Flores de plástico não murcham

Meu velho Cuco, amigo espreitador fantasioso que conta estórias através do sopro do tempo. Pássaro de madeira que humildemente e sob sossego absoluto conta os segundos, os minutos e as horas. Sem pressa, anos e décadas, séculos passam; e se para o mundo é agalopado, para você, passa demorado. Sabe muitíssimo bem a lição que para manter-se jovial, apressar os passos faz mal; por isso, caminha devagar e contrário de todos, nunca teve, ou terá pressa. Passos curtos no estradão, lá vem o Cuco. Devagar e sempre, essa é a sua sina. Tartarugas e preguiças não competem com sua vagareza. Enquanto todos querem ser o primeiro nas competições, você é o último a cruzar a linha de chegada; porém, sempre impostor. Senhor Cuco Mandão, que perde tempo mas não perde o ruído de hora em hora, você com essa sua lerdeza desmedida, dormindo com um olho fechado e o outro aberto, vai longe.

Comprovando pelos números matemáticos e por vezes pelas expressões estatísticas, não deixa nada passar ileso. Dá conta de tudo... do pio dos pássaros de penas, do vento que sopra a cabeleira da moça, do farfalhar que agita as folhagens, dos pingos de orvalho que escorrem desfeitos pelos raios solares matinais; do trigo que faltou na santa ceia de natal; tudo, mas tudo é motivo de bisbilhotagem e tagarelice por parte desse inimigo da indolência.

É notar o ponteiro maior ficar em posição retilínea e verticalizada, formando um ângulo qualquer, ou sobreposto ao menor, sai da gaiola e pia sua fúria. Ouvir não bastava, era preciso entender sua complexidade. Seus eufemismos, prolixidades e hipérboles. Coisas que os antigos faziam com maior apreço. Lento, calmo, sereno, lembro de ti nos casebres de ingleses, franceses, alemães, japoneses, chineses, brasileiros e demais residências, na mesma batida compassada.

Corredores mal iluminados pelos candeeiros. O fio de luz dançava de um lado para o outro; quase cai desfalecido, mas resistindo bravamente, retornava ao seu posto. A parede enfumaçada. Os picumãs que desciam do jirau formavam uma tei de aranha espessa e emaranha. Por ali ninguém passava, sem pagar pedágio. Observada atentamente por você, a família reunia-se e todos na sala rosnavam coisas do cotidiano. O falatório dava pano para manga. E você, cruel que só, tomavam-lhes os dotes. E o velho patriarca inglês? Em sua cadeira de balanço, ao ir e voltar, reparava de soslaio o jardim que plantara.

Flores desabrocharam. Produziram e reproduziram. Puxando do bolso da casaca ensebada um cachimbo, abastecia-o com fumo de rolo. Socava bem. E chamava o neto mais novo para acendê-lo no candeeiro. Uma baforada após outra. Anéis de fumaça rodopiavam acelerados; circulavam pelo ambiente e pegando carona com o vento que entrava apavorados pelos janelões de madeira, iam dormir em outros aposentos. Enquanto a varanda inundava de fumaça, tossindo e pigarreando, pernilongos e mosquitos afastavam-se imediatamente em debandada.

Tremia feito vara verde. Tens notícias dele? Pelo que fiquei sabendo, ultimamente, o velho inglês perdeu o juízo, mas não perdeu a mania. É essa modorra de vida todo santo dia... Sem o que fazer, com a seca brava e a osteoporose corroendo-lhe as juntas, ornamentava as mesas com jardins de plástico e nunca mais se deu ao luxo de cuidar do jardim de flores viçosas. Flores de plástico não murcham. De tudo aquilo amigo Cuco, sobrou a solidão do nunca mais e a saudade atormentadora. Saudade, solidão e lembranças é o cardápio diário.

Convidadas ou não, comem na mesa todos os dias e dormem nas mesmas camas todos os dias com o amante; porém, o organismo não digere, não adapta-se facilmente, e vez para outra, fazem os olhos derramarem lágrimas. Era ver os pingos molhando as faces, você corria a se esconder. Trancafiava-se. No entanto, sensato, assim como você fazia-os chorar, fazia-os sorrir; e passado a angústia momentânea, tudo voltava à normalidade. As flores de plástico fizeram bem para aquela família de ingleses, Cuco.

Atualmente não mais do que conhecestes, pouco resta. O carro de boi está atolado no meloso e o colonial está chegando à chaminé. As cacimbas secaram. Uma boneca sem braço mergulhou de cabeça na terra. Quem sabe dela germina alguma coisa. Fora esse pouco, quase mais nada resta. Também, quantas gerações foram enterradas naquele lugar! Miríade. As flores de plástico!... flores de plástico não murcham, mas envelhecem; e estão desbotadas, pálidas, imundas. Cobertas de terra, foram juntar-se com as desfalecidas do pomar. E até onde se sabe, murchar não murcharam, mas morreram. Quando a falta de utilidade alia-se a falta de serventia, você interfere no ciclo, encurtando as estações dos inúteis. A insignificância mata, isso mesmo, mestre Cuco?

