Serena...

Ninguém nunca havia me perguntado como eu me transformei em uma sereia. Podia-se nascer bruxa, pois bastava ser humana para tal, no entanto, para poder respirar no mar e ter a força de uma barracuda gigante… Ele me olhava no fundo dos olhos, de um jeito intimidador, mas puro e honesto. Os brilhos se cruzaram e um breve instante de vida se tornou um ofuscar. Eu nunca fui humana, e tampouco um peixe. Eu sempre fui uma sereia, e pelo que me lembre, minha espécie é mais antiga que a sua, pois nós não viemos dos humanos, foi o contrário; Porém, mais uma vez, ninguém pergunta sobre, ninguém conta a história do nosso ponto de vista. Ele me olhava cada vez mais desarranjado. E seus olhos me confundiam com o reluzir das lentes de seus óculos.

Ele nunca esteve armado e jamais levantou a mão para mim. No início podia ser uma bagunça para ele entender o que estava acontecendo e o que éramos. Ele me disse que fazemos parte das lendas mais gloriosas de seu lugar de nascimento. Ao mesmo tempo, das histórias mais impiedosas, dos ataques a seres humanos com mais dor e sangue que ele jamais presenciara ou ouvira. Estando velho agora ao meu lado, acompanhou tudo, mas a vida humana, tão simples e rasa, tão mal entendida e aproveitada, pois os homens cegos guiam os mais convalidos para uma podridão sem fim, e cabe a nós, que eles consideram seres imaginários, e às vezes até místicos, fazê-los entender que somos apenas mais uma espécie num vasto mar de infinitas possibilidades.

Ele estava sentado no sofá puído, eu lhe trouxera um chá de ervas e me sentei no braço próxima a ele. Lhe acariciei a face e com um breve sorriso ele já havia entendido. Nunca pensei em sentir isso por algum de sua casta. É algo que me confunde a mente, me faz rodopiar e eu sentir algo diferente de fome no estômago. Algo que causa… arrepios… como os que vocês sentem, só que eu sinto nas escamas. Não é sempre que estou em forma humana, afinal que sentido teria ser uma sereia e estar vivendo entre vocês. Contudo não quero deixar você, nem por um segundo, sabendo que seus dias estão contados, que logo você não existirá mais em forma material e terrena, e eu… Eu não me transformei em sereia, e meu amor era tão humano quanto o dele. Pode ser egoísta da minha parte querer passar o seu resto de sua vida contigo, eu estando aqui, para você. Não consigo entender nem explicar a loucura que se passa em minha mente, e agora, você velhinho de quatro-olhos, tem alguma solução para esse meu sentimento?