As Rainhas do Lado Oculto

Já quase manhã, em uma praia, atrás da baia, entre os montes verdes, o sol aparece tímido nas poucas nuvens douradas ao seu arredor. Uma bela moça caminha descalça na areia molhada demonstrando certa exaustão. À sua frente um rapaz, forte e alto com um camisão longo de couro marrom claro carregando nas costas um escudo redondo com uma planta desenhada no centro. Suas folhas em forma de pontas de lanças simbolizando um lema. Leva um saco feito de pele de animal no seu peito e uma armadura desmontada em sua mão direita.

A bela jovem usa um vestido longo e azul claro de seda pura, decotado. Pede ao cavaleiro que monte um abrigo ali. Pois seria um lugar ótimo para descansarem da longa caminhada que fizeram.

- Minha rainha, ao sul chegaremos a três dias, lá sua família nos acolherá. Não precisaremos mais fugir da guerra que destruiu nosso reinado e deixou apenas o pouco do ouro que carrego. Os deuses não fizeram por nós, meu coração inflama com a sede da vingança – diz Regis irritado enquanto coloca sua armadura no chão.

- Minha família irá entender Regis e teremos um novo exército a marchar. Voltaremos a tomar o que é nosso por direito, na medida certa. Então teremos nossas terras novamente.

- Sim, ‘’lutar pela conquista, recomeçar pelo crescimento’’ essa é a frase que meus pais sempre usaram para motivar nas batalhas. Quantas saudades dos meus pais, irmãos e de meu país no oeste. Com firmeza no olhar, Regis levanta seu escudo, encaixado no braço esquerdo, bem detalhado e o olha. A rainha o chama com cuidado e doçura.

- Meu esposo sente aqui. Eu gostaria de contar uma história dessa praia e região. Como eu sou do sul e você do oeste seria interessante que soubesse, serei breve.

- As histórias do sul são sempre fantásticas seu pai já me contou algumas, conte-me. Sentados debaixo de uma sombra em uma árvore pequena com as raízes grossas observam as ondas quebrarem a sua frente. E então ela começa a história com o semblante amigável.

- Há mil anos atrás nessa paradisíaca praia habitava o povo do mar das águas vermelhas. Eles contavam que seu rei chamado Dinis afogou sua esposa e rainha Vaitiare com suas próprias mãos, na frente de seu castelo, uns dois quilômetro de distância daqui. Como punição e tradição da família do rei era afogar qualquer traidor da coroa. O próprio rei encontrou em seu quarto e cama, ela, em sono profundo, com um cavaleiro da guarda depois que chegou de uma longa viagem. Foi conspirado a ela uma traição que não existiu. A rainha morreu sem saber provar ao contrário. Os dois se amavam muito, e o povo daqui tinha devoção por ela. Vaitiare era alguém muito caridosa com os pobres. E logo depois de sua morte começou a aparecer na praia durante cem anos somente em noites estreladas chamava pelo rei Dinis e se perguntava o porquê foi afogada pelo seu grande amor.

O pequeno povo do local por algum motivo conseguia ver a rainha Vaitiare. Eles a encontravam chorando de joelhos na praia com muitos rasgos em seu vestido preto, pálida e desorientada. Alguns moradores de seu povo choravam juntos, e depois de horas ela sumia. A tristeza pairava no povoado que mal dormiam nessas longas noites. Aos poucos começaram a ir embora para o sul de meu país quando a aparição começou a ser mais constante. Já o rei com o tempo foi falindo e não havia quem pagasse impostos a ele e o comércio se enfraquecia cada vez mais.

E já no fim de sua vida o tempo passava lentamente. Então Dinis em uma noite de muitas estrelas onde a lua de tão grande parecia querer encostar no mar calmo, amarrou em seu pé uma ancora enferrujada enorme, e se jogou de seu maior navio de guerra sem ser notado por ninguém, indo para as profundezas do mar escuro. Muito antes de seu reinado chamavam de mar do amor, por realizarem muitos casamentos felizes a beira mar. Dinis suicidou-se pelo remorso de ter afogado sua própria rainha que ainda a amava muito. Acabou seguindo as influências do conselho do rei e as tradições severas de seu sangue. E assim um grande amor foi interrompido e pelo que contam foi pela ganância e inveja dos que rodeavam a coroa.

- Que historia Kailani, o rei não teve discernimento, e muito menos investigou o caso e ficou longe de um importante recomeço.

- Pois é Regis saibamos sempre agir com prudência para tentar recomeçar. Tomaram o que é nosso e precisamos saber nos reorientar para não nos perdermos novamente. Olhando esse mar eu preciso entrar na água me fará bem, vou tomar um banho para me refrescar. Que a deusa Kai das águas do mar, esteja conosco e nos traga sua luz nas horas mais difíceis.

- Que ela nos ilumine Kailani. Enquanto nadar, buscarei uns gravetos para uma fogueira no fim da praia no monte, e tentarei caçar algo para o anoitecer.

A rainha Kailani entra no grande mar deixando para trás as pequenas ondas calmas. Olha para o céu da manhã, nuvens prateadas e com tons acinzentados em algumas partes, dando um tom de pinceladas ao horizonte extenso. Como uma boa nadadora nas braçadas se direciona para o fundo, mergulha com leveza rasgando a água límpida e clara. Raios do sol furam a água entre os pequenos e poucos peixes coloridos que cruzam com Kailani. O frescor da água faz a mente e o corpo esbelto da moça relaxar. Mais a fundo aprecia as tonalidades vivas e os inúmeros animais pequeninos de olhos mansos que passeiam no jardim da água. Sente toques nos pés, são os peixes que surgem a sua volta, batem constantemente em seu corpo. Ela sorri dentro da imensidão os admirando.

