AS TIAS-MDSENNE

As Tias-de mdsenne

Dorinha esperava os domingos com ansiedade porque sempre acontecia alguma novidade. Tia Sula levava os filhos para visitar Clara, ou seu pai convidava a família para dar uma volta na praia. A terceira opção seria ir para a casa da vovó Marta. Qualquer que fosse o acontecimento o domingo era um dia diferente. Raimundo decidiu ir visitar sua família. Clara usou seu vestido florido de seda azul, colocou o bebê Alex no colo e entrou na boleia da camioneta sem entusiasmo. O marido passou brilhantina nos cabelos, vestiu sua melhor camisa branca e uma calça preta. Dorinha usou um vestido de florzinhas miúdas que combinava com a sandália de tirinhas. Subiu na carroceria com desenvoltura e deixou seus cabelos secarem ao vento.

Dona Marta estava sentada na cadeira de balanço de palha trançada na calçada com duas de suas filhas fazendo renda de bilro. Só tia Zazá, de apenas quinze anos, gostava de bordar a mão. E como eram perfeitos seus bordados no organdi! Faziam enxovais para as moças casadoiras da região e viviam cheias de encomendas.

Zuzu era a tia mais velha de Dorinha. Andava triste porque estava mal falada em toda a cidade. Com apenas um mês de casada seu marido desapareceu misteriosamente deixando-a grávida e só. Teve que voltar para a casa da mãe completamente deprimida. E apesar da desgraça ter acontecido ha mais de um ano, ela não sorria nunca. Estava na boca do povo e sofria com isso. Passava a maior parte do tempo olhando o mundo através da janela, ou fazendo renda sentada no cimento duro da calçada para esperar o marido que nunca voltou. Sua filha nasceu tão raquítica que nem conseguia mamar. A vida estava sendo cruel com Zuzu.

Sua mãe, apesar do preconceito de todos, tentava reintegrá-la na sociedade. Raimundo, como irmão mais velho, tentava demonstrar solidariedade. Só ameaçou cortar os bofes do desgraçado que desonrou a irmã e sumiu se por um acaso voltasse um dia. Mas a tratava como se nada tivesse acontecido. Como se ela fosse viúva. Pronto: Tia Zuzu era viúva.

