Cronicas das Nações - Capitulo 1 - O Barco

Ao longe um barco de pesca era visto chegando de uma longa noite de trabalho. A silhueta de suas velas estavam quase totalmente ofuscadas pelo brilho intenso do sol nascente de verão. Malto tinha acabado de sair do ritual do solstício e andava descalço pelas areias das praias como era costume dos sacerdotes de Mistir. Suas vestes brancas tocavam a água a cada onda que vinha do calmo mar do Estreito de Alfademos. De olhos fixos no barco, Malto caminhava lentamente tentando se lembrar de quantos rituais do solstício ele havia conduzido desde que assumiu o posto de alto sacerdote do templo. Seus cabelos brancos mentiam sua idade aparentando ter pelo menos 20 anos a mais do que a realidade. Criado desde a infância entre os sacerdotes ele nem se lembrava de quando tinha sido iniciado na ordem de Mistir, a Deusa da paz e da justiça, divindade mais cultuada de Avros. Seu início precoce e sua grande dedicação ao templo o fez conquistar grande prestígio entre os sacerdotes tanto os mais antigos quanto os mais novos. Com a morte precoce de seu tutor, o Alto Sacerdote Leônidas, ele foi eleito por unanimidade ainda aos 21 anos Alto Sacerdote de Mistir, e desde então cumpre com afinco todas as obrigações do cargo.

Depois de se lembrar dos acontecimentos marcantes em quase todos os 42 rituais do solstício que ele presidiu Malto se sentou na areia e contemplou o sol nascente do dia mais longo do ano que nesse momento já estava bem acima do barco de pesca, que surpreendentemente ainda não havia se aproximado quase nada da praia. Com o sol já seguindo seu curso rumo ao zênite, ele conseguiu distinguir melhor os contornos das velas, e o formato do barco. Era um barco pequeno, menor do que aparentava ser quando estava ofuscado pelo sol nascente, mas ao reparar nos desenhos bordados nas velas e no brasão pendurado no mastro Malto foi tomado por uma mistura de medo surpresa e espanto.

As velas lhe lembravam os desenhos de antigos livros da biblioteca, o brasão cor de fogo era inconfundível, a águia dourada já era facilmente notada no seu centro e quando ele a viu teve certeza de que aquilo iria mudar o curso da história.

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Antino, o jovem chefe da guarda do palácio estava ainda tentando entender como ele tinha chegado em casa depois do Ritual do Solstício a última coisa que se lembrava era de estar ganhado a disputa contra o assistente do mestre marcial, Suvir um grandalhão de mais de dois metros de altura, em que todos haviam apostado. Ele já havia contado 28 canecas de cerveja enquanto Suvir ainda estava na 25ª e sua expressão era de quem não iria aguentar mais. Conferindo seu bolso encontrou uma bolsa de moedas, e teve a certeza que tinha vencido. Só não sabia ainda a quem agradecer por ter chegado inteiro em casa e ainda com todas as moedas da aposta no bolso.

Ainda meio zonzo levantou num pulo ao ouvir as batidas desesperadas na porta de sua casa. Ao abrir a porta a claridade do dia o cegou, mas com os olhos cerrados conseguiu enxergar a cabeleira branca de Malto e o convidou para entrar estendendo a mão.

– Não temos tempo! Algo inesperado apareceu na praia ao sul da cidade. Se arrume o mais rápido possível enquanto eu selo seu cavalo.

Antino ainda zonzo bateu a porta na cara do sacerdote e foi se trocar, em alguns minutos eles já estavam cavalgando em direção à praia onde o misterioso barco foi avistado. Ao chegar o barco já estava encalhado na areia da praia, ainda com as velas balançando ao vento.

Antino sem entender bem do que se tratava questionou o sacerdote:

– Se eu soubesse que se tratava de um barco de pesca encalhado teria apenas mandado algum soldado verificar. Qual motivo de tanta pressa e desespero da sua parte?

– Você não reconhece aquele brasão?

– Deveria? Aquilo é uma ave?

– É a águia dourada de Throrus! Como não reconhece?

– T... Thro… Throrus? - As pernas do chefe da guarda estremeciam mesmo contra a vontade dele. Nesse momento passava por sua cabeça todas as lições de história que se lembrava sobre a Dominação, período nefasto quem que quase todo o mundo foi subjugado por Trhorus, a mais impiedosa nação guerreira de que já se teve notícia. – Como isso é possível? Esse povo foi exilado a muito tempo em terras onde ninguém seria capaz de nada além de sobreviver. A maioria das pessoas pensam que eles nem existem mais!

Malto ficou pensativo por um instante enquanto Antino divagava sobre como era impossível um barco daquele tamanho atravessar todo o tempestuoso mar de fogo que separa o continente de Oklai das terras inóspitas ao sul, onde o povo de Throrus foi exilado, e ainda menos possível alguém sobreviver a essa jornada dentro do barco.

O barco de fato não aprecia tripulado, suas velas estavam parcialmente rasgadas e ele já estava praticamente tombado na praia, seria quase impossível fazer ele voltar ao mar sem o apoio de rebocadores e muita ajuda no solo. Era muito improvável se tratar de um grupo de reconhecimento.

Após um tempo discutindo todas essas possibilidades os dois resolveram se aproximar da pequena embarcação que não tinha nem 10 metros de proa a popa e estava visivelmente castigada pelo abandono. Ao chegar mais perto ficaram apreensivos ao ouvir murmúrios e gemidos vindos de dentro do barco e hesitaram por um instante.

Um sentimento de presságio circulou nas veias do sacerdote, seu coração pulou como se a visão de um mundo completamente diferente do que ele conhecia saltasse diante dos seus olhos. Se lembrou do que tinha pensado poucas horas antes, quando tinha visto o brasão vermelho e dourado e era como se uma voz dissesse a ele: ”Tudo isso faz parte de algo muito maior que está prestes a mudar o mundo”.

Gabriel Antonio Diniz
Enviado por Gabriel Antonio Diniz em 01/12/2017
Reeditado em 02/01/2018
Código do texto: T6187513
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