imaginou que em qualquer canto, em qualquer arrebalde, haveria um tronco que lhe servisse de esteio. Embora que se nada acontecesse, nutria a ideia que o isolamento em seguir os bons auspícios é o encontro de si, consigo; e estar consigo, é o mesmo que alcançar a paz interior; tornando-o rocha inabalável.

A alegria reina na tristeza. O feio é apenas ilusão de ótica. E quanto mais sentia o perfume de seu espelho, inversamente proporcional, observava e aprendia com o comportamento das vidas que transitam em seu jardim. Anonimato: flores e pequenos insetos tem um quê desta invisível virtude.

Longe, muito longe das vias da igualdade que já não se via, bem distante da mesmice a qual sempre se submetera, estacou o corpo e mirou o oceano azulado do céu. Pássaros corriam rente as nuvens. Parou debaixo do sombreiro doado por um benevolente pé de jatobá, que exalava o perfume do merecido descanso. Cambaleante pelo sono e o cansaço repentino, caiu desmaiada sobre suas grossas raízes retorcidas. Antes que adormecesse, esparramou seus sonhos entre as ramagens e raízes. Uma voz insolente pousou-lhe nos ouvidos, dizendo: "nessa longa estrada, espero por você." Sorriu sem saber o porquê, gargalhou para o invisível e ainda que não tivesse tempo para recordações desencontradas, lembrou que não acenou o adeus para aquela gente simples de sua rua. Ninguém a viu sair; apenas a revoada de pássaros que aporta todos os dias nos ipês em frente a sua casa.

Pássaros despertam cedo; bem como certas espécies que voam sozinhas, isoladas, que não se adaptam ao gregarismo, é o reflexo da solidão; ou talvez não, pois a superação é mera subjetividade incompreendida. Existem tantas coisas que a ciência, além de não explicar, desconhece!

Excluindo os sofismas, repetiu para o seu inconsciente: "nessa longa estrada, espero por você". Sentia-se mais aliviada, pois certamente alguém a esperava. Dúvidas existem, mas não são maiores, não são mais longas, que as imaginações e ainda que dificultosas, são superadas por aqueles que possuem no brilho de suas atitudes o poder de decisão. Quem opta pela decisão corre o risco de errar, porém, apropria-se palavras fundamentadas em seu discurso. Seguiria tocando em frente, sem olhar para trás, sempre em frente.

A tarde caía desfalecida. O sol morno pedia passagem no horizonte, em breve, tarde e sol se recolheriam em seus aposentos. Enquanto eles tombavam enviesados, ela despertou do sono vespertino. Após um longo bocejo, sussurrou qualquer coisa para o vento que cofiou-lhe os cabelos. Sua língua roçou levemente os lábios tórridos pela secura da baixa umidade relativa do ar. Por certo tempo, língua e lábios ficaram se contemplando. As repetidas minúcias respondem as perguntas feitas pela ardência de um amor em chamas.

Ainda sendo escrito; após terminado, será o guia de muitas mentes brilhantes e inundará ainda mais de encantamento, os alargados meandros. Escrever com propósitos, é estreitar distâncias e alargar sentimentos aprazíveis. Compromisso com o alegrar tristezas desprezíveis.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 23/07/2017
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