Tia Zizi era a do meio. Como a maioria das filhas do meio, era a mais sem graça e menos notada daquelas bandas. Mas neste momento vivia uma situação quase desesperadora. Até semana passada estava noiva de um belo sargento da Aeronáutica com enxoval pronto, aliança no dedo e preparativos para o casamento. Mas qual não foi sua surpresa quando o Sargento Elias, depois de quatro anos de noivado, chegou cheio de dedos, reuniu toda a família e corajosamente disse que não podia mais se casar com Zizi, pois estava apaixonado por Zazá, a bordadeira. O escândalo explodiu na casa de Dona Marta. A reação dos onze irmãos homens foi unânime. Queriam bater e esfolar o noivo desistente e sem palavra. Mas pensaram melhor e chegaram à conclusão que era mais sábio permitir o casamento dele com a caçula, do que correrem o risco de ter mais uma mal falada na família. Pelo menos a mais nova ia se casar. Sem enxoval, sem aliança sem nada, porque Zizi se recusou a devolver tudo o que ganhou do noivo. Alem de ser trocada pela própria irmã dias antes do casamento, ainda seria motivo de chacota em bocas de “Matildes”. Mas Dona Marta sabia botar panos quentes no caldeirão de sua família. Aconselhou a todos a se portarem como o povo da cidade grande que não dá importância para estas besteiras. Para falar a verdade, o mundo estava mudando, as moças já usavam biquíni como se fosse a coisa mais natural do mundo. Já ouvira falar que um homem virou mulher, e que já tinham pisado na lua. Apesar de não acreditar nestas lorotas, precisava fingir que tudo era muito normal para não passarem pôr ignorante. Se até inventaram que o homem pisou na lua. Não devia ser a primeira vez que um noivo desistia de uma moça para se casar com outra, embora a outra fosse sua cunhada. Mas a vida era assim mesmo. Sempre aprontando surpresas. Ele era um rapaz tão honesto, mas tão honesto, que falou antes de cometer um desatino. Não botou filho em nenhuma das duas e assumiu seu erro correndo o risco de ser esfolado em defesa da honra das moças. Tamparam o sol com a peneira e ficou por isso mesmo. Mais uma vez Raimundo como o primogênito, que assumiu o lugar de chefe da família desde que seu pai morreu, teve que engolir sapo para o bem de todos. Tomou a atitude certa e deu a última palavra: Se esse sargentinho de merda queria casar com a cabrita nova que casasse logo para não desistir outra vez, porque senão ele iria virar comida de urubu. Ficou combinado que ninguém tocaria mais no assunto. Até tia Zizi fazia de conta que não era com ela. Mas só na aparência. A partir do dia que desmanchou o noivado, parou de comer e dormir e vivia fazendo renda com tanta força em seu bilro que calejou as mãos até sangrar. Não falava, nem choramingava. Ficou mais dura que uma pedra. Não saiu mais de casa nem para ver os aviões que faziam malabarismo bem em cima de seu quintal. Mas tia Zazá se comportava como uma menina inocente. Aceitou o pedido de casamento do sargento como se ganhasse um bastidor novo, e nem mesmo sabia o dia que tinham determinado para o seu enlace. Era quase analfabeta, como toda a família, mas escrevia seu nome e de sua mãe com garranchos enormes que mostrava para todos como um troféu. Não sabia como se fazia filhos e nem para que as pessoas se casavam. Era ela que fazia os penteados das irmãs com uma palha de aço bem dentro do cabelo para ficarem bem altos e cortava as franjinhas bem curtinhas. Depois empaçocava tudo com laquê e dizia que estavam lindas. O que mais chamava a atenção nas irmãs eram suas diferenças: -Zuzu era miúda. O rosto parecia uma lagartixa de tão pequeno e sua filha nasceu igualzinha a ela. A pele morena, o cabelo ralo, as pernas finas e o sorriso aberto. Até a voz combinava com ela. Falava tão desafinado que parecia um violino quebrado.

-Zizi era morena, um pouco mais alta, o cabelo encaracolado e os dedos finos como uma rendeira de verdade. Muito quieta. Ninguém sabia se estava fechou-se cada vez mais. Era impossível arrancar uma única palavra dela.

-Já tia Zazá era a mais alta e mais branquinha de todas. Tinha um rosto parecido com o das mulheres dos anos vinte. Dava a impressão de ter sido arrancada de um livro empoeirado. Os cabelos compridos e o sorriso fácil conquistavam qualquer pessoa. Sua inocência também não tinha limites. Vivia se masturbando no banheiro, montada na rede ou no cabo da vassoura. D.Marta não sabia mais como agir para explicar para a filha que não podia fazer isso que era feio. Principalmente na frente de visitas. O pior seria se ela praticasse estes atos insanos na frente de um dos onze irmãos homens. Com certeza eles lhe tirariam sangue de tão grande que seria a surra. Sua mãe começou lhe dando umas chineladas. Depois viu que não havia jeito, aplicou o pior e mais temido de todos os castigos: Uns trinta bolos com a palmatória. Ficou cheia de remorsos porque a filha era a melhor bordadeira de ponto atrás e ponto arroz da região e não pode trabalhar por quase um mês de tão machucada que ficou. Depois como última tentativa, deixou-a durante quatro horas de castigo, atrás do guarda roupa, sem comer, sem beber, de joelhos dobrados sobre os caroços de milho. Tia Zazá berrava, esperneava e prometia que nunca mais ia brincar com sua boneca.- era assim que chamava o próprio sexo, mas daí a pouco esquecia as promessas e juramentos. Subia um fogo nela que não dava para suportar. O que tivesse na frente ela se esfregava com fervor e gemia de tal forma que só aparecia o branco dos cantos dos olhos. Nem se importava se estava dentro de casa, na rua, na calçada. Se alguém estava vendo ou não. Para ela tanto fazia. Isso sim era um verdadeiro tormento. Foi até bom aparecer logo um marido para a menina. Quem sabe quando ela fosse mulher esse furor ia acabar e sossegar todo mundo. O medo é que o noivo descobrisse que ela tinha esses ataques e desistisse. Já pensou? Por isso ninguém entendeu quando ele trocou de noiva. Afinal, quando o sargento chegava para namorar a Tia Zizi nunca deixavam a irmã caçula na sala mais que cinco minutos com medo de ela ter um ataque desses na frente do rapaz. Seria uma vergonha sem fim. Mas como nada fica muito tempo escondido do povo, a fofoca se espalhou pelos quatro cantos da cidade que a menina tarada trepava até na bananeira e a curiosidade em torno dela era geral. Vai ver o rapaz já sabia de tudo e era tarado também. Mas a verdade mesmo é que ele viu um dia tia Zazá no caminho da bodega quando estava vindo para namorar sua irmã. Ela caminhava tranqüilamente na rua empoeirada com o saco de pão embaixo do braço. Eram mais ou menos umas seis horas da tarde. Hora que ele saía do quartel e ia direto para a casa da noiva. O vestido de chita levantou por causa da ventania e ela nem tentou segurar. Elias apressou o passo para alcançá-la e fazer-lhe companhia. Estava tão perto da casa delas que não viu mal nenhum em acompanhar a cunhada. Mas Zazá nem percebeu a presença dele. Simplesmente subiu na jabuticabeira com a rapidez de uma pantera, levantou bem a saia, afastou as calcinhas e esfregou-se cavalgando o galho grosso até ficar roxa. Gemia tanto e tão alto que Elias por pouco não caiu duro de vergonha e tesão. O rapaz ficou tão impressionado, tão boquiaberto, que não conseguiu se controlar e se masturbou ali mesmo no meio da rua assistindo aquela cena obscena e inesquecível. Foi justamente neste dia que trocou de noiva de tão doido que ficou. Passou a viver um verdadeiro tormento. Tinha ciúmes até dos vestidos que ela usava e enfrentaria tudo para se casar com ela o mais rápido possível. Precisava fazer isso logo e levá-la para bem longe dos olhos daqueles vizinhos fofoqueiros e a teria só para ele, já que tinha certeza que a moça era virgem. Aliás, isso era a condição fundamental para um homem de bem se casar. Quanto a esse assunto da loucura dela, ele como macho, muito macho que era, iria resolver num instante. Treparia tanto com ela todos os dias e horas, que ela nunca mais ia precisar de jabuticabeira nenhuma.

triste ou alegre. Era inútil tentar descobrir seus desejos e pensamentos. Agora, com esse noivado desfeito e a humilhação que sofreu,

Raimundo parou a camioneta bem na beirada da calçada. Dona Marta veio recebê-los com sua alegria de sempre. Beijou o pequeno Alex e fez um carinho na cabeça de Dorinha. Levou todo mundo para a cozinha, pois tinha preparado uma tapioca com coco e café preto, o lanche preferido da família. Clara colocou o bebê na rede e começaram a botar a conversa em dia. Dorinha comeu uma tapioca inteira, pois adorava a comida de sua avó. Mas os assuntos em pauta não a interessavam e logo foi para a calçada ver os bordados das tias. Quando ia atravessando a casa passou novamente pelo quarto das moças e parou diante do quadro de Iemanjá. Ela sempre fazia isso quando ia visitar a avó. Aquele quadro a impressionava mais que o do coração de Jesus. Aquela mulher era linda, os cabelos enormes negros caídos sobre o seu corpo sensual. Quando crescesse teria os cabelos iguais aos de Iemanjá. Não sabia o que era, e nem o que representava a deusa das águas, mas ficava muito tempo olhando, admirando e imaginando como alguém podia ser tão belo.

A partir deste momento, com apenas sete anos Dorinha escreveu seu destino.