A Lenda de Onicortante

Ninguém levou a sério quando os emissários de Alex Magnus, rei de Velis, apareceram em todos os reinos do mundo de Alados reivindicando que ele fosse declarado imperador. Em primeiro lugar, porque tal cargo não existia naquele mundo. E em segundo lugar, porque Magnus era um terrestre – nome dado aos humanos de Alados por serem a única espécie que não foi capaz de domesticar nenhuma criatura capaz de voar.

Se os reis tivessem perguntado o que aconteceria se não atendessem ao pedido, teriam evitado todos os conflitos narrados a seguir. Infelizmente (ou felizmente. Depende se o leitor gostar desta narrativa), eles não se deram ao trabalho.

O grande trunfo de Magnus era a Onicortante. Uma espada forjada com o metal obtido na caverna mais profunda da mais alta montanha por seu avô, Maximillian, o Determinado, e confeccionada por seu pai, Raul, o Dedicado. Tanto empenho gerou uma arma capaz de cortar qualquer coisa de acordo com a vontade de seu portador desde que fosse brandida na direção do alvo, seja um lanceiro a dois metros ou as asas de uma mosca a vinte quilômetros.

Contrariado, Magnus partiu com o seu exército para o reino vizinho, controlado por anões em suas montarias aladas, os temíveis morcegos gigantes.

Invadir um reino de anões com um exército reivindicando lealdade só não é pior que tentar vender um diamante falso a eles. E assim que o rei soube do incidente, mandou o seu melhor lutador enfrentar Magnus em um duelo de campeões, onde cada um representa o próprio reino (o pobre rei era tão velhinho que temia tropeçar em sua longa barba durante o combate e cair na frente de todos).

O anão representando o rei não teve muita sorte. Mal começou a luta, e Magnus foi brandindo a sua espada à longa distância à medida que seu oponente se aproximava em disparada. Como cada movimento, gerava uma quebra na arma ou na armadura do anão. A única coisa que o guerreiro tinha quando conseguiu se aproximar do terrestre era a sua roupa de baixo.

Com isso, o velho rei teve que dar o braço a torcer e fazer o juramento de lealdade.

Agora Magnus controlava os terrestres do ocidente e os anões.

*

O segundo reino era controlado por orcs. Se acha que um reino orc é temível, experimente encontrar um orc montado em uma quimera voadora. Ou melhor, nem experimente. Pode ser perigoso.

Magnus chegou com o seu exército e seus anões reivindicando lealdade do rei, que diferente do rei dos anões, preferiu comandar os seus exércitos em um combate. Tal era a confiança do rei que ele nem achou necessário sua tropa usar suas montarias aladas.

Ambos os grupos se posicionaram em um campo ao meio-dia como manda as tradições dos combates honrosos e começaram a correr uns contra os outros. Desta vez, Magnus só fez um movimento com a sua incrível espada em um arco horizontal e cortou todas as armas e armaduras dos orcs, sem ferir ninguém, pois por mais mimado que fosse, sabia que não valia a pena comandar um reino com tanta gente machucada.

Derrotado, o rei orc também fez seu juramento de lealdade.

Agora Magnus controlava os terrestres do ocidente, os anões e os orcs.

*

O terceiro reino era controlado pelos elfos, usuários da montaria mais bela do mundo de Alados, os pégasos. E como o rei élfico não era nem um pouco bobo, preferiu comandar a sua tropa e usar suas montarias aladas, pois todos sabem que morcegos gigantes e quimeras não têm chance contra os pégasos e seus dolorosos coices aéreos.

O rei élfico coordenou a sua tropa em grupos bem dispersos procurando evitar o corte mágico da espada de Magnus. E teria sido um bom plano se, como já dissemos, a espada não fosse capaz de cortar qualquer coisa de acordo com a vontade de seu portador. E para o azar do rei dos elfos, o portador de Onicortante queria vencer.

Magnus tomou a frente do exército e começou a agitar a espada freneticamente assim que a batalha começou. Desta vez, ele preferiu mirar nas selas e nos arreios dos pégasos, fazendo todos os elfos caírem. E antes que alguém fique preocupado, elfos são tão habilidosos que fizeram várias acrobacias no ar para caírem no chão sem danos graves. Entretanto, por mais habilidosos que fossem, eram sensatos o suficiente para reconhecerem uma força superior. E Magnus era esta força.

Assim, o rei élfico se curvou em seu voto de lealdade.

Agora Magnus controlava os terrestres do ocidente, os anões, os orcs e os elfos.

*

Magnus continuou marchando com o seu exército cada vez maior e adquirindo cada vez mais vitórias. Nenhum goblin, sátiro, tritão ou qualquer outra espécie de criatura de Alados parecia ser capaz de deter a sua espada.

O último reino a ser conquistado era o oriental, controlado pelo também terrestre Kuro Sakashima, que estava desesperado.

