A GAROTA-SENSAÇÃO !

A GAROTA-SENSAÇÃO !

É espantoso o que nosso cérebro produz enquanto estamos dormindo e êle devia descansar... são imagens em "cinemascope technicolor" -- como se dizia antigamente -- mixando coisas que vimos em revistas e filmes ao que o cerebelo desgovernado inventa. Bela foto sensual de Cris Viana que vi recentemente me voltou à mente num enredo curioso que vale 1 filme por si só, tendo ainda um João Kleber bem moço como o dono do Jornal (Pedro Cardozo fica ótimo no papel) e o expressivo Fabrício Boliveira como o namorado ciumento ou "preocupado" dela.

Nas cenas iniciais ela anda pela ruas sonhando com a chance de um emprego qualquer, vestido colante e curto, as belas pernas exibidas com orgulho. Encontra no chão um Jornal só de anúncios, recém-criado, convidando pessoas para serem agenciadores dos classificados, com salário e comissão. Liga pra lá e o diretor mesmo é quem atende:

-- "Huuummm, então a jovem quer vender espaços no Jornal ?! Pois então VENDA, minha filha... me traga ao menos uns 2 anúncios dos comércios do teu bairro e estará contratada. Procure o Luís, na Redação" !

VENDER era com ela mesmo... começara desde menina, oferecendo os patéis que a mãe fazia, depois os perfumes que a tia recebia pelo Correio. Agora, propaganda em jornal era novidade, morava num Morro de comércio modesto e até as lojas do seu bairro não eram grande coisa. Foi procurar o Luís, que levou um susto ao ver a "mulatonauta" adentrando no prédio:

-- "O que ela podia vender ?! De tudo... a comissão para anúncios NA CAPA era bem maior, ela iria faturar uma grana "federal". Além disso, os anúncios gratuitos estavam liberados, a moça podia dispor deles como bem entendesse" !

Era só o que Krystianne Silva da Silva precisava ouvir... reuniu as amigas do colégio, falou com as professoras e até o pequeno comércio da área viu chances de aparecer. Na capa ?! Nem pensar, era muito caro ! Uma amiga que casaria com um "bicheiro", digo, "corretor zoológico" "bateu pé":

-- "Pago o que precisar... quero minha foto na capa" !

Consultou o Luís... "foto de gente na capa pode" ?! Êle não viu problemas, desde que pagassem ! As amigas invejosas da "lacraia" casadoira não deixaram por menos, também queriam sua cara no Jornal. Os fotógrafos da área agradeceram aos céus a novidade, nunca faturaram tanto; os cabeleireiros também. Boa parte da capa foi ocupada por sorridentes jovens em poses sensuais e o Jornal vendido aos montes no bairro inteiro, para espanto e inveja de meia Favela, aliás, Comunidade, com várias páginas -- na parte gratuita -- de recadinhos amorosos, por vezes provocativos, convites para aniversários e batizados, felicitações, "o diabo a quatro", até receitas "da vovó". O editor Luís viu naquilo um "filão" novo, a ser repetido em outros bairros. O diretor do Jornal -- que viajara -- quase teve "um piripaque" ao ver seu amado "veículo de comunicação" transformado em "jornal de fofocas" da plebe ignara.

-- "Ô Lula, que merda é essa... quem é esta gentalha na capa do meu jornal, NA CAPA, Lula" ?!

-- "Doutor Kleber, é o que 'tá vendendo o Jornal.. é tudo pessoal do Morro da "Krys", a corretora do bairro" !

-- "Demita já essa "lambisgóia"... não foi pra isso que eu criei o Jornal. Bota na rua essa "vaca" !

"Krys" ficou sabendo no mesmo dia... botou seu "tubinho" mais vistoso, as pernas todas de fora, o vestido ía "subindo" a cada passo que dava. De carona no caminhão de entregas do namorado Benedito, que fervia de ira santa e reclamava:

-- "Kiki"", a barra do vestido 'tá muito alta, desse jeito não pode ser, amor" !

-- "Benéco", meu bem... vai subir muito mais ! Nada meu é pra baixo ! Me leva já pro Jornal" !

Na Redação, o contínuo entra esbaforido na saleta do diretor, espaço 2x3 atulhado de papéis por todos os cantos:

-- "Doutor Kleber, tem uma deusa aí querendo falar contigo" !

-- "Arruma um altar pra ela na igreja mais próxima e manda embora, estou muito ocupado" !

Ao ouvir a resposta, "Krys" invade a saleta, pondo o pé na cadeira ao estilo "Instinto Selvagem":

-- "Escuta aqui, ô traste, vais ter que me ouvir... sou eu que levo esse Jornal nas costas" !

Ouviu mudo e tonto... nesse instante recebe um telefonema. Era de uma Agência de Modelos, queria nome e endereço de um dos rostos expostos na capa do Jornal. O diretor olhou pro monumento à sua frente e viu que tal chance ficava melhor nos braços, digo, mas pernas daquela "mulata pra 400 talheres", diria Stanislaw Ponte Preta.

-- "Tenho o que você precisa bem aqui na minha frente... qual é o seu nome, querida ?! Ah, sim, a Krys está indo pr'aí, vai levar o que você quer" !

-- "Você vai agora nesta Agência de Modelos... leve os endereços das suas amigas. Tome grana para o táxi ! Quanto ao Jornal, conversamos depois" !

Foi... e voltou, várias vezes, durante o ano todo. Virou a única modelo negra, entre tantas "branquelas" desenxabidas. Transformada em "Krys Furacão" não quer saber mais de casar. Andar no caminhão do "Benéco", nem pensar... agora é só táxi ou ônibus de luxo. Uando o esquema de propaganda criado por ela -- distribuir os jornais anteriores não vendidos (o "encalhe") como forma de propaganda em locais de grande circulação -- o jornalzinho cresceu na cidade inteira em pouco tempo, aproveitando a "faixa" rendosa dos outros Jornais, a de anúncios classificados, mas por um preço bem mais em conta.

Nos bairros nobres o jornal é útil para se conseguir empregadas e pessoal de serviços domésticos como bombeiros e marceneiros. "Madames" a partir das fotos internas -- o diretor acabou com a "farra" das fotos na capa -- escolhem belas "empreguetes" para evitar que os maridos mulherengos saiam para "caçar" nas ruas e ela possam "ficar de olho" nos patifes o tempo todo. O Jornal "cresceu e apareceu" e é, hoje, um dos maiores da Capital, um fenômeno de vendas !

"NATO" AZEVEDO (em 7/mar. 2019)

OBS: homenagem ao Jornal carioca BALCÃO, onde atuei entre 1982 e 83, como agenciador e, depois, na diagramação e revisão.