LABIRINTO 1

Acordei levemente dopada, não sabia aonde estava e como havia ido parar ali.

Era madrugada e pude observar que eu estava em uma espécie de hospital, com muitos leitos, em sua maioria vazios.

Me levantei e pude ver um único homem que parecia estar de plantão, me aproximei dele e perguntei aonde eu estava e me senti uma fantasma porque ele me ignorou totalmente. Perguntei novamente aonde eu estava e ele se limitou a me olhar friamente e a uma resposta curta e grossa: dorme!

Diante de tamanha simpatia, percebi que ia ser difícil uma comunicação, mas ainda insisti em saber aonde estava, o que fez com que o gorducho se irritasse ainda mais por eu estar interrompendo o sono dele. Se levantou e me arrastou até a cama aonde fez o favor de me amarrar os braços e as pernas. O odiei com todas as minhas forças e consegui maldizer internamente até a décima geração dele, apesar de externamente estar passiva, odiei quem quer que fosse o responsável por eu estar ali e por quem quer que fosse que tivesse colocado as mãos em mim.

Acordei já com o dia claro. Pude perceber melhor o ambiente. Uma enfermeira veio com uns remédios que eu fingi tomar para cuspir quando ela virou as costas. Eu não ia me permitir ficar dopada em um lugar daqueles. E resolvi que ficaria calada já que os gentis funcionários se limitavam a executar suas funções mecânicamente.

Observei as pessoas a minha volta.

Algumas estavam amarradas, outras não, mas pareciam todos estar dopados. Não era uma cena nada agradável e me perguntei o que eu e aquelas pessoas haviamos feito e o porque de representarmos perigo para estarmos assim. Depois pensei exclusivamente em mim, eu sequer havia sido mal educada ou alterado a voz, só perguntei pro gorducho aonde estava e ele parecia surdo e me ignorou, foi o bastante para que ele decidisse me amarrar. Mesmo resolvendo que iria ficar quieta, teve uma hora que me deu uma vontade enorme de ir ao banheiro e tive que falar alto com a enfermeira para que pudesse me soltar e ela se limitou a me responder lá do canto dela aonde estava sentada: não vou te soltar não, pode fazer aí mesmo. Que víbora!!!! A vontade era verdadeira mas é claro que a idéia de ficar toda suja ali era mais repugnante e imaginei se haveria alguem amarrado ali em semelhantes condições. Que ódio eu senti daquela mulher! Pude imaginar o que anos de trabalho em um lugar daqueles fazem com as pessoas, mas não encontrei justificativas o suficiente para a ação dela. Pensei nela como uma pessoa mediocre e limitada, porque ninguém estaria trabalhando ali por prazer, no mínimo ela não teve outra opção, mas dane-se ela, seja o que fôr que a pessoa faça, tem que ser profissional, ela pela ação e pela frieza era um ser humano desprezível e não pude deixar de maldizer até a décima geração dela também.

Depois olhei mais atentamente a volta. A minha direita havia um senhor moreno de aparência forte, corpo largo e rosto largo. Cabelos e barba branca apesar de não aparentar idade para isto, a pele morena contrastava com o branco da barba e do cabelo, sua figura era de uma pessoa forte, mas em nada me passava ameaça, parecia apenas alguem que não tem medo de lutar pelo que quer e estranhamente me lembrava um profeta, era uma figura singular.

Do lado esquerdo havia um rapaz de no máximo uns trinta anos, branco e de uma aparência muito frágil, parecia precisar urgentemente de um colo aonde pudesse chorar todas as suas mágoas para depois então poder encarar o mundo à sua volta. Dele eu senti compaixão.

E pensei de repente que eu estava vestida com uma roupa que eu gostava muito, com um vestido longo de um colorido lindo, florido, e da ironia de eu ter ido parar ali vestida daquela forma. Não parecia um traje apropriado para a ocasião.

Pude perceber que eles só soltaram os pacientes quando os ouvi falar que a hora da visita do médico se aproximava. Pude então finalmente ir ao banheiro, escovar meus dentes e tomar um banho. Nesta hora havia uma mulher no banheiro que pediu que eu ficasse ali até que ela acabasse de tomar banho, pois tinha medo que fizessem algo com ela. Pensei, ela com certeza já tivera ali outras vezes, mas prá mim tudo era novidade.

Foi servido o almoço, havia uma saleta paralela à enfermaria aonde era o refeitório, havia uma tv que ficava ligada o dia todo e era a fonte de diversão, fora isto a única coisa a fazer ali era dormir e não sei se mantinham as pessoas dopadas para a melhora deles ou pelo desleixo mesmo, mas quem sou eu prá julgar os médicos. Por falar em médico, cade ele? Passou como um relampago pela enfermaria e o vi uns poucos minutos, mas sequer chegou perto de mim ou de quem quer que seja. Belo médico! E não pude deixar de observar que a enfermeira só tinha se aproximado na hora que me deu os remédios. O tratamento consistia em manter as pessoas dopadas.

