A Lenda dos Sete Trovões - Prólogo

O casal avança em velocidade por entre árvores e arbustos sem olhar para trás. Hábeis, atravessam os obstáculos da floresta sabendo que ainda é perigoso parar para descansar, pois seus perseguidores são implacáveis e não pararão enquanto não alcançarem seu objetivo. O que levam consigo é precioso demais para cair em mãos inimigas: seu único filho.

O grupo que os persegue é numeroso e composto por experientes e destemidos guerreiros, e o casal percebe a cada passo que será apenas uma questão de tempo para que sejam alcançados. Diante disso o pai da criança resolve tomar a decisão de ficar para trás e retardar o avanço inimigo. Tomada de surpresa sua esposa também para de correr. Ambos são guerreiros experientes, mas a pressão da situação não dá margem para muitas escolhas. Cada minuto que passava diminuía suas chances de fuga.

---- O que está fazendo, Jubei?

---- Eles estão cada vez mais próximos --- respondeu o velho guerreiro enquanto se virava e olhava atentamente para a floresta logo atrás.

---- Então não fique aí parado, nosso filho precisa de proteção, precisa que fiquemos juntos --- Por mais que odiasse demonstrar fraqueza emocional em momentos de tensão, Kibaza sentiu sua voz falhar e seus olhos encherem de lágrimas.

----- Você sabe tanto quanto eu que a criança só terá chance de sobreviver se um de nós ficar e retardar o avanço inimigo. Portanto, continue, leve nosso filho para um lugar seguro, cuide dele e no futuro lembre-o que a maior honra do seu pai foi morrer por ele.

Jubei não virou para encarar a esposa enquanto dizia estas palavras. Sabia que se fizesse isso voltaria atrás em sua decisão e os três morreriam. E também não queria demonstrar sua expressão de dor, pois lágrimas já rolavam em sua face. Sabendo que a dura decisão do marido era a melhor, Kibaza abraçou forte o filho e partiu em disparada floresta adentro.

---- Cresça forte meu filho. Eu amo você --- assim que percebeu a partida da companheira, Jubei disse baixinho as palavras, buscando gravá-las para sempre em seu coração. Sabia que seriam as últimas.

O grupo que os perseguia despontou na borda da clareira vários metros à frente. Armados com katanas e wakizashi e vestidos em armaduras de combate, os dez guerreiros viram que um dos seus alvos os aguardava solitário com espada em punho. Apesar da clara superioridade numérica, os membros da aliança de clãs chamada de “A Tríade” viram seu oponente e se prepararam com cautela para enfrentá-lo, cercando o perímetro e não dando espaço para uma fuga repentina.

Além das armas, os membros do grupo sabiam que muito provavelmente teriam que utilizar suas técnicas de clã e já acumulavam shi para esse fim. Toda essa cautela não era sem motivo, afinal à frente deles estava nada menos que Maiori Jubei, líder do clã Maiori, exímio usuário de kenjutsu e detentor da temida Mahouki, a técnica de controle da madeira. Mas os membros da tríade também eram guerreiros experientes e receberam diretamente dos seus superiores a missão de saírem do campo de batalha, assim que receberam a informação da ordem de recuo do clã liderado por Jubei, para partirem no encalço do líder Maiori e sua família. Deveriam trazê-los vivos para julgamento ou mortos para servirem de exemplo.

Quando viram que seu oponente partia velozmente em sua direção, em posição de combate, e conjurando sua técnica com vigorosos movimentos de mão, souberam que a morte seria a única opção neste momento. E a pequena clareira tremeu diante do furioso combate que se deu. Eram dez contra um, mas Jubei tinha a floresta como aliada.

Enquanto isso Kibaza atravessava a floresta com seu pequeno filho depositado num cesto de palha. Não foi nada fácil deixar seu marido para trás, mesmo sabendo de suas capacidades como guerreiro. Sabia que quem quer que tivesse sido mandado para caçá-los não seriam oponentes fáceis de derrotar. Seu único desejo era que Jubei a reencontrasse e juntos fugissem para algum lugar distante, talvez até as Montanhas Verdes ou os Pântanos Sombrios, bem distantes ao leste.

Depois de quase uma hora em fuga, percebeu que o filho começava a despertar. O efeito da erva do sono estava passando e logo seu choro poderia denunciar sua localização, e se a força de Jubei não foi suficiente para pará-los, continuariam a perseguição. Alguns metros à frente Kibaza avistou a margem do Rio da Serpente. Esse poderoso veio de água vinha diretamente das Montanhas Verdes e desaguava no majestoso Rio do Sol Dourado nas terras a oeste onde ocorria o epicentro da guerra entre os clãs.

Assim que parou na margem do rio para matar um pouco a sede, Kibaza começou a procurar por mais ervas do sono nas proximidades. A criança já começava a despertar. Com certeza estava com fome, e logo reclamaria através do choro. Kibaza sentiu seu coração apertar no momento em que decidiu entorpecer seu filho, como também não estava nada bem em ter que fazer outra vez, mas sabia que isso seria crucial para que a fuga pudesse se dar no maior silêncio possível.

Depois de alguns minutos procurando, conseguiu encontrar algumas pequenas mudas da erva e as esmagou na mão para liberar seu forte odor, fazendo o bebê respirar profundamente e mais uma vez cair em sono profundo. Kibaza encheu a pequena cabaça de água, ajeitou sua katana às costas e o cesto onde carregava seu filho e começou a caminhar na intenção de seguir próximo à margem do rio, utilizando-o como ponto de referência. Mas ao dar o primeiro passo, percebeu a aproximação de alguém. Olhou na direção do ruído e não deu tempo de buscar um local seguro para se esconder pois três guerreiros despontaram por entre as árvores à sua frente.

Com katanas em punho e apresentando ferimentos nos rostos e braços, os dois homens e a mulher que os acompanhava foram os únicos sobreviventes do combate contra o líder do clã Maiori. Sabendo que seu marido tinha lutado bravamente para proteger a família, Kibaza não viu alternativa senão terminar o que Jubei havia começado e eliminar de vez a ameaça. Colocou o cesto em segurança no meio de um arbusto e olhou carinhosamente para o filho que dormia tranquilamente, alheio à ameaça da morte. Kibaza sacou a katana das costas e a wakizashi da cintura e assumiu posição de combate. Nesse meio tempo, os três últimos membros do grupo de caça correram em sua direção.

---- O desgraçado do seu marido quase dizimou nosso grupo --- falou o que parecia ser o líder do trio ---- Ele lutou como um urso, mas não foi suficiente. Você também pagará pela morte dos nossos companheiros --- o guerreiro saltou para frente e foi seguido pelos demais. Suas espadas brilharam ao sol.

---- Venham! Passaram pelo urso, e agora vão enfrentar a loba --- ao dizer essas palavras Kibaza só tinha um pensamento: aqueles malditos não tocariam em seu filho. A mãe guerreira saltou ferozmente na direção dos inimigos.

Os sons do combate não despertaram o filho de Kibaza, nem mesmo quando seu pequeno cesto foi colocado no rio e levado suavemente pelas águas. Enquanto o pequeno recipiente se afastava, era observado pelos tristes olhos de uma mãe que dava seus últimos suspiros ao lado dos corpos sem vida dos inimigos.

“Deuses, por favor, que esse não seja seu último dia”

E esses foram seus derradeiros pensamentos.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 21/01/2019
Reeditado em 21/01/2019
Código do texto: T6555712
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