Metaliteratura...

Ao redor de uma antiga e aconchegante lareira, aquelas três pessoas compartilhavam de forma entusiasmada, algumas guloseimas e sucos, histórias de mil sabores diferentes. A pequena sala tinha um sofá xadrez bem judiado pelo passar dos anos, e lá estava sentado o mais velho. Iluminado por uma fraca luz de um lampião, estaria por volta de seus 82 anos, "humanos". A cabeça com pouco cabelo, e os que sobravam eram brancos e brilhantes. Continuava usando um gorro, não era mais aquele lá de outrora, o que fez desse senhor uma lenda quando jovem. "Ou se não, pelo menos participou de uma boa história", como ele mesmo adorava mencionar.

Contava entre uma baforada e outra de um fumo no cachimbo que durava horas, e que deixava o senhor mais relaxado para contar os "causos" de piratas daquela parte de onde moravam. "Estou aqui a vida inteira, só sai para ir para dentro do mar." Bateu as cinzas na beirada da cômoda esculpida por ele em madeira bruta. "Não conheço outras terras, mas tenho uma história linda para contar. Começou com tragédias e guerras, e terminou num grande amor, ou pelo menos de minha parte. Eu acredito que aprendi a amá-la por tolerância. Tornei-me cúmplice e procurei entender o lado delas na situação." Éramos assim também, seres humanos nos achamos racionais por que criamos leis que limitaram nossos extintos. Sentimos fome e vamos ao mercado, mas e se... Comecei a caçar por ela, e a gostar de fazer isso, por que as guerras pararam. Pode parecer loucura, mas no reino animal, os mais velhos se retiram de cena, eles sabem que irão morrer e procuram ir para lugares onde vão fazer sua passagem numa boa. Os doentes bem, vão mais rápido que os sadios, e quem não irá? Se as sereias não comem, elas não podem continuar existindo, é uma lei de sobrevivência que vale para qualquer ser na terra, inclusive nós mesmo. Continuamos matando, mas criamos coisas que façam a dor dos animais serem apaziguadas, vai entender.

O velho pigarreou e voltou a por o novo gorro. Apontou para o outro ainda pendurado solitário no alto de um cabideiro de madeira entalhado pelas suas próprias mãos. A prova do que eu falo pra vocês jovens, é a mais pura verdade. Sentada num tapete grosso e felpudo, a menina estava fascinada, suas pintinhas no rosto eram parecidas com as do velho, e usava uma coisa de metal na boca, para acertar alguns dentes. Ela falava engraçado por conta disso. Estava por volta dos 13 anos e era prima em primeiro grau do garoto. Ele era um ano mais novo, e era muito agitado também. Compartilhava o tapete com ela, usando almofadas de um tecido macio e liso. Era ali naquele ambiente contemplativo onde apenas as histórias de seu avô o deixavam quieto por mais de uma hora. Aliás, quando o senhor marujo Buk "Quatro Olhos" sentava para falar, era bem mais legal que ver qualquer filme de terror, romance ou ação de hoje em dia. Imagina os idos de 1720 e alguma coisa, um homem calvo, com muitas rugas na face e cicatrizes pelo corpo que contavam aventuras que eles estudavam em seus livros de escola. Descrevia com detalhes ricos essas situações incertas que havia vivido com a idade aproximada das deles. "Eu era um pouco mais velho que você Anita." Embaralhou o cabelo dela com a mão. "E você homenzinho, ele tirou o pito da boca, pode comprovar essas histórias agora comendo as delícias feitas por sua avó."

Serena não envelhecera nada, aliás estava "humana" e muito linda. Vestia um traje longo e escuro e os cabelos acompanhavam, ondulantes pintados como sempre com algumas mechas de cores extravagantes. Dessa vez eram roxas e verdes. Ela estava de costas para os três e misturava algumas coisas numa velha panela de ferro. De vez em quando olhava de esgueira para Buk e tinha uma paixão forte ali. "Era para eu ter te manipulado garoto. Era para eu ter acabado com você há tempos. Mas não o fiz. Ainda não sei bem o por que, vi você envelhecer ao meu lado com minha decisão de mantê-lo. E agora sinto uma falta grande e nem se foi ainda. Como isso pôde acontecer?"

Péricles
Enviado por Péricles em 27/12/2017
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