CONTOS DO INVERNO NUCLEAR- REGRESSÃO- PARTE 1 (Por Edgar Lins)

“Cronahn, em sua glória, manteve as luzes presas no teto da

Criação...

Mas Hamom, que atentou pelo símbolo dos Homens,

ordenou que as luzes, que se chamavam Estrelas, caíssem...

Assim, A Era do Frio chegaria...

Tempos onde ninguém verá Rat... Deus Sol...

Mas Ele pra sempre governará sobre a Névoa Escarlate...”

Tábua dos Ventos Mordazes

Ano 3004 d.G.A

As chamas caleidoscópicas subiam a cada pedaço de flanh que Mamany Raby atirava à fogueira enquanto esperava para prosseguir com seu relato que também era uma aula. Ao redor do fogo, pares de olhos interessados e assustados a miravam.

- Eles passaram muito tempo até usarem seus feitiços uns contra os outros... eram milhões sobre a Terra... a Era dos Homens... eles reinavam em constante conflito... cada nação trazia consigo armas poderosas que permitiam lançar pedras de ferro e furar a pele... voar pelos céus como as aves de Shynion... e navegar nas águas ardentes do Ocenarum... nesses tempos, O Poderoso Cronahn deixou que seus filhos, os Deuses Antigos, os Adormecidos, escolhessem qual seria o destino da Sétima Restauração, da Terra... a Criação das Criações... e eles fizeram as estrelas cair...

As crianças estão impressionadas.

- Mamany Rabi - falou Elgor, filho de Ranuhl - mas por que que a raça dos Homens escolheu ficar um contra o outro? Meu pai me falou que nesse tempo não havia como Melgrowny instiga-los com influências... só Hamom... então não consigo entender como nasceram na geração que se seguiu...

Mamany o olha com atenção. Elgor é um jovem diferente dos demais... tem muitos questionamentos e o desejo por respostas. Isso a agrada. Já estava decidido. Mamany sente sua Chama reavivar.

- Os Melgrows sempre foram os inimigos, jovem Elgor - Mamany Rabi ergueu com a cauda peluda um copo feito de argila e bebeu de seu conteúdo - Mas antes que a noite de Carbonaryum engolisse a Reforma promovida pelo rei deposto Iahweh, as Criaturas ficaram contra a Criação... os Melgrows nasceram do sofrimento que floresceu quando as chamas da Antiga Criação resfriaram... - Mamany Rabi, a instrutora anciã, se levantou apoiada sobre a calda, seus três olhos fitaram os aprendizes - E hoje eles são os que mais próximos estão do que eram os Homens... responsáveis pelo destino que nos assola por todo o suspiro de Cronahn... Os Melgrows, carregam a herança de um mal antigo... são um povo amaldiçoado... Voltem para suas tocas agora. Está quase na hora da Torrente passar. Falarei mais sobre “A Noite Vermelha” depois da tribulação. Vão.

E as crianças se dispersaram num burburinho que misturava curiosidade com não entendimento de causas. Mesmo sendo crianças, são da mesma estatura dos adultos.

Todas as noites, Mamany Rabi instruía as poucas crianças que resistiam na cidade de Madrasgumorh. Somente trinta a cada cem nascidos sobrevivia entre os Simbhyos depois que o ciclo da Criação fora alterado milênios antes, e a perpetuação da raça era Lei entre o povo. Eles viviam séculos, antigamente, os Homens pensavam que eram imortais, o idolatravam. Mamany Rabi aprendeu de seus mestres durante toda a vida, antes de ser capturada, histórias e mais histórias sobre como o mundo havia sido criado e destruído 7 vezes até que a Antiga Criação, que se chamava Terra, deu lugar à Nova Criação, Tehranya, e sempre sonhou com o Antigo Mundo, sonhos reais, estava conectada, a Terra parecia ser um paraíso perto de Tehranya, o nome deixado ao Mundo após a “Noite Vermelha”, “Rhednayht”, dia em que os Homens, antiga raça “Dominadora da Criação”, fizeram as estrelas cair uns contra os outros.

Após o conflito, o mundo tornara-se desolado e inexplorado, habitado por seres que as deformações causadas pela radiação conceberam ao longo de gerações. Mamany, na verdade, ensinava somente o que experenciara. Não descendia dos Homens, era uma Pangraw, uma aberração, um ser mistura de três mutações distintas, acusada pelos Simbhyos de ser uma desonra para Cronahn, Criador de Todos os Seres. Os Simbhyos, conhecidos como Filhos de Anakul, descendentes dos Annunakis, deuses míticos da Antiga Criação, vinham escravizando a raça dos Pangraw desde que os tempos eram recordados, dizem até que desde que a Tábua dos Ventos Mordazes, escrita pelo profeta Sidinarth Gahndynius, o Último Justo, foi eleita como guia para todas as raças até que se cumprisse a profecia do fim da “Névoa Escarlate”, o dia em que Rat iluminará as terras esquecidas de Tehranya e tudo se fará novo... e então virá a passagem para a Oitava Restauração...

A Nova Tehranya. Uma Nova Terra...

- O que os ensinou hoje, velha? Magia pawgraniana? Se desencaminhá-los, eu mesmo peço ao rei sua cabeça. - Dilghmor, Sentinela Real, observa Mamany com olhar de desprezo. Ele odeia os Pangraw desde sempre sem sequer saber por quê.

- Falei para eles um pouco sobre como foi o fim da última era... nobre cavaleiro... - Mamany o cumprimenta com uma reverência de cabeça.

