Questão de escolha

Auditório lotado para a palestra de meteorologistas, ambientalistas, de gente interessada no tema sobrevivência dos homens e do planeta. Muitos estudantes secundaristas, alguns interessados no debate e outros tantos, nem tanto. Nesse momento falava um rapaz sardento, de cabelos vermelhos e com uma inteligente cara de marciano.

- Precisamos acelerar os programas espaciais na busca de um planeta habitável pois a nossa Terra está chegando no limite da sua capacidade. O planeta se desertifica a passos largos e logo as terras cultiváveis não serão suficientes para abastecer a humanidade. Felizmente a raça humana é inteligente e cria possibilidades tecnológicas para sobrevivermos num outro planeta.

Um senhor com lá seus 45 anos levanta a mão e pede a palavra. Esse não tem cara de cientista, apesar do óculos de lentes grossas e sobrancelhas soturnas.

- Tudo isso e mais a possibilidade real de sermos atropelados por algum meteoro que dará fim às nossas vidas. Será um inverno solar ou será uma explosão nuclear.

E ouvia-se os comentários à boca pequena. - Sujeito pessimista e exagerado. E outro. - Só mesmo Jesus pra nos salvar. E outro, o pior deles - Tô nem aí, só tenho uma vida mesmo.

Dava dó observar olhos esbugalhados, caras apavoradas misturadas a gestos e palavrões dos incrédulos. Fez-se um burburinho, gente se atropelando nas palavras, todos a um só tempo. E eu via naquilo tudo, numa comparação bem ácida, com o caos que se instalaria no planeta se um desses eventos acontecesse, ainda que numa escala infinitezalmente menor. E foi aí que me chamou a atenção uma menina de seus 14 anos que tentava levantar a mão para pedir a palavra e era, imediatamente impedida pelo pai à sua direita. E a menina olhava para o pai com cara de poucos amigos e levantava a outra mão, que era abaixada pela mãe, sentada do outro lado. Fiquei atento a esse embate, torcendo para a adolescente, claro. E ela conseguiu. Num sopetão levantou-se, quase arrastando os país, que se renderam à vontade daquela criaturinha teimosa.

- Meu nome é Clarissa e tenho 14 anos. Ja ouvi muita coisa, aqui, nesse auditório e quero, também, colocar minhas observações. Alguém sabe mensurar quanto ja se gastou e quanto se planeja gastar para enviar naves tripuladas ao espaço à procura de um planeta habitável? É claro que, em meio a bilhões de planetas zanzando pelo espaço, algum possa ter condições favoráveis à vida humana. Mas me fica uma dúvida. Se a Terra está no espaço e se todo e qualquer planeta também está no espaço, alguém já parou para se perguntar de que adianta encontrar um planeta habitável se, ele, como a Terra corre o mesmo risco de ter um encontro com algum meteoro sinistro? E tem mais. Quem garante que, efetivada a mudança de planeta o tal malfadado meteoro não irá se espatifar primeiro, justamente no planeta escolhido por nós para morar? Para quem tem preguiça de pensar, são 50% as chances. Isso me leva a pensar que deveriamos gastar essa fortuna inimaginável no nosso próprio planeta, recuperando florestas que irão recuperar o potencial aquífero do planeta e revertendo os efeitos nocivos do efeito estufa, reequilibrando o clima. Vejo também a necessidade de diminuir nossa ganância consumista para, assim, minimizar o consumo de nossas reservas minerais.

- E abrir mão do meu carro e do meu celular? - gritou uma voz bem ao fundo do auditório - Jamais. Prefiro a morte.