NUA, CARENTE E INDEFESA

Prólogo

Embora este escrito seja ficcional é certo que terá o poder de penetrar na mente dos leitores, explorando o lado humano de cada personagem transmitindo por intermédio deles os horrores da vida cotidiana; a ansiedade, os usos e costumes de cada pessoa na peleja pela superação de seus limites. Enfim, este texto retrata o caráter humano sem retoques excessivos para não tornar a essência da alma uma mentira maquiada de verdade.

Perto de minha casa há um supermercado onde, eventualmente, faço minhas compras. Nesse estabelecimento comercial há uma moça muito bonita que, às vezes, trabalha no caixa. Certa ocasião ela me segredou sussurrando (Não havia fila. Eu era o único cliente), sem me fitar nos olhos e apondo e retirando um anel inexistente no dedo anelar:

"Seu Wilson... Quando o vejo ou falo com o senhor fico nervosa. Sinto vontade de lhe abraçar, perguntar um montão de coisas, mas fico travada. O senhor mexe com meu sistema nervoso de uma forma incompreensível. O senhor poderia explicar isso em forma de texto sem citar meu nome?”.

MINHA RESPOSTA

Esse nervosismo tem um nome. Isso mesmo. Essa moça sofre de sapiofilia (sapiosexual). E, como sabemos, está acometido de SAPIOFILIA alguém que é atraído pela curiosidade de saber algo novo ou notório, que nunca havia escutado antes ou aprendido, mas que também lhe desperta ao mesmo tempo um certo desejo sexual pela inteligência demonstrada e/ou prazer intelectual. Resumindo: Sapiofilia é uma atração sexual pela inteligência.

Provavelmente Luzia nem conhecesse, como a maioria dos meus leitores, essa estranha palavra: SAPIOFILIA! Será que Luzia estava acometida desse, não necessariamente, problema? Ora, algumas pessoas se sentem atraídas pelo físico, pelo dinheiro, um cacoete, um perfume, um contador mitômano de histórias, um modo diferenciado de se vestir, um penteado estranho (diferente) ou pela diversão que a outra pessoa pode lhe proporcionar.

Mas, longe de um corpo perfeito, uma posição econômica invejável, ou uma vida social desejável, há pessoas que são atraídas pela inteligência. Quem sente atração por essa qualidade no sexo oposto, é um “sapiosexual”.

Por outro lado, podemos considerar o sapiosexual também como uma pessoa que acredita que o seu maior atrativo está na inteligência. Pronto! Estava explicado: Eis a causa principal da atração mútua entre Analu, Luzia, Jussara, Ione, outras dezenas de centenas de leitoras e Henrique!

PALAVRAS DE UMA OUTRA LEITORA ACOMETIDA DE EUFORIA

"Eu vou ser bem sincera nunca apanhei em uma briga com meu marido, mas gosto de apanhar, levar palmadas fortes nas coxas e na bunda quando estou transando. Não aceito porrada no rosto. Não sei o que há comigo, mas, isso realmente me dá um tesão daqueles..." – (Leitora de um dos meus textos).

EIS O MEU ENTENDIMENTO SOB A ÓTICA DE MINHA FORMAÇÃO

Há algo muito bom, em comum, nas sublimes e feminis mulheres: Analu, Luzia, Jussara e Ione. Elas aceitam e compreendem que, entre quatro paredes tudo o que acontece com um casal é normal desde que haja equilíbrio e consentimento mútuo. Apesar dessa suposta comunidade e aceitação eu sei de uma verdade: Todo ser humano é diferente!

Uns falam ou escrevem demais, outros são lacônicos e/ou escrevem de menos. Uns choram, outros riem; alguns sibilam e/ou sussurram. Outros gritam quando o misto de dor e prazer se misturam no acme do gozo sublimado. Às vezes dizemos o que não queremos; espancamos, mordemos, somos mordidos ou espancados, mas às vezes, escrevemos o que podemos e sabemos com o respaldo da livre liberdade de expressão para escrevermos mentiras ou verdades.