Algo muito gelado encosta no peito de seu pé, varias vezes, e sem entender continua a nadar. Depois de instantes volta a superfície para recupera o fôlego. Mergulha de volta para esquecer a sensação de vazio e se alivia mantendo o mergulho estável e acolhedor. Mas num instante algo segura firme seu pé direito puxando-a para baixo ''uma mão branca e fria''. Kailani vê uma mulher com semblante pálido, enrugando o rosto e soltando bolhas pela boca, como se estivesse pedindo sua ajuda, desesperada e se afogando. Os peixes multicoloridos se afastam e Kailani aflita se assusta querendo se livrar da mão. Sabe que para ajuda-la precisa nadar até ela e abraçar por trás e depois emergir. Entende por experiência que é essa a maneira certa de salvar alguém em agonia. Kailani começa a beber muita água e se afogar junto. Fecha seus olhos e na angústia lembra-se de sua deusa das águas do mar com seu manto iluminado. E pede ajuda naquele momento memorizando com fé intensa.

É puxada cada vez mais para baixo não conseguindo se soltar. Uma luz azulada de tom bem claro sobe em direção à mulher que a está puxando. Ofusca os olhos de Kailani que coloca as mãos na frente do rosto. Quando pode enxergar melhor vê em sua frente uma mulher de olhos azuis pequenos e muito vivos. Cabelos compridos, negros e ondulados. Seu vestido desproporcionalmente muito longo no tom azul claro desce a metros para o fundo do mar, roupagem desigual a dos homens que vivem na terra, se diferenciando principalmente pelo seu desenho que ondula nas águas. Lembrando traços de ondas azuis.

Então ela toca nas mãos da mulher de vestimenta preta, desprendendo de Kailani e a colhe no peito levando para o outro lado das águas, sumindo rapidamente e deixando o impacto de sua presença.

Kailani emerge e ao boiar ainda muito agitada, dá braçadas até a praia, sai da água, e já é noite cheia de sóis. O vento sopra frio vindo do mar que se agita. Vê de longe o rei Regis aflito, ao lado de uma fogueira, iluminando pequena parte da praia com sua luz amarelada. Grita e chama pelo nome da rainha Kailani por várias vezes com as roupas molhadas Regis corre em direção a ela. A esposa de longe diz apreensiva:

- Estou aqui meu amor, estou bem!

Mas Regis passa por Kailani e entra na água pisoteando as ondas com força. Ela olha para Regis e vê na água seu corpo todo boiando para fora entre as ondas que quebram. Um frio imenso dentro de si domina Kailani sem entender. Ajoelha e vê o marido retirando o corpo do mar em profundo choro desconsolado e caminha até a fogueira.

Rajadas de vento frio cortam o lugar. E um vazio se estende no barulho das águas quebrando. Regis coloca Kailani na areia da praia e não escuta seu coração bater, e pensa já é tarde. A noite tem um gosto amargo. Em lágrimas de sal o rei Regis passa as mãos na cabeça da esposa e deita a seu lado, repetindo por várias vezes seu nome. Enquanto Kailani o olha dizendo:

- Estou viva aqui meu amor, isso não pode ser possível. Não, não. Aqui estou Regis!

Ela tenta chamar pelo esposo, mas ele não escuta e pelo cansaço da dor ele acaba adormecendo. Ela fecha os olhos. O vento do litoral faz Kailani arrepiar-se de frio e nem mesmo a fogueira próxima aquece um coração vazio. Ajoelha-se ainda molhada, suas pálpebras superiores encharcam de lágrimas que descem compridas de seu rosto fino e pingam na areia. A bela moça levanta a cabeça, abre bem os olhos e uma mulher a sua frente paira a um metro do chão. Irradiando luzes cintilantes em tons de azul claro chegando até Kailani e aquecendo seu corpo, transmitindo a ela uma calma acolhedora.

O rosto da tal mulher é suave e faz lembrar, a textura das pétalas brancas e delicadas de uma rosa. A serenidade em seu semblante é transparente, seu perfume irradia um aroma doce e fino. O vestido e manto super longo a metros, cai sobre a areia fria e amarelada pela luz da fogueira. Kailani se emociona, identifica a mulher da qual a livrou de ser puxada pela rainha Vaitiare encaminhada para a luz das águas calmas.

Uma voz soa da mulher cheia de leveza até Kailani.

- Querida eu sou a deusa Kai das águas do mar. Seu esposo o rei Regis irá recomeçar uma nova jornada. Olhe para o seu escudo, é um desenho de uma planta a crescer representando ‘a luta e o crescimento’, pelo qual vive seus entes queridos desse lema. Trazendo a ele o conhecimento em sua vida, conquistas e novos começos. Um novo caminho também a espera. Venha comigo filha das águas.

Kailani faz um gesto de positivo com o rosto compreendendo a situação com dificuldade. E dá as mãos para a deusa Kai que a leva volitando dentro de uma bolha translúcida para o mar das águas vermelhas. Sumindo entre as ondas que parecem exaltar a deusa e sua filha com a luz do firmamento.

Helias Sevla
Enviado por Helias Sevla em 14/08/2017
Reeditado em 05/10/2018
Código do texto: T6083922
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