Pois então seu bico aberto, você com esse jeito enganoso de não querer nada com a Hora do Brasil, mata o mundo e fica vivo para contar as histórias de quando e como a guerra foi desfraldada. Até Hitler sofre na ponta de seu bico. É abrir a portinhola, pode esperar que já vem novidade. Para os pessimistas, infeliz e triste; enquanto que para os otimistas, a felicidade foge da complexidade. E se conseguistes dar fim nas flores de plástico do velho inglês de guerra, não será eu, césio 147, que irei desafiá-lo! Tu és inexorável...; mete medo até em gato preto, que dizem ter sete vidas. Permita-me então, encerrar chamando-o de mineirinho inquieto: o Cuco come quieto.

E de quietude em quietude esvai-se a vida...; e você Cuco querido, não resistirá o desmonte prometido pelos seus inimigos. E mais cedo ou mais tarde, como o sol que praticamente bate cartão todos dias nos arrebaldes do velho inglês que não existe mais, você também perecerá atrás das colinas. Por que afirmo isso? Porque madeira Cuco amigo, ainda que seja de lei, requer cuidado e manutenção constante por mãos amigas. E o lustro com verniz dado pelo inglês velho de guerra com apreço e carinho lhe fará falta. Madeira boa, genuinamente de lei, se não tratada e mantido o tratamento, são semelhantes as flores de plásticos, mão murcham, mas envelhecem e morrem para o nunca mais.

"Não raro, a liberdade é como o condor que voa rente as nuvens. Não menos, o valor de compra das asas; fato o qual as espécies voadoras necessitaram cursar a disciplina "Para o alto e avante" na faculdade de Economia. Energia deve ser reservada durante o passeio e na falta de combustível, as asas da liberdade tornam-se desafio constante e risco iminente de debicagem; portanto, a sabedoria é para alguns, apenas. Porém, possível; impossível é o medo da conquista e realização não ser para todos". - a abertura foi lida pelo líder, mister Benrrur.

Em que pese a ofuscação da névoa lançada repentinamente sobre o condado pelo Senhor do Clarão Lunar, era uma noite especial e digna de comemoração. Comemoração? Como comemorar o que não foi planejado? Será que as coisas mudaram a tal ponto no Reino; e como se fôssemos humildes subservientes, a qualquer hora, em qualquer ocasião, cumpriríamos o mandado, apenas porque ele nos ilumina? Mesmo sabendo que estava sendo ouvido e visto pelos olhos perspicazes e ocultos do Senhor do Clarão, questionei inúmeras vezes. Porém, como todo ser obediente que preserva o posto e prima pela ordem e disciplina da legião de Druidas, fui conferir o chamado inesperado e nada usual na bola de cristal que fica no nicho fixado na parede frontal à porta de entrada da sala, quase na junção do teto. Posto um pé dentro do ambiente, o sensor dispara as boas vindas ao amigo da casa ou ao intruso.

Aqui, ainda confiamos nas sentinelas das forças maiores, motivo de portas e janelas ficarem abertas ininterruptamente. Sinceramente, não me lembro quando foi a última vez que fechamo-as. Bem lembrado, numa ocasião oportuna vou reunir o pessoal para fazermos os reparos e lubrificação delas. Temos carpinteiros mestres na arte de talhar madeira. Bom, para o momento, os trabalhos são outros e são neles que focarei.

É no ambiente da sala que eu recepciono os convivas. Corri ao local e ao olhar, talvez para chamar atenção, espectros coloridos formaram um arco-íris e em letra garrafais estava escrito que deveríamos nos reunir naquela noite. Dizia mais: "custe o que custar". Sim, em caráter de urgência, o ultimato impunha que deveríamos nos reunir; eu e meus cinco amigos, sob pena de sermos banidos do Reino. Ora, agora as coisas são assim, fazem o que querem e quando querem? Tudo, mas tudo em nosso Reino sempre fora muito democrático. Negociado sob discussões, acertos e erros.

Cofiando a barba que à época, descia até altura do peito, em princípio não acreditei e por um tempo, fiquei incrédulo encostado no vértice formado por duas paredes. Afinal, os nossos projetos sempre foram bem delineados com apreço e zelo, o que nos garantia a realização plena em nossas tarefas. Em certo momento, pensei em dizer não, dar de ombros e continuar fazendo o que estava, quando uma faísca cortou a sala; iluminando-a. Confesso que ainda cheio de medo, aprovei tamanha beleza os flashes que circular pelo ambiente. Apaguei a luz para observar o fenômeno. Uma voz aguda, arrogante e repressora tomou o silêncio do ambiente e disse em altos brados que obedecesse o proposto, ou algo iria acontecer. Hum, "algo iria acontecer"; foi o que me veio à mente. Fui tomando por misto de ira e perplexidade.

