A Sociedade da Lança - Parte 12: Batismo de sangue

- Gurinnn!- gritou Aiori ao ver o goblin na iminência de ser morto pela katana do guerreiro samurai.

Por sua vez, Gurin, ao ver a espada se aproximando, fechou os olhos imaginando a dor que sentiria quando a lâmina atravessasse seu tórax. Pela segunda vez seu tamanho e falta de força cobrava seu preço quando o assunto era combate corporal, fazendo com que apenas se debatesse inutilmente na tentativa de se soltar do forte aperto da mão do guerreiro em seu pescoço.

E, também pela segunda vez, fora salvo por um triz da morte certa.

Kiha saiu como um raio de dentro da caverna já em sua forma ancestral, surpreendendo o samurai, que esboçou um contra-ataque mas não teve tempo. A grande raposa saltou e agarrou o braço do samurai, o mesmo que segurava a espada, arrastando-o pelo terreno. Com o impacto, o guerreiro largou a katana, caindo aos pés de Aiori, e o pescoço de Gurin.

As presas de Kiha penetraram fundo na carne do braço, fazendo-a sentir o gosto do seu sangue, mas isso não intimidou o samurai. Mesmo arrastado e desequilibrado, com a mão livre sacou sua wakizashi, a espada curta que todo samurai porta, e preparou seu golpe mirando a lateral do corpo da raposa. Ao perceber seu movimento, Kiha larga o braço e observa seu oponente rolar para frente e rapidamente se por de pé, encarando-a.

Enquanto isso, Aiori, preocupada com Gurin, tenta socorrê-lo.

- Você está bem?

- S..sim, não se preocupe – responde Gurin. Depois de tossir bastante e recuperar o fôlego, olha na direção onde Kiha se encontrava e saca uma flecha, preparando-a no arco. Uma raiva que há muito não sentia crescia em seu coração. Conhecia aquele sentimento, algo que surgia sempre que se via impotente diante de uma situação. Não permitiria que essa coisa tomasse conta dele de novo. Hoje não.

- O que vai fazer? - perguntou Aiori.

- Preciso ajudar Kiha. Aquele samurai é forte.

- Não há nada que possamos fazer, Gurin. Aquele samurai é de nível Senshi, um guerreiro experiente. Eu o conheço, é da escolta escolhida por meu pai. Não vai parar até que me leve de volta. Vocês devem fugir, eu irei com ele.

- É isso mesmo que você quer? - Gurin olhou diretamente nos olhos de Aiori. A garota baixou a cabeça ao ser encarada.

- Mas o que podemos fazer? Somos apenas…

- Não – interrompeu Gurin – Nós ouvimos isso muitas vezes, lembra? Que somos incapazes e fracos. Hoje eu quero ter a coragem de mudar.

Gurin saiu correndo sob o olhar estupefato de Aiori. Logo em seguida algo chamou sua atenção ao lado. No chão, a lâmina da katana brilhava ao sol.

Ha metros de distância dali, Kiha e o samurai ainda se encaravam. O guerreiro estava com o braço direito coberto de sangue mas parecia não se incomodar. Guardou a wakizashi na bainha e resolveu falar.

- Pagará por isso raposa – o samurai limpou um pouco do sangue – Não tinha nascido ainda quando o grande prazer dos guerreiros Momoke era matar kitsune como você. Hoje terei essa oportunidade. Primeiro você e depois aquele verme bakemono de pele verde. A princesa não será sua cativa.

- Ela decidiu estar conosco por vontade própria. E ao contrário do que pensa, não serei sua primeira vítima – Kiha estava tensa e com o coração acelerado, mas precisava manter a coragem, seus amigos dependiam disso. O samurai era muito forte, sabia disso. Estava disposta a morrer se assim tivesse que ser. Só torcia para que Gugin e Aiori aproveitassem para fugir.

Uma brisa balançou as folhas das árvores próximas e a relva no chão. Uma pequena folha vermelha, como as das cerejeiras do bosque, flutuou solitária e caiu suavemente no solo, próximo da kitsune. Foi o sinal.

Kiha tomou a iniciativa e disparou na maior velocidade possível. O samurai apenas deu um sorriso macabro e uniu as mãos para lançar sua técnica mágica. Não permitiria que aquela insolente raposa se aproximasse, acabaria logo com a brincadeira.

- Punhos do Gigante da Terra – ao conjurar sua técnica, duas imensas mãos brotaram do chão e avançaram, esticando-se na direção do alvo como imensos projéteis, mas ainda ligados ao solo em seu ponto de origem.

Kiha esquivou com do primeiro punho com dificuldade quando o mesmo tentou agarrá-la. Mesmo assim conseguiu manter o avanço veloz. Mas o segundo punho atacou com mais violência, batendo fortemente no chão e gerando uma grande cratera. Kiha desviou com mais dificuldade de ser esmagada, mas a onde de choque, que levantou terra e poeira para todos os lados, a desequilibrou, derrubando-a.

- Kiha! - gritou Gurin. O goblin já estava na metade da distância quando viu o ataque mágico cair sobre a amiga. Sua visão foi encoberta pela poeira.

- Olha só, o bakemono acha que pode fazer alguma coisa. Tolo – o samurai, ainda com um sorriso no rosto, fez um movimento com uma das mãos e um dos punhos de terra avançou na direção de Gurin.

“Não” pensou Kiha ao olhar para trás e ver a cena “Vamos, Kiha, levante-se” disse para si mesma, encorajando-se. Se aquela coisa atingisse Gurin, ele não sobreviveria. Precisava interromper aquela magia.

A raposa voltou a correr na direção do guerreiro. O samurai, manipulando sua magia a distância, se preparava para lançar outra investida. Mas foi surpreendido quando Kiha saiu de dentro da nuvem de poeira gerada no primeiro ataque e no meio do caminho saltou para ganhar impulso e voltou a sua forma kitsune, desferindo um golpe com suas garras.

O samurai defendeu-se sