LABIRINTO 2

ENTRANDO NO LABIRINTO

Dez dias antes do surto...ou da visita ao pinel.

Estava em um processo de interiorização crescente, aonde experiências místicas e pessoais se alternavam, me dando uma visão nada limitada da existência. Sem querer e sem saber a extensão do labirinto, pausadamente fui me aventurando nele. O processo de entrada foi sútil e quando percebi não dava mais para voltar, porque os fatos se sucediam com extrema velocidade.

Havia um Guru nesta história. Alguém que era ativado em minhas meditações. Neste portal transposto diversas experiências eram realizadas, até então sem maior consequência, mas o que desencadeou esta crise foi algo inusitado e com certeza veio não só do Guru, mas de uma parte de mim que até eu ignorava, mas que já existia.

Em uma destas meditações, foi me dado um manto, e com ele eu poderia fazer o que eu quisesse por sete dias. Era uma espécie de ritual de meditação, de magia, que eram cada vez mais frequentes. Até então eu transpunha portais e tudo o que acontecia era uma sensibilidade cada vez mais aguçada se manifestando, a capacidade de sondar o insondável se fazendo presente. Só, sem dor sem prejuízos e sem maiores consequências.

Até que a minha ousada mente simplesmente transformou este manto em um manto de invisibilidade, de proteção, e pediu que pudesse alcançar todos os planos, ter "passe livre" pelo enigmático mundo místico, nestes sete dias ousaria tudo para descobrir o que pudesse alcançar. Ilusão pensar que seria assim tão fácil. E mais ainda, a pressa de chegar ao fim do labirinto, tudo isto me custaria muito caro.

Daí por diante havia como que um campo magnético me envolvendo. Não sei precisar tempo exato, acredito que o intervalo entre o dia em que recebi o manto e a visita ao pinel não deve ter durado mais do que dez dias. Mas os SETE dias, nossa!!! Foram os mais incríveis e mais intensos de minha vida. Alguma coisa explosiva aconteceu dentro da minha mente, porque os pensamentos vinham como a velocidade da luz e eram tantos, e tão místicos, que me permitiram mesmo divisar uma parte do que eu estava procurando.

Só que externamente o tempo não era igual ao meu tempo interno e em certa fase do labirinto eu simplesmente me desliguei do mundo real.

Eu já não comia mais, não dormia, eu estava atemporal. Eu tinha vários sintomas, mas aí entrou em pânico a família, que não tinha a menor idéia do que estava me acontecendo, e tentava a todo custo me chamar a realidade. Algumas vezes acho que em meio ao desespero conseguiam, e são daí minha recordação de flashs do que aconteceu neste período que foi extremamente ilustrado com vários exemplos do cotidiano de como as pessoas reagem ao que não conhecem.

A vizinha que era da igreja universal colocava meu nome nas vigilias, os vizinhos cochichavam que eu enlouqueci, os parentes mais próximos ficavam preocupados, e mais do que preocupados visivelmente afetados, porque se eu não dormia em compensação tambem não deixava com que dormissem, não porque os pertubasse diretamente, mas ao contrário, porque eles se preocupavam comigo.

As experiencias misticas internas foram muitas e estas eu não posso relatar.

Neste ir e vir do entre o que eu chamo de uma dimensão a outra, várias vezes meus atos não tinham mesmo nexo, entre o pensar e o realizar sempre havia um vácuo, eu "pensava" em realizar uma ação, mas imediatamente era desfocada para outra e assim sucessivamente, dando origem a um caos interno que automaticamente se refletia das mais diversas maneiras possiveis.

Mas ai penso que já era a volta, era a insistência contínua em me removerem do meu mundo interior, queriam porque queriam me tirar do labirinto, mas não era tão fácil assim.

Um breve exemplo ilustrativo do caos físico e externo: eu tomava banho, (tenho a vaga lembrança que os banhos eram muitos, que eu sentia um calor extremo) os banhos eram demorados porque eu me esquecia debaixo da agua, era um banho inconsciente, eu o fazia automaticamente, não me prendia exteriormente a nada, dai a apatia verificada, a não resposta a estímulos, perguntas, ou o que quer que fosse, salvo em raros flashs... em compensação...eu me esquecia e como estava uma automata, não me vestia..andava nua pela casa. O interessante é que pude verificar após isto, que meu comportamento externo nesta fase se alternavam em apatia e extrema agitação. Eu ia e vinha continuamente, andava pela casa sem parar, mas fui me acelerando, acelerando, até que lembro que começei a quebrar várias coisas. Coisas minhas, que na minha mente, o ato de quebrar me desvinculavam de um passado que eu já não queria mais, eu entrei num frenesi aonde quebrava e limpava e limpava tudo o que eu selecionava mentalmente: isto me serve, isto não. Lembro de ter quebrado algumas imagens de uns inofensivos santinhos que eu tinha..eram SÓ imagens, mas externamente ninguem entendia o que a minha mente criava. Em nenhum momento eu quebrei nadinha que não fosse meu, e não entendo porque o ato de quebrar, visto que eu poderia simplesmente ter me desfeito das coisas que selecionava sem ter que destrui-las. Mas eu tinha uma sensação de urgência, e o ato de quebrar era como quebrar minha conexão com tudo que eu vivi até então, era um ato de renascimento, de renovação, a volta ao meu mundo externo veio com toda esta explosão....e é claro que as pessoas não entendiam. Porque eu tambem não externava nada, eu permanecia muda, era o que eu chamo de estar com um pé lá e outro cá.

Em um dia me levaram pro hospital, mas eu me negava a entrar dizendo que eu não estava doente, eu fui passiva, sem oferecer resistência, só não queria entrar ali. Um médico psicólogo saiu para me atender visto que eu não entrava. E eu relatei a ele que não precisava de médicos porque eu não estava doente, que o médico que eu precisava era um médico de alma, este sim eu deixaria me atender. Ele me fez umas breves perguntas e diagnosticou que eu estava vivendo uma regressão, que em algum momento eu me interiorizei tanto que sem a ajuda de um profissional seria impossivel eu reverter este quadro. E eu querendo um "médico de alma".

Tentaram me dar remédios para dormir, mas um remédio de tarja preta que servia para o vizinho, prá mim de nada adiantava, nadinha. Eu estava hiper acelerada então...O caos foi crescendo conforme externamente tentavam me impedir de tudo: comer eu fui comendo vez ou outra, mas continuava quebrando o que eu queria, e meus familiares me impedindo, me seguindo e vigiando o menor dos meus passos: " não quebra isto, não faz aquilo, ou faça isto, faça aquilo"!!!!!!! A esta altura eu que ainda estava ignorando o externo e seguindo só o que eu planejava em minha mente, passei a um confronto direto: eu não cheguei a quebrar nada na casa nem nada que fosse de outra pessoa, o que eu lembro de ter feito e lembro exatamente o porque, foi de ter quebrado um monte de taças, a cada taça eu atribuia um peso, uma pessoa ou uma situação da qual eu desejava me livrar, e a quebrava simbolizando a quebra do vínculo ou a quebra desta situação ou pessoa dentro de mim...conforme os cacos surgiam, era como se aquele peso equivalente fosse se desintegrando dentro de mim...era muita energia circulando e continuamente. Para imaginar a extensão disto se coloque exatamente na posição da pessoa que estava ao meu lado, sem entender nada disto, "eu estava louca", assim me viam e assim me rotulavam. Em momento nenhum eu joguei dinheiro fora...hehe o máximo que fiz foi jogar umas roupas pela janela, isto foi em uma daquelas fases dos flashs, lembro que foi porque não me deixavam sair de casa de jeito nenhum e eu me senti aprisionada..mas foi só isto. Imagino então a esta altura, dias sucessivos as pessoas a minha volta viveram só a minha vida e deixaram de viver a delas: estavam já no limite....

E foi neste limite, que culminou com os meus amáveis irmãozinhos parasitas, com quem eu dividia o meu "lar doce lar", me impedindo fisicamente de fazer o que quer que fosse, que eu fui parar no pinel.

Se cansaram de me policiar e acharam mais prático buscar a ajuda de que dispunham naquele momento.

(continua)