Sakashima pedia ajuda aos seus conselheiros como uma criança pedindo doces aos seus pais. E cada um dava uma ideia pior que a outra: propor duelo em seu horário de almoço, oferecer a ele alguma comida estragada antes do combate, tentar cativa-lo com filhotinhos de cães... Somente o mais velho, Shiro Takezo, permanecia em silêncio.

Quando questionado por um dos conselheiros sobre o motivo de estar tão calado, Takezo informou que aguardava o momento que pudesse falar. E com autorização do rei, informou:

— Majestade, tenho estudado o rei Magnus e sei como derrotá-lo. Só preciso de quatro coisas e garanto que trarei paz ao reino.

Todos os outros conselheiros riram, menos Sakashima, que conhecia Takezo o suficiente para saber que o velho sábio não mentia e nunca deixava de cumprir as suas promessas.

— O que precisa, exatamente?

— Papel, tinta, um mensageiro e permissão para usar um velho templo como arena de combate – pediu o velho, deixando todos muito curiosos.

*

Takezo teve seus pedidos atendidos e usou o papel e a tinta para escrever uma carta entregue pelo mensageiro diretamente a Magnus.

No documento, Magnus era informado que Takezo o aguardava em um velho templo na entrada do reino oriental e que iria duelar com ele representando todo o reino oriental. O portador de Onicortante aceitou e marchou sozinho, pois sabia que o povo oriental era honrado e não ia fazer nenhuma armadilha. Além do mais, Onicortante já havia se mostrado capaz de cortar armadilhas enfrentando goblins.

Chegando lá no pôr do sol, Magnus encontrou um velho segurando uma espada de madeira na entrada de um templo com janelas fechadas. A luz interna indicava que o lugar era iluminado por velas.

— Saudações, Alex Magnus, rei de Veli e de quase imperador de todos os reinos do mundo de Alados. Eu sou Shiro Takezo, conselheiro do rei Sakashima. E serei seu adversário – cumprimentou respeitosamente, como também manda a tradição dos combates honrosos no oriente.

— Muito prazer, Takezo-san – saudou Magnus, desembainhando a sua incrível espada. — Tem certeza que quer duelar? Sou mais jovem, mais forte e tenho uma arma mais poderosa.

— Aí é que você comete o seu primeiro erro, meu jovem rei: sempre conheça o seu inimigo. O senhor pode não saber nada de mim, mas eu sei tudo sobre você – informou o velho conselheiro.

Magnus resolveu começar brandindo a espada de leve ainda em frente ao templo. E tudo que Takezo fez foi sair de sua trajetória, mesmo à longa distância.

Surpreso, o portador de Onicortante correu até a entrada do templo e tentou golpear o seu adversário. E em todos os seus ataques, Takezo conseguia bater na lateral da lâmina e desviar o golpe.

— Segundo erro: por mais que sua espada corte qualquer coisa, ela só é eficaz contra o que estiver em seu caminho. Se eu não estiver, não serei ferido.

Os dois entraram no templo com Magnus ainda atacando e Takezo só se esquivando. Em um dado momento, o velho conselheiro se escondeu atrás de um pilar e apagou uma das velas. Cada vez que apagava outras, Magnus brandia Onicortante na direção em que a luz sumia, porém tudo que conseguia era partir outras velas em pedaços.

Assim que a última foi apagada, Takezo fechou as portas do templo e ambos ficaram no escuro.

— Terceiro erro: a espada pode ser invencível, mas o seu dono ainda precisa ouvir e enxergar o seu oponente.

Magnus gritou de raiva e começou a destruir o templo para voltar a enxergar. Portas, paredes e teto voavam a cada golpe do rei ocidental.

Assim que terminou, Magnus levou uma pancada no pulso tão dolorosa que largou a sua espada no chão. Quando tentou pegá-la de volta, Takezo pisou no cabo e apontou sua espada de madeira para o adversário, rendendo-o.

— Último erro: você esqueceu que ainda pode ser desarmado.

*

Desta forma, o reino oriental não foi tomado.

Sakashima ficou tão agradecido que condecorou Takezo com o cargo de chefe dos conselheiros. O velho ficou muito feliz.

Os reis dominados desfizeram seus votos de lealdade, alegando que reconheciam Magnus como imperador. E todo imperador que se preze tem que dominar todos os reinos. Sem reino oriental, sem império. Assim cada um voltou para o seu lar.

Quanto a Magnus, a última coisa que se sabe dele é que depois de voltar para o seu reino, ele colocou as coisas em ordem e deixou um primo distante ocupando o trono. Carregando uma bolsa com poucos pertences, foi visto pela última vez cruzando a fronteira em rumo desconhecido.

E é claro, ele não ia desarmado.

Davi Paiva
Enviado por Davi Paiva em 18/09/2018
Código do texto: T6452266
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