Exercício da oficina de textos

O dia foi de muita chuva. Nesses dias se puder evitar sair de casa, melhor. Apesar do trabalho foi a decisão de Marcos. Para isso desligou o celular. Desligou mesmo. Muito deixam voando, outros colocam um off, mas que não serve de nada, pelo simples fato que a primeira pessoa que tem que desligar é o dono, ou a dona. Isso é bem complicado. Tem gente que dirige olhando para um maldito telefone. Já cheguei a ver até motociclistas respondendo mensagens no sinal de trânsito – quando em vermelho, claro! Acompanhou pelo rádio algumas notícias. Dois volumes a mais. A chuva era intensa. Foi até a janela, mas não olhou para o céu. Pra cima gosta apenas de contemplar as estrelas, a lua, ou o azul intenso de um belo dia de sol, do modo especial aos sábados. Como sempre, não gostava das segundas-feiras. Não é porque se trata do dia internacional da preguiça. Simplesmente, não gostava. No dia que todos começam acreditava que seria interessante que todos em algum momento parassem. De fato, isso acontecia. Ruas que mais pareciam rio, algumas tinham até correnteza. Bem que tinha tentando sair rapidamente para ir a padaria. De longe viu os funcionários da padaria com baldes, numa tentativa desesperada de evitar algo que só o próprio tempo poderia fazê-lo. Olhando mais de longe carros parados. “Enfim, o que se ganha?” - pensou alto.

No entanto, não eram as condições do tempo que o fizera ficar em casa, mas a necessidade do silêncio. Sandra, sua esposa saiu junto com o filho Gabriel que esperaria ônibus escolar. Para reforçar que não se atrasassem preparou o café, conferiu o material escolar do filho. Como estava de bom humor ainda lhe deixar algum trocado para comprar o lanche na escola. Quanto a Sandra algumas palavras:

- A chuva vai passar logo! Tenho certeza que daqui a pouco vai fazer um sol de rachar a cabeça.

Claro que Sandra olhou desconfiada para o marido. Como sempre não deixou o isentivo sem resposta:

- Vai correr? O dia está lindo, lá fora!

- Mando uma foto. Não se preocupe – respondeu Marcos.

Sandra sabia que ele não iria para o trabalho. Conhecia as manias do marido, na mesma proporção que lhe tinha grande confiança. Uma vez que esteve só encheu sua caneta de café. Sentou na sua cadeira preferida. De longe viu que as árvores estavam mais arqueadas. Morava numa posição privilegiada, ao lado de um terreno baldio, que conservava escombros de uma antiga casa, que servia de abrigo para criação de algumas cabras. Um pouco de natureza nasceu naquele espaço. Uma bananeira, mangueira – que pelo tamanho sua presença já é de longa data. O melhor mesmo são os pássaros, que em dias ensolarados cantam animados, voltando no cair da tarde como num ritual de agradecimento pelo belo dia que tiveram. Os último dias os sons eram outros. A chuva que rivogarava por dias já deixava Marcos depressivo.

Antes de Sandra sair apressou para vestir-se com as roupas que utilizava para as caminhadas.

- Olha mamãe! - Gabriel riu.

Saíram sem nada falar. Marcos ficou sentado no sofá, olhando pela janela. Sabia que ninguém conseguiria chegar antes de 11 horas da manhã, então, qualquer coisa só funcionaria minimamente o período da tarde. Escutava o tique-taque do relógio de parede. Aos poucos, a chuva diminuía. O abrir e fechar de portas no andar indicava que aos poucos a vida recomeçava. Por ser uma segunda-feira um pouco mais lento. Foi até a geladeira. Tirou a garrafa d’água, que se encontrava pela metade. Pegou seu copo preferido, que não era um copo, mas um medidor de porção que tinha ganho numa promoção na compra de um gás de cozinha. Correspondia a 500ml, poderia beber até meio litro de água, mas não era apenas água que Marcos media, uma boa medida para cerveja. Metade gelada, metade natural. Se por acaso estivesse nos dois extremos não sentia o que há de melhor na água. Olhava para o copo, que lhe dava uma distinção por ser tão diferente e mais ainda por aproveitar o sabor da água. Sabor d'água já tinha sido um dos temas de discussão em mesa de bar.

