Baile para a morte

O dia em que ela matou a própria morte, usava um vestido vermelho de tecido leve, com uma cintura apertada deixando a saia rodada. Era de alça e provocava com aquela tatuagem de rosa que aparecia em seu ombro direito. O encontro não tinha sido combinado. Ela sempre foi uma mulher voraz. A noite era sua melhor amiga, engolia a balbúrdia, bebia loucura, vomitava verdades. Sempre foi uma pessoa forte. Quando decidiu pedir demissão sabia que entraria em uma espiral caótica de prazeres descontrolados. Não haveria mais regras, horários, rotinas. Apenas o baton vermelho acentuando seus lábios, o delineador deixando seus olhos negros maiores e mais misteriosos. Conquistava quem queria, dormiu com as mulheres mais desejadas da noite, com os homens mais inescrupulosos da vida, com velhos, com gordas, com desajustados, com brancos e negros, com pessoas de quem ela sugava toda a energia, e deixava lá, apodrecendo em lamúrias por não querer mais estar ali. Arrasava os corações alheios e não se importava nem um pouco com isso.

Foi quando finalmente conheceu aquela pessoa, um desafio incrível, pois naquela androginia, não se definia uma figura humana. O mistério a deixou sedenta de desejos. Há algumas semanas um homem chorava aos seus pés em prantos. Suplicava para ela não ir, lhe ofereceu jóias, dinheiro, tudo de material que uma pessoa pode querer. Lhe ofertou inclusive muito poder. Tudo para ela ser somente dele. Porém, ela tinha essa alma livre, havia conseguido algo muito maior do que qualquer coisa material que ele lhe havia oferecido, e portanto fechou a porta atrás de si, deixando o homem largado no chão frio. Ele a amaldiçoou. Procurou por uma dessas bruxas. Dessas que fazem vodu. E pagou um dinheiro alto para fazer aquela mulher ter um encontro doloroso com a morte.

Agora ela estava diante daquele ser diferente, que lhe mostrava uma beleza sedutora, porém incomum. Houve as trocas de olhares como um flerte inicial. Depois de alguns drinques, risadas e um excelente papo, ela já havia caído na lábia daquele ser. Ele a convidou para se retirarem daquele bar. Ela pegou o casaco com o garçom e o seguiu. Aquele indivíduo disse que teria uma surpresa para ela. Levaria-a para dançar num lugar calmo, onde pudessem continuar se conhecendo e se curtindo, num outro ritmo.

Em momento nenhum ela se espantou ao entrarem por um grande portão de ferro desgastado e muros cheios de limo. Lápides surgiam em sua visão, e um descampado grande, com uma área central de pedra polida. Ela conseguia ouvir a música, mas não viu pessoas tocando ou algum tipo de aparelho de onde pudesse sair aquela melodia inebriante. Ficou tonta, pelo vinho, pelo ar, pelo ser. Dançaram por muito tempo, com os corpos colados finalmente.

A morte se apresentou. Mostrou sua face sem expressão, indistinta. Não era um homem, não era uma mulher. Não era feio nem bonito. Era o que nós todos temos dentro de nós mesmos, uma caveira. Aquele sorriso grande e reto, e um fraco brilho nas cavidades oculares. Espantou-se por ver que ela não tinha se afetado. Muito pelo contrário. Estava com um sorriso nos lábios. O vermelho deles ressaltou quando ela puxou um trago de um cigarro elegante. A morte não percebeu aquele momento. Quando foi que tinha perdido a situação. Se sua forma fosse carnal, onde estaria o orgão vital desse ser? A mulher soltou a fumaça, levantou os olhos em direção a morte, e enfiou uma faca reluzente em seu corpo. Ouviu o barulho de carne rasgando, raspando ossos, deixando o semblante da morte em perplexidade.

O universo inteiro virou de cabeça para baixo. Mil "big bangs" aconteceram ao mesmo tempo, diversos planetas e histórias foram surgindo e se apagando. Cometas e estrelas. Seres de todos os tipos que a mente humana pode imaginar. Plantas e seus cheiros marcantes. O tempo girando ao contrário. O espaço distorcido e a água. Os corpos. Os ossos e o sangue. Ela soltou o instrumento fatal, se virou de costas com uma elegância única e feminina... E desejou uma boa noite para a morte.

Péricles
Enviado por Péricles em 28/12/2017
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