Esquecendo o egoísmo tão presente nos seres racionais e voltando minhas forças para o bem maior, às pressas disparei o alarme, que é o contato entre duas estrelas cintilantes, as quais quando acesas em conjunto, significa que algo está acontecendo no Reino; e portanto, todos devem apresentar-se ao chamado com urgência. Nessas ocasiões, o estresse e o desgaste, palavras que os humanóides deleitam-se em dizer, tomam conta dos nossos pequenos seres. Certo tempo passou e nada de ninguém aparecer. Sala silenciosa.

Fiquei atônito e impaciente com a possível rebeldia de meus irmãos Druidas. Somos todos unidos, solícitos e prestimosos, porém vez para outro, algum empaca e assim como eu, exige explicações detalhadas do que está acontecendo e o porquê da solicitação fora de hora; porém, as luzes que denunciavam a malquerença deles estava apagada. Como imaginado, nosso Reino, dentre todos os Reinos, saiu na frente em se tratando de comunicação à distância; embora que muitos aliados não se permitem tal avanço, não aderiram plenamente o conceito ainda. Preferem outros meios e antigos. Agora saberei realmente quem é a favor e quem é contra a inovação. Se bem que, por enquanto, são todos... luz acesa na sala, vou ver o que é. Blefe apenas!

A primavera dava as caras, mas enquanto os calendários não viravam a página, lá fora uma brisa fresca brincava com as folhagens. O espetáculo inebriante contava com um arco retilíneo, um longo túnel formado pelas copas das árvores que sumia no horizonte; embaixo um atapetado de cores diversas. Levemente e carinhosamente uma folha rolava por cima da outra e em pouco tempo, desfazia-se o montículo. Castelos areia tocados pelas ondas do mar. Grãos de areia que rolavam soltos movidos pelas ondas. Atormentado por tamanha beleza que invadia minhas vistas, fiquei por ali por certo tempo cheirando o almíscar noturno. Nesses vagos e inesperados momentos, difícil é contabilizar o tempo e exprimir em palavras o que significa eternidade. Semelhante ao momentos felizes, eternos somos nós, pequenos e irrelevantes seres amantes da Natureza.

Despertei-me da divagação onírica e recobrei a memória sobre o chamado... por onde andaria meus amigos; estariam eles preparando alguma poção mágica? À essa hora? Pouco provável, pois os números de anos e anos sem uma gota de ira provavam a paz que imperava no Reino; chamado nas cercanias de Reino da Paz e Sossego. Compromissados, nós, os governantes de inteligências, nunca deixamos o ego subir à mente. Dispensamos títulos; porém, manter-se vigilante garante o bem estar coletivo. Para perder um Reino é fácil...

A lua sumira. Talvez pelo horário. Fui à despensa e peguei o candeeiro. Tateando as prateleiras, alcancei o binga. Risquei-o e após acender o candeeiro, caminhei para o paiol transformado em depósito de quinquilharias. A despreocupação, a inércia e a passividade dos últimos anos fizeram-me acomodar a tal ponto, que errei o caminho. Tropecei numa moita e rolando em cambalhotas, torci o pescoço; porém parar nem por um milésimo de segundo. Chegando ao local, pensei como iria encontrar agulha num palheiro como àquele.

Tudo revirado. Tubos de ensaios caídos; panelões e tachos de cobre de boca para baixo. Talhares fora do lugar. A morsa apertada até o último grau e o suporte sumido no meio das velharias dizia que ficaria solteira por tempo indeterminado. A pequena caldeira tomada pelas cinzas velhas, ralas e fuliginosas. Caos.

Plá... plá... plá...; o vento intenso fazia bater as janelas assustadoramente. As aldrabas tilintaram uma na outra. Uma vez que não caminhei mais que 500m, estranhei o fenômeno. Torcia para que o dia clareasse rápido. A claridade é como a percepção, enquanto que o medo é como o escuro e empurra o cismado a aguçar os sentidos. Olhava para todos os cantos e apalpava o que aparecia em minha frente. Pisei em alguma coisa suave. Nunca soube que ali havia tapete. Os olhos de um gato miou alto, assombrando meus ouvidos. Parecia duas brasinhas luminosas perdidas na noite. Em segundos, criou asas e sumiu no horizonte. Horizonte? Meu Deus, como a lua, ainda que fraca e subsidiada pelo sol é necessária e encoraja! De onde vim, depois de 100 anos, eu sei. Ainda que viva 1000 anos, para onde vou, jamais saberei...; mas tinha que saber o que se passa com meus amigos. Eram ou são jovens demais para sumir assim, misteriosamente

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 21/11/2017
Reeditado em 24/11/2017
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