“Água não tem cheiro, não tem cor ...” dessas coisas que se pronunciava na escola, em casa e as vezes até na igreja, ainda dos tempos que se tinha a esperança de salvar-se de alguma coisa. Na verdade era sua mãe que lhe impunha a fé e o gosto da água. Era mais fácil ver todas as cores na água, sentir todos os sabores e sensações e, obviamente, negar algumas coisas que lhe foram sendo impostas ao longo da vida. Tudo que se faz para sermos pessoas de bem. Mas tudo muda quando se descobre que as coisas são bem mais complexas do que meras palavras. Independente de qualquer coisa, aproveitava água. Um dos poucos ensinamentos do budismo.

Quando voltou pra sala, viu pela janela que o tempo mudara. Ainda não era adequado para sair e caminhar. Faria isso até a padaria. Na dúvida formal as coisas andavam um pouco mais complicadas, ou melhor, não andavam. Ônibus lotados, carros parados, pessoas que se amontoam em paradas. Na padaria poucas pessoas. Quatro idosos, que pareciam indiferentes. Um deles resolveu brincar o com atendente do caixa que vestia uma camisa do clube de futebol que torcia. É sempre complicado entender o espirito esportivo das pessoas. O amor ao clube é o amor a sua verdadeira nação. Marcos nunca vestiu uma camisa de clube. Se tinha vontade de sair e viajar. Conhecer outras culturas, não poderia limitar-se a cores de clubes. Não vê problema em representar sua bandeira, porque sabe que lá fora é a sua maior referência, mas dentro de uma padaria? Foi para o caixa:

- Sete pães – pediu.

- Dez pães?

- Não sete – repetiu.

- Dezessete?

A relação era de gritar: “SETE PORRA!”. A impressão que se tem é que a surdez é seletiva, mas não é surdez. Fez um gesto indicando com a mão esquerda os cinco dedos e com a direita dois dedos. Mesmo assim o balconista:

- Sete? Sete que você quer?

Marcos fez um sinal de ok com o dedo polegar para cima. Pegou a sacola e foi até o caixa. Não deu bom-dia, porque estava cansado de não ser respondido. Esta é uma boa estratégia de silêncio. Do outro lado, também, não ouviu nada. O valor da compra estava no visor da registradora. Tirou o dinheiro. Pagou. Em cinco minutos de caminhada algumas coisas mudaram, pra melhor. Na entrada do condomínio em que morava o zelador repetia suas tarefas, como se fosse um ritual centenário. O zelador não gostava de Marcos porque Marcos não via o zelador com zelador. Isso o incomodava, assim como o zelador pensava que se tratasse de tirar-lhe o emprego. Casa Grande & Senzala mudara-se para os prédios modernos. Moramos agregados, uns em cima dos outros, como se morássemos em fazendas. Entramos ou saímos de carro como se tivéssemos percorridos léguas de distância entre uma terra e outra, quando na verdade vivemos em círculos. Então, não era só zelador que detestava Marcos, mas toda a classe média tradicional, que não suportava suas tatuagens pelo braço ou os óculos pretos, a cara fechada. Pra ser bonzinho você tem que rir, dá bom-dia e pedir que o zelador lhe retire todo o lixo de sua porta. Quando subiu naquela manhã para comer o seu pão quentinho fez tudo diferente. Deu bom dia á todos. Ninguém respondeu, mas era justamente isso que pretendia. Em, a semana começava como seu habital …

Jorge Alexandro Barbosa
Enviado por Jorge Alexandro Barbosa em 03/05/2018
Reeditado em 04/05/2018
Código do texto: T6325644
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