A Fera

A respiração ofegante, estava bastante perto e seu bafo era quente. A boca enfileirava dentes tortos, grandes e afiados, deixando escorrer dela saliva no chão. O cheiro forte de cão molhado impregnava suas narinas e o deixava extasiado e mais nervoso. Sobre ele, aquele animal colocara duas das suas patas dianteiras em cada lado do seu corpo, o deixando imóvel. Não só pelo tamanho e peso do animal, mas também estava paralisado pelo perigo que a situação transmitia.

Aproximou o focinho no seu rosto e o cheirou. Fez isso por todo seu corpo, bem lentamente, porém sem perde-lo de vista que continuava bem fixo nele. Qualquer movimento em falso, pensara, viraria em comida de lobo.

Voltara e aproximara agora os olhos bem perto dos seus. Eram olhos enormes, dizia a Chapeuzinho Vermelho naquela historia infantil que sua mãe contara quando ele era criança. O que não descrevia na história era a cor daqueles olhos. Os que o encaravam eram de uma cor verde brilhante. Um olhar aterrorizador. Um olhar imponente. Um olhar hipnotizante. Um olhar que com o tempo, parecia acolhedor. Calmo. Pacifico. Um olhar familiar.

Besteira, disse enquanto voltava para si. Entretanto, o lobo pareceu perceber que perdera a atenção de sua presa. Colou então sua imensa cabeça sobre a face dele. Seus olhos verdes encarando de novo aqueles pequenos olhos pretos. Ele recordara quem aqueles olhos esverdeados se pareciam. O mesmo olhar sofrido e esperançoso que o acompanhou durante toda sua infância.

O lobo foi se afastando um pouco e começou a uivar. Balançava sua cabeça para um lado e para outro como se quisesse falar algo. Mas ele não o entendia. Não sabia falar a língua dos lobos. Porém, seu predador parecia não desistir fácil. Repetiu o movimento por várias vezes. Repetiu o uivo. Uivo esse cada vez mais intenso. Mais agudo. Que penetrava seus ouvidos. Invadia sua alma. Que tomava formas em seu ser. Formas de palavras. Palavras antigas que conhecia. Linguagens ancestrais que estudara com alguém querido. Por toda sua vida. Algo que o fazia sentir prazer daquela companhia. Algo que o fazia ansiar sempre por aquele alguém chegar logo de suas viagens. Viagens que duravam muito, porém sempre cheias de presentes e grandes histórias no seu retorno para casa. Narrativas de povos já esquecidos. Povos julgados como não civilizados. Mas povos ricos em cultura.

O lobo então, foi tomando forma. Forma de gente. Seu corpo foi ficando menor. Suas patas se transformaram em membros humanos. Sua enorme cabeça, foi se tornando em um pequeno crânio de um homo sapiens. No entanto, sua face permanecia embaçada. Borrada, como se dependesse das memórias do rapaz para ganhar formato. Lembranças essas que não vieram. E ele, sem rosto, foi ficando cada vez mais distante. Distante. Distante. Até, por completo, aquele estranho que parecia tão familiar, desaparecer.

E quando, por fim, desapareceu de vista, despertou daquele estranho sonho.

Thiago Justo
Enviado por Thiago Justo em 29/11/2017
Reeditado em 29/11/2017
Código do texto: T6185032
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