Chegou a hora da visita e minha filha veio me ver. Eu estava levemente dopada, o efeito era ainda dos remédios anteriores, que deviam ter me dado quando cheguei. Antes disto eu tinha observado que ali era um lugar de atendimento imediato para casos mentais e que dali as pessoas eram liberadas após uma passagem breve. Pude perceber que minha filha estava sofrendo e preocupada, mas tratei ela com a maior indiferença, acho que era a forma de eu dizer que estava detestando estar ali. O que eu podia falar? Da boa vontade dos funcionários, do médico que sabia menos de mim do que qualquer outra pessoa, dos remédios que sem nenhum critério ou avaliação eles queriam me enfiar pela goela abaixo? Melhor calar. Foi uma forma indireta de fazer com que sentissem um pouco do que eu sentia. No fundo eu achava que todos estavam coniventes com a condição de eu estar ali, e responsabilizava a todos sem exceção. Depois veio meu irmão, um parasita que vive as minhas custas e que foi a herança que minha mãe me deixou. Ironicamente a pessoa mais irresponsável que eu conheço era responsável por eu estar ali, o ignorei. Minha filha já havia dito que ele estava conversando com o médico e que ele tinha avaliado (como?) que era necessário eu ficar ali por mais um dia pelo menos.

Que maravilha! Mais um dia naquele hotel cinco estrelas!

Segundo dia - Os gentis funcionários resolveram não me amarrar mais. Podia ao menos ir e vir. Me dei conta que era dia de finados. Me senti morta mesmo naquele lugar, mas ao mesmo tempo nunca me senti tão lúcida. A minha sensação era de um cansaço extremo, de um esgotamento, mas não era uma constante, se limitava ao momento que eu estava vivendo, aquele exato momento.

O senhor ao meu lado, que com certeza também devia estar cuspindo os remédios (estava "aceso" demais), resolveu desenvolver uma conversa comigo. Aliás, foi mais um monólogo, visto que eu me limitava a ouvir. Ele me dizia que eu sequer devia estar ali, que as pessoas que haviam me colocado naquela situação iriam se arrepender por isto, que se demorassem a me tirar dali seria ainda pior, e que cada um teria o troco de acordo com a sua parcela de participação, que a justiça divina iria se encarregar deles Quem era aquele homem e o porque daquelas palavras? Mas eu intimamente partilhava da opinião dele e a força do olhar e das palavras dele pareciam expressar uma profecia, gelei!

O outro, rapazinho branco e com ar de carente do meu lado, me perguntou quem era o homem que esteve do meu lado durante toda a noite. Ele o descreveu como um homem moreno, jovem, de barba e bigode, calça branca e camisa amarela. Relatou que ele me levou pra cama que havia no final da enfermaria, que me velou a noite toda. Mas este homem só existiu na mente dele, eu estive o tempo todo no mesmo lugar. Me veio a mente a idéia de um protetor que velava por mim e que estranhamente me isolou naquele canto do quarto, como que para me manter mais segura. Devaneios.

Mas o mais estranho ainda se passaria. No final da tarde entrou uma pessoa nova por lá. Um homem que estava visivelmente exaltado, gritava e parecia estar totalmente fora de si. Só que ele gritava coisas que para mim não eram desconhecidas. Ele falava no nome e no endereço de uma pessoa que eu conhecia, dizia que algo muito ruim já tinha acontecido por lá e que algo ainda pior iria acontecer. O que era aquilo? Me senti personagem de um filme de terror, o homem parecia estar em transe, mas como ele podia estar falando aquilo? Eu estaria realmente ouvindo àquelas palavras? Parecia um pesadelo.

O homem que havia me falado mais cedo havia sumido, provavelmente devia ter sido liberado.

Eu novamente recebi a visita e o excelente médico de lá havia decidido que eu ainda precisava de mais um dia. Fazer o que!

Terceiro dia - Já estava me acostumando aquela inércia. Senti que as pessoas dopadas passaram por aquela experiência com mais facilidade e menos consciência, uma vez que deviam estar alheias a tudo que corria à volta, mas eu me permiti vivenciar aquele período.

Finalmente neste terceiro dia uma psicóloga apareceu tentando desenrolar uma conversa e eu senti de estalo um impulso de nada falar, me parecia que eu dando assunto eu seria objeto de algum estudo e eu não estava nem um pouco interessada em ser analisada. Nem ela nem ninguem ali sabia nada de mim, não chegaram a me fazer um exame fosse ele qual fosse e eu não estava dopada, tratei de responder o básico e objetivo e a consequência daquele diálogo foi a que esta médica resolveu me liberar neste dia. Soube disto na hora da visita...quando eu sai finalmente daquela prisão.

Uma parte do labirinto eu tinha conseguido percorrer, mas este era só um pedaço do caminho.

(continua)