Verdades e mentiras

Quanto mais eu falava de amor, ela se afastava, talvez por deduzir que eu mentia. Sim, podia ser ilusão. Às vezes os sentidos enganam a gente. Ou mentem, se isso for possível. Era amor verdadeiro, sem a obrigação de ser pra vida inteira.
  Decidi não falar mais o que entendia por verdade. Passei a mentir. Não te amo virou meu mantra. E fui além: toda forma de amor é uma mentira. Então ela se aproximava me olhando de viés, com um leve sorriso, intraduzível. Falávamos de verdades e mentiras em suas variáveis. O que me irritava era quando ela dizia "sei". Coisa ambígua. Ela era ambivalente. Eu não? Embora não chegássemos a um consenso, havia respeito. Nesse sentido éramos verdadeiros. Pelo menos até o dia em que lhe dissera, na lata: seus argumentos são sofistas. Ela contrapôs: sei, senhor dono da verdade. Isso me tirou do sério. Virei uma "arara". Eu, dono da verdade? Depois, refletindo melhor, ela dissera uma meia verdade, portanto, uma meia mentira, pois eu agia, ora como mentiroso, ora como verdadeiro. Mas no íntimo ela sabia que os seus argumentos não tinham sustentação empírica, muito menos científica. Ora, se se mente por desinformação ou por beber em fontes mentirosas, que nome se dá a tal comportamento? Cumplicidade . E a mentira proferida, compartilhada, na era da informática, destrói reputações. Como reparar tal dano? No nosso caso, reparávamos os danos, na cama, com desejo recíproco e verdadeiro. Talvez seja esse o ponto: a verdade está no olhar de quem se ama; na entrega. "Na cama, na varanda ou numa casinha de sapé". Não, a letra não é assim, mas fica como minha versão. Ela achou muita graça, disse que eu alterei a letra de propósito. Verdade. De repente uma mentira social, leve, quebra o gelo. Depois do amor, ela ia pra cozinha preparar bolinhos de chuva enquanto eu limpava o quintal e cuidava do jardim.


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