LUZIA CONTA SEUS DESEJOS MAIS ÍNTIMOS

Diante do espelho cristalino, em meu quarto, ouvindo uma música suave e envolvente, estou nua! Faço uma fantasia doida! Imagino que ele está por trás de mim, mordendo minha nuca, alisando meu ventre, fazendo-me gemer baixinho, deixando-me louca. Sei que isso é uma fantasia, um devaneio impossível de acontecer porque sou travada quanto às iniciativas sexuais mais gratificantes.

Henrique sempre insiste falando e escrevendo que eu deveria ser mais solta, menos inibida, mais ousada e sem vergonha, mas, fazer o que se não consigo ao menos lhe enviar uma foto minha ou vídeo meu durante o banho?

Em meus devaneios sinto sua ereção progressiva, suas mãos ligeiras, os dentes brancos em demasia mordiscando-me, sua língua faceira; asperge de sua boca um hálito tal qual essência de flores, perfumado, quente; umedecendo meu pescoço fino, sequioso por uma mordida mais forte, capaz de me fazer gritar de desejo, de vontade de senti-lo crescendo, agigantando-se dentro de mim, fazendo-me explodir em um gozo múltiplo, demorado e verdadeiro.

Fecho os olhos e sinto seu cheiro... Minhas mãos procuram-no na ânsia de encontrá-lo na plenitude de sua masculinidade. Giro meu corpo, minha boca em busca de sua boca é uma comprovação de minha fraqueza! Quero senti-lo estremecer em espasmos incontroláveis de prazer! O inusitado do momento parece um sonho... Há de ser, pois no real seria um pesadelo pelas consequências sociais e familiares terríveis que me trariam.

O DIÁRIO DE LUZIA FAZ ALUSÃO AOS SEUS ANSEIOS

Não quero escrever tal palavrão, bem que gostaria, mas não sei como definir um órgão masculino ereto em busca de um caminho para sua redenção. Viro-me de costas e sinto a respiração de Henrique mais ofegante, percebo suas mãos ansiosas, trêmulas em minha vulva latejante. Inclino-me para a frente, reviro os olhos, abro a boca e inspiro bastante ar à procura de calma; entreabrindo as pálpebras em tremores convulsos, sinto-me fendida por algo como um ferro em brasa.

Não temo a dor, mas sim o prazer! Odeio escrever isso, mas esse intercurso é um vício que quero cultivar sem receio de estar flagelando meu espírito. Há muito tempo desejo essa penetração em local proibido por convenções sociais e pelos que me educaram de forma errada na comprovada sandice existencial. A dor é lancinante, mas prazerosa; como um fogo sagrado de meu corpo se apodera, liquefaz-se abundantemente em meu interior o homem que me possui em sonhos tresloucados, nas madrugadas sublimes que eu queria eternizar.

Nossos reflexos surgem no espelho quando somos envoltos por uma aura azulada, minha faculdade de formar imagens de objetos que não foram percebidos está aguçada... Nada disso existe e tudo não passa de uma fantasia louca de quem não consegue se enxergar com roupas! Em minhas noites eternas vejo-me sempre nua, carente e indefesa.

Em meus devaneios o anjo poeta faz-se presente com seu sorriso enigmático e gratificante; em meu interior, no vaivém contrário à fleuma silenciosa que o caracteriza, ele alcança uma profundidade imensurável, afogueia minhas entranhas com um misto de violência e ternura, fazendo-me sentir querida e essencial. Meu patíbulo, embora eu não queira aceitar, encontra-se em todos os lugares onde quer que eu vá; é o reflexo dele em minha volta e em tudo que o possa refletir, como um espectro silencioso, zombeteiro, que desdenha dos meus sentimentos travados, mas, verdadeiros.

CONCLUSÃO

Tem sido dessa forma a malversação de minha loucura: estudo, trabalho, família, lazer, festas, prática desportiva, pouco ou nada dormir... Quando penso que posso porque preciso repousar um pouco, vejo-me diante do maldito espelho, que se encontra agora em todos os recônditos arcanos de Minh’ alma. Esse anjo ou demônio vive surgindo a todo instante, em reflexos furtivos, como um suplício impiedoso, lembrando-me do pecado infame e alucinação da indignidade de minha mente obsessiva, refletindo-me nua, carente e indefesa.

Mesmo que o motivo de meu infortúnio não queira saber de minha existência, pelo óbvio do suntuoso estilo de vida que também o consome, envolvem-me esses reflexos com seus encantos em minha imaginação tão doentia quanto mórbido tem sido meu dia a dia. Como uma entidade magnânima ele incendeia meu corpo com seus arroubos incontroláveis e quanto mais grito mais fundo ele me penetra em sua fúria dionisíaca e possessiva.

Não há como escapar dessa posse orgástica, animalesca, excelsa, prazerosa e que anseio mesmo sabendo não ter direito a esse néctar tão vital ao deleite de meu encanto e elevação da crença de que também sou filha de Deus. Seu rosto glabro, de cuja face citrina emerge um cheiro envolvente, em borrifos frescos, característico, entranhado em meu próprio corpo apenas pela imaginação imerecida e proficiência injusta, zomba de minha louca paixão como um anjo mau, divertindo-se; e ao iluminar-se em um riso sutilmente sardônico, inquieta-me e excita-me a ponto de umedecer-me, tornando-me impudente, deixando-me mais ainda nua, carente e indefesa.

EM UM PARÁGRAFO HENRIQUE É LEMBRADO

Meu pesadelo não é apenas o seu sorriso que sugere mil pecados, mas é, também, o grito de alerta, o qual bem sei estar para ser dado, pois dele preciso com o fim de despertar para a cruel realidade! Um dia, em um texto sublime, ele escreveu:

"Não te preocupes com a reciprocidade de uma cortesia, cuida apenas de propiciar ao teu semelhante um tratamento digno e que o faça sentir-se gente. Alimenta tua paz, aumentando tua fé, com raios de luz benfazeja, acredita na vitória sofrida e na glória alcançada pelo que quer e almeja".

LUZIA RECONHECE SUA CONDIÇÃO DE SER SAPIOSEXUAL

Como não se apaixonar por um ser tão iluminado que é capaz de pensar, falar e escrever sublimidades impossíveis de não serem admiradas? Meu rosto está escanifrado, com olhos fundos; a ossatura acidentada é um contraste com o brilho de meu viço, exuberância e ardor apenas existentes em meu desatino. O malfadado corpo surge no reflexo como desejo ser vista pelo sol de minha vida.

Não ouso dizer ou estimular de outra forma a quem me trata com tão grande e benfazeja eroticidade: Ponha fim ao meu martírio... Toque-me a carne sequiosa com suas mãos de mestre, tenha-me sob seu santificado domínio e conduza-me para o altar onde a perfídia tornar-se-á sagrada, merecida, justa e leal após a vitória sofrida e glória alcançada!

MEU RESUMO FINAL

É impossível saber se Analu, Jussara, Ione e outras dezenas de centenas de leitoras seriam capazes de se sentirem e se desnudarem assim como o fez a professora. No finalzinho do diário de Luzia, de capa lilás, havia uma fita, amarelada pelo manuseio e tempo, à guisa de marcador. Naquela página estava escrito com letra redonda, caprichada, uma súplica que entendi ser verdadeira:

“Não me maltrate tanto fazendo-me vê-lo a todo instante, em todos os cantos, possuindo-me vorazmente, em sonhos e diante de um espelho, fazendo-me sentir indecente, impudica por estar sempre nua, carente e indefesa.”.