- Suma daqui, bruxa asquerosa! Ainda vou mostrar ao Poderoso Ranuhl que você é uma farsa... você não sabe de nada... vamos, vá embora pro seu covil! - e ergue seu chicote em ameaça.

A resiliência, é um sentimento atemporal.

Mamany sabe.

A sabedoria mística oculta de Mamany Rabi residia numa conexão dela com o que no passado se chamara “espírito”, sua “alhmorium”, a Chama Virtuosa, a energia que move os Viventes, com a essência antiga que ainda resiste da Criação destruída. Mamany fora concebida sob os Espectros de Pangraw, nasceu destinada a algo grande, dissera sua mãe. É como se a alma da Terra ainda suspirasse em busca de conforto e paz... ela, a Terra, fora destruída pelos seus próprios Filhos... e sofre como qualquer Pai sofreria... existe dor... Mamany ouve vozes do passado... línguas esquecidas... sente coisas... a mágoa da Criação traída permeia o frio da atual reconstituição Divina, Tehranya. Mamany possui um poder totalmente desconhecido pelas outras raças. A fria piedade de Ranuhl, senhor e Rei dos Simbhyos, que destruíra sua aldeia e escravizara centenas, fez com que a chance de continuar viva sem sua família e filhos valesse à pena. Conexão e destino traçado. Começou a ensinar História de Tehranya para os filhos do Rei dos Simbhyos, como escrava real, e logo estava lecionando para todas as crianças de Madrasgumorh, última cidade resistente à Guerra dos Melgrows. E conhecera Elgor, um menino diferente, filho bastardo do Rei Ranuhl, descendente de um sábio povo extinto, sua mãe era uma Buddhany, estuprada por Ranuhl, que buscava a revelação de um segredo extremamente valioso... e concebera-o cativa antes de morrer de inanição. Elgor, que não sabia de sua verdadeira origem, era um jovem de conhecimento, de uma curiosidade e de uma bondade (além do total domínio da espada) que fez Mamany entender seu destino como escrava subjulgada; encontrar e transmitir o que sabia, seu dom... para o Escolhido...

...através do “Sacrifício de Pawgrynon”, ritual onde o mestre iniciático pangrawniano ceifa sua vida para transmitir ao discípulo a visão do Início e Fim dos Tempos...

Esse era o segredo de Mamany. Ela sabia que precisava transmiti-lo a alguém de extrema confiança e capacidade despertas, porque sua Chama Virtuosa já oscilava... e talvez não houvesse muito tempo... Cronahn a chamava...

Alguém a substituiria. E esse alguém, precisaria ver como havia acontecido... A Noite Vermelha... o Fim e Início... da Terra e de Tehranya...

O quanto antes.

Mamany entra em sua caverna e desloca a pedra gigante com facilidade para fechar a entrada.

Nessa noite, a Torrente foi mais furiosa do que o comum, a Tribulação fez com que todos tremessem. Os ventos ácidos corroeram a proteção de cronterghan preparada como barricada durante a semana em poucas horas, todos ficaram assustados. Ninguém sabe o que é a Torrente, ninguém jamais a viu, dizem que ela é o próprio Mal... Só se sabe que ela traz o antigo Anjo da Morte... “ Morfrhakanul”.

***

Em Tehranya, dias e noites se diferenciam pelo movimento de um foco luminoso de tom avermelhado, passando pelo dourado, extremamente tênue, que pode ser percebido se deslocando ao longo do dia acima da Névoa Escarlate, e que ilumina morbidamente a superfície. As religiões e lendas proclamam e profetizam que é Rat, o Deus Sol, que num passado distante podia ser visto pelos Homens num céu azul, e que dizem ter brilho e calor jamais imaginados pelos seres que povoam Tehranya, uma terra fria e de uma escuridão quase eterna, um clima conhecido como “Inverno Nuclear”, como foi chamado pelos últimos sobreviventes da linhagem dos Homens. O Sol, faz parte de um passado mítico, nenhum ser jamais o viu. As raças veem isso com descrença e a Guerra dos Melgrows trouxe ainda mais falta de fé. “Ninguém pode saber o que existe acima da Névoa”, é o que dizem. O dia em Tehranya, é de uma palidez de fogo esmorecendo, mas ainda assim é o momento em que seres das mais diferentes espécies se relacionam. À noite, coisas inimagináveis podem acontecer, Tehranya é uma terra de mistérios e perigos insondáveis, onde criaturas noturnas e feras aladas surgem de qualquer lugar.

A Névoa Escarlate, nome dado à espessa nuvem de um acinzentado que oscila entre vários matizes de cobre e púrpura, composta de gases e poeira atômica e que envolve toda a atmosfera do Mundo Conhecido, surgiu após a queima da crosta terrestre e o resfriamento de seu centro, evento conhecido ao longo das eras como “Noite Vermelha”, aproximadamente 3.ooo anos antes, quando os Deuses eram outros e havia outros ainda mais antigos... Jesus... Buda... Shiva... Zeus... Einstein... dia em que a antiga civilização dos Homens utilizou armas nucleares uns contra os outros e alterou irreversivelmente a estrutura da Criação, fato antes jamais acontecido em nenhum estágio da Evolutia Sacrum, o grande plano do Criador Maior... Cronahn... a Linha do Tempo...

Nenhuma das Criaturas conseguira derrubar a Criação.

Apenas os Homens...

***

Taverna do Escritor
Enviado por Taverna do Escritor em 04/03/2019
Reeditado em 04/03/2019
Código do texto: T6589213
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2019. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.