Mariana e os olhos verdes

MARIANA

Último ano da universidade, muitas festas e muita insegurança, afinal o que fazer num país onde a educação era tão desvalorizada. O meu curso me dirigiu para uma sala de aula, Afinal, era uma graduação em História. Estudantes pobres como eu, em universidades federais, conseguem ser aprovados somente em curso não concorridos. Era solitária, possuía poucos e raros amigos, alguns intelectuais que sonhavam em mudar o mundo, com aquela febre La Che Guevara. Muitos programas pobres pelas ruas do Bonfim, um bate- ponto eterno no Bar Ocidente e muitas festas na reitoria da UFRGS. Numa dessas festar de valor bem mais etílico do que intelectual, eu o conheci....

Nunca perguntei, se ele ficaria depois do termino do estágio, não queria saber. Assim como não sabia se era casado noivo ou namorado de alguém. Vivia intensamente cada momento e sabia que nada seria igual quando Carlos fosse embora. Eu o vi de longe numa dessas festas de universidade, aonde aparece os mais diferentes tipos. Admirei, mas não sonhei, pois aqueles tipos lindos não pertenciam às meninas pobres da graduação. Estava parada, já um tanto alcoolizada, perto da pista de dança. Quando uma voz grave disse:- Mais um copo e tu desmaiais. Respondi com a costumeira ironia.

- Não digas?

-Digo sim. Falou o dono da voz grave, e olhando aqueles olhos verdes, me odiei por ser tão desengonçada.

- O meu nome é Mariana e o teu?

-Carlos. Vamos dançar?

Dançamos, dançamos afinal isso eu fazia bem. Divertimos-nos bastante, pois senso de humor, nunca me faltou. Por outro lado, sabia que eu era muito intelectualzinha e desengonçada pra esses belos moços que surgiam de outros estados.... Lá pelas 5 horas, Carlos disse:

-Vamos embora?

-Sim, eu moro perto.

Fomos conversando, me contou que estudava medicina. Veio fazer residência no Hospital de Clinica. Era de Minas Gerais. Quando chegamos ao apartamento em que eu dividia com duas amigas, ele quis entrar, expliquei que havia uma norma no apartamento, não podíamos convidar gênero masculino depois de certa hora. Carlos disse:

-Está tão frio! Vais me deixar só nesta cidade gelada.

Era inverno. Um vento minuano daquele bem gelado quase perfurava nossos ossos. Ai...Aquela boca, aqueles olhos verdes, aquele corpo e a voz sedutora como uma serpente sussurrando aos meus ouvidos. Ainda assim eu disse não.. Droga, maldita racionalidade... Mas ele disse:

-Espera! Eu moro neste hotel. Te espero às 21horas amanhã. Falou entregando um cartão. Murmurei com ar de pouco caso... Grande dissimulada eu era...

- É... Pode ser...

É claro. Não fui, afinal em estado normal, lembrei, ele, era lindo e médico, provavelmente, cheio da grana, estudantes pobres não moram em hotéis. .No domingo à noite, fui sozinha, ao cinema, o que me deixou bastante acaçapada. Estava uma friagem enorme. As ruas estavam solitárias, somente um vento varria as calçadas e congelava os ossos. Cheguei em casa, às meninas que dividiam o apartamento comigo, tinham saído. Era um isolamento assombroso. Fui ler, precisava estudar. A companhia tocou. Era o Carlos.

-Te esperei duas horas!

-Tá brincando? Falei debochada.

-Por quê? Eu marquei contigo, não?

Eu não sabia o que dizer. Possuía um medo terrível de acreditar e uma vontade enlouquecida de crer naqueles olhos verdes que me derretiam por dentro. Depois estava tão frio e eu tão só, precisava daqueles braços... Afinal, disse brincando que estava muito bêbada para lembrar. Ele sorriu. E senti uma raiva animal da beleza daquele homem. Eu vivia ilesa com meus amigos intelectuais pobres e meus livros. Precisava me concentrar nos meus estudos, a prova do mestrado estava chegando... Agora, tinha que aparecer alguém assim. Por que não apareceu antes?

Saímos. Levei-o a um bar típico gaúcho. Ele amou o bar. E eu? Adorei-o....Nunca o procurava. Tinha medo. Pensava logo Carlos conhece alguém como ele e não me procura mais. Contudo, não foi assim. Depois de duas semanas saindo juntos, na volta de uma das festas loucas que eu o levava. Carlos me beijou... E beijou muito.. Tempo foi se esvaindo junto com aquelas mãos maravilhosas... Só consigo lembrar o gosto inesquecível da sua boca e das mãos quentes deslizando no meu corpo. O tempo deveria ter parado ali, um vento minuano poderia ter nos feito estátuas que eu seria feliz para sempre.

Porém, não foi assim. Eu sofria muito, não o procurava, mas sempre estava nos lugares em que Carlos frequentava. Criava acasos nas mais diferentes situações, até mesmo palestras de medicina, eu tive a cara dura de assistir, somente para vê-lo Comecei a viver como uma insana. Estava apaixonada. Tinha medo do fim. Mas, o finito chegou. Já sentia certo descaso da parte dele, ainda saíamos bastante, sempre partia dos meus encontros eventuais em que ele, delicadamente, não conseguia se livrar...

Então num belo dia de primavera com as folhas forrando o chão da Redenção Carlos chegou um tanto acabrunhado com olheiras marrons rodeando aqueles olhos que eu amava tanto. Era uma manhã nua, límpida, sem começo nem fim. O sol invadia dentre as árvores deixando rasgos de brilho pelo chão... Pássaros leves e negros voavam nítidos no ar puro daquela praça, sem eu visse nada. Ele falou.

- Mariana! Estou indo embora, dentro de mais ou sessenta dias, eu volto. Disse com os lhos baixos sem me encarar.

Eu me levantei para ir embora e de repente, antes mesmo que pudesse perceber meu próprio gesto, sentei-me de novo. Comecei a chorar. Ao redor era silêncio, eu podia ouvir os passos abafados e vagarosos dele indo embora... Minha mão repousava sobre minha barriga... Entretanto, Carlos voltaria em sessenta dias, então eu contaria...

Marisa Piedras

09/01/2005