A CARTOMANTE

Nunca pensei em mim mesma neste papel.

No máximo me via esporadicamente do outro lado da mesa, aquela pessoa movida ora pela curiosidade, outras vezes pela angustia...sei lá..os motivos internos e externos são muitos, o místico e o inexplicável sempre atrai, mas nunca pensei que um dia eu seria

uma cartomante, pegadinha do destino!!!!

Eu sempre fui muito intuitiva, desde criança, mas nunca me preocupei muito com isto, pra que? Não fazia muita diferença as coisas que vinham na minha mente, era uma vida descomplicada, desprovida de obrigações, tive pais que me deram o necessário para a sobrevivência, eu estudava, me ocupava com o que queria, sempre adorei ler e escrever...escritora..isto sim eu desejava ser!!

Quanto papel foi destruído por mim, nunca consegui concluir nada além de breves contos, no máximo uma poesia de vez em quando. Ensaiar até que eu ensaiava, mas se na mente as idéias fluiam, faltava-me a paciência necessária para me entregar muito tempo em passar pro papel. Sempre muito crítica, achava que tudo que escrevia estava no máximo razoável, nunca tive pretensão de ser nenhuma Clarice Lispector mesmo, minhas pequenas poesias já me bastavam e para que publicá-las? Eu estava longe de me tornar escritora, isto não era pra mim, eu pensava em viajar, em correr o mundo, aliás, eu sonhava né, porque a realidade da vida que eu levava sempre foi bem outra.

Até que um dia em minha mente se descortinou uma realidade que veio como o vento que surge inesperadamente e que não dá para ser contido. Foi mais forte do que eu poderia imaginar, nem foi um vento, foi uma ventania...não deu para fechar os janelas da alma, tarde demais, quando eu percebi o vento já tinha tirado tudo do lugar, e tive que arrumar as minhas prateleiras internas, e foi assim que eu pude verificar tudo o que eu tinha acumulado ali ao longo dos anos. Bendita ventania!!!

Com este vendaval que chegou me virando pela avesso veio uma consciência diferente, muita coisa mudou. Eu queria tanto ser escritora, mas me vi mais potente como leitora. E ainda mais me surpreendeu, que eu passei a ler pessoas, era assim que eu me via!!!

As cartas, minhas amigas e companheiras de "brincadeiras" que eu sempre gostei de fazer, viraram minhas cúmplices. Eu sempre gostei, sem uma explicação específica, "destas coisas", eu gostava por gostar, me atraia sempre o oculto, eu lia, pesquisava, cutucava. Usei o verbo no passado??? Pequei! Eu ainda sou esta ai, extremamente curiosa pela vida, insaciável mesmo!!!

E as minhas cartas amigas de "brincadeiras" me mostraram uma pessoa que eu nunca imaginei ser. Elas não queriam mais brincar!!!!

Estavam querendo falar sério e a primeira pessoa a se surpreender e até a duvidar disto fui eu. Porque eu?? Tudo começou como brincadeira para algumas colegas, e logo logo eu virei uma bruxa na concepção de uns e uma louca na concepção de outros, nunca liguei para o que pensavam de mim mesmo (continuo não ligando!!). Mas em compensação, sempre tive uma auto crítica extrema, que nunca facilitou as coisas para mim, eu não podia ter alguém mais severo como crítico do que eu mesma!!!

Passei a ler almas, acredite que qualquer um pode sondar o lindo e incrível universo humano, hum...não seria bem humano, e sim a parte de nós que não é humana, que é bem mais do que isto, a nossa essência, o que nós somos de verdade, não importa se jovens ou velhos, se pobres ou ricos, a alma é o maior tesouro que possuimos e ela existe em todos nós!! Somos todos extremamente ricos, só que nunca paramos para pensar nisto. Até que algo que nos revire a alma nos obrigue a fazer.

E foi o que aconteceu comigo quando minha alma foi revirada pelo avesso com a ventania que eu já mencionei. Esta ventania veio na forma de pensamentos que não eram meus, era uma vozinha interior, no inicio ela era bem fraquinha, depois foi ganhando força e eu ainda assim insistia em ignorá-la, até que foi impossível não escutá-la. Umas vezes eu amava estava voz, porque ela me dizia coisas boas, outras vezes minha vida passou por crises extensas, porque esta vozinha que as vezes me soava doce e melodiosa, outras vezes se transformava em uma voz dura e me dizia verdades que eu não queria ouvir, ela não falava na realidade o que eu queria ouvir e sim o que precisava ser dito, só bem mais tarde é q eu fui entender isto.

Lendo as almas é que eu passei a sentir isto. O quanto cada um tem escrito no seu próprio livro da vida. As histórias serão sempre diferentes, porque os personagens são diferentes, cada um "sente" de uma forma e o sentimento é tudo que somos, e a nossa usina geradora destes sentimentos é a alma.

Passei a dar o maior valor a "vozinha". Quando ela era conselheira, me advertia e eu ignorava, me arrependia. Eu a via como uma amiga ímpar depois que descobria o porque de ter me dito aquilo. Algo comparável como um pai que tem mais experiência que um filho e não pode dizer tudo em determinada ocasião porque o filho não iria mesmo entender.

A esta altura eu já era pai-mãe e sabia muitissimo bem o porque da voz ser assim, mas mesmo assim, eu seguia mais a mente racional do que a intuitiva!!

Esta briga interna me trouxe alegrias imensas e também me trouxe lágrimas sem fim. Eu "ouvia" o sofrimento dos meus semelhantes através da vozinha e das minhas amigas e cumplices, as cartas. E este sofrimento para mim pareciam uma tortura, porque não "ver" só as coisas boas?? Porque eu que sou uma simples mortal e não posso nada além de amar meus semelhantes tenho que passar por isto? Que tipo de prova é esta? E garanto que pela multiplicidade de cartaz que os usurpadores da fé alheia colocam pelas esquinas da vida, as pessoas não costumam pensar e ver em quem tem um dom por este prisma, generalizam.

A vozinha se tornou uma amiga inseparável.

Eu não queria ouvir a voz. Não queria mais ouvi-la. Porque eu não queria ouvir coisas ruins. Briguei com ela, pedi para que se calasse, para que emudecesse se preciso fosse, mas que não me transmitisse mais nenhuma noticia. Exigi ser um ser humano normal e só saber do que o mundo externo me transmitisse, o que já estava de bom tamanho. Odiei quando ela insistia em me falar, foram brigas sucessivas até que ela foi se acalmando e se tornando mais branda. Hoje ela é mais suave e sei que foi por amor que ela se fez presente e ainda se faz. Foi e é por amor que esta voz me guia e por ver meu sofrimento ela se calou por um tempo e mudou a sintonia das nossas conversas. Não sei se a sintonia mudou tanto ou se fui eu que passei a aceitar a vozinha com menos rigor, só sei que eu e ela hoje nos entendemos muito melhor.