Reencontro

“Hoje, sei que tudo que idealizei, não se tornou realidade, mas que minha vida é completa da forma que é.

Há tempo atrás, fui sonhadora! Daquelas que tinha sua vida escrita até o fim, com planos mágicos de pura garota.

Hoje, sou mulher realizada! Com ainda grandes sonhos, mas com sensatez e pés no chão, sei até onde vou e aonde devo...”

Escrevia essas minhas memórias, para ocupar meu tempo em casa. Sexta-feira à noite, hora em que o mundo inteiro se diverte, e eu em casa, trancafiada no meu quarto com as ilustres presenças de uma garrafa de vinho, de um MPB vindo do rádio na sala, e de minhas palavras sendo escritas em um caderno.

Sentia-me feliz e completa. Auto-suficiente, como sempre quis, mas dentro de mim, uma leve solidão ardia em meu peito. Eu tentava escondê-la. Às vezes conseguia. Agora não!

A campainha tocou, senti vontade de fingir que não estava em casa, não fosse o MPB em enorme altura, não havia como despistar!

Sem pressa levantei-me da cama onde outrora, estava encaixada, e fui atender a porta. Vestia um simples vestido e os cabelos presos por uma trança, mostravam minha total vontade de fazer nada. Passei em frente ao espelho da sala de estar, e verifiquei que poderia atender a porta sem ir ao banheiro ajustar minha aparência.

A campainha tocava com insistência, e eu gritava para que esperasse, mas minha voz era abafada pela música que eu tanto amava.

Abri a porta, e sinceramente não reconheci. Um homem pouco mais alto do que eu, que aparentava ter a mesma idade que a minha, com uma cor levemente amorenada e cabelos escuros, estava parado diante à minha porta. Trajava uma camiseta de bom gosto, uma calça jeans meio despojada, e tênis, com uma mochila nas costas e um bloco de anotações na mão esquerda. E um belo par de óculos de grau, coisa que me atrai sem sombra de dúvidas. Ele me encarava com vigor.

Trocávamos olhares profundos, e de repente, vi lágrimas começarem a brotar no olhos dele, e comecei a tremer de invalidez. Quando caí em mim, decidi puxar um assunto.

- Olá! Você me perdoe, por favor, mas não me recordo de ti. Nos conhecemos?

Ele não conseguia responder, e ao ouvir minha voz, fechou os olhos e esboçou um sorriso, sem conseguir responder a pergunta que havia feito. Passados quase 5 intermináveis minutos, insisti impaciente:

- Bom, já que você não se decide dizer algo para mim, você me desculpe, mas vou entrar.

Ele parecia ter despertado de um transe, e segurou com força e intensa maciez o meu braço e pediu:

- Por favor, Ana Clara, não vá embora de novo! Pelo amor de Deus

Confesso ter assustado, em saber que ele realmente me conhecia, e demonstrava súplica ao pedir para que eu não me afastasse.

- Entre, por gentileza! Vamos conversar, pois ainda não me recordo de onde nos conhecemos.

Ele segurou minha mão, e aceitou meu convite. Fiquei perturbada, mas a curiosidade não me deixou mandá-lo embora.

“Da faculdade não é, do consultório também não. Será um cliente? Não... Clientes não sabem onde moro... Será alguém da...”

Meus pensamentos foram cortados pela sua voz, que quando comecei a prestar a atenção, realmente não me era estranha.

- Como você não se recorda de mim? Passaram-se quase 11 anos, mas de ti, nunca esqueci, Não esqueci um segundo sequer!

“11 anos atrás? Há 11 anos atrás, tinha meus 13 anos... Meu Deus!” Havia recordado, mas não era possível!

- Sim, Ana! Sou eu! Felipe!

- Que-que-quem???? Vo-vo-v-ocê???

Ele fez um sorriso afirmando, e eu mal conseguia parar em pé.

Após 11 anos, estava na minha frente, meu primeiro namorado, a pessoa que mais amei em toda a minha vida. Aquele garoto, que agora era um homem feito, me olhava com a mesma ternura de sempre. Eu custava acreditar!

- Como é que você me encontrou?

- A gente sempre dá um jeito né? – Disse sorrindo e afagando meus cabelos, me fazendo sorrir de olhos fechados

- Posso te pedir uma coisa?

E não houve tempo para que eu realmente pedisse, pois como sempre, ele leu meus pensamentos, e foi chegando mais perto... Mais perto... Me envolvendo para seus braços, e me fazendo me perder em seus carinhos.

Deu-me um beijo cheio de calor, cheio de saudades, e eu me vi novamente em minha adolescência.

Mas em meio ao beijo, senti lágrimas escorrendo por sua face, quando nos soltamos, vi que ele chorava bastante, e fiquei emocionada, ao pensar que era por sentir minha falta!

- Calma, meu querido, eu estou aqui! Não pretendo ficar longe de ti, já perdemos anos, vamos ficar juntos para sempre! Para sempre, meu amor!

- Não dá Ana! Não dá! – ele me disse, em meio a soluços.

- E por que não?

Eis que ele tirou da mochila, um cartão, e me entregou sem nada falar.

Não acreditei no que vi.

No sábado, um dia após nosso encontro, ele se casaria!

- É Ana... Aqui estou, nas vésperas do meu casamento! Vim me despedir de ti!

Não sabia se gritava, ou se me jogava do prédio de uma vez só!

- Felipe, fica comigo! Por favor! Vamos ficar juntos!

- Tarde demais, minha princesa – me chamava assim, na época em que namorávamos – minha vida está escrita com outra pessoa, mas não me esquecerei de ti! Nunca esqueci, e nunca esquecerei! Ainda te amo...

Levantou-se, me deu um último beijo, e seguiu, rumo a sua vida.

- Felipe!

Ele se virou à alguns metros a frente.

- Eu também não me esqueci de ti.

E ele se foi!

Quanto a mim? Fiquei olhando meu único grande amor, ir embora, apenas com a presença do vinho, na música e da minha própria vida!

Mariana Mancini
Enviado por Mariana Mancini em 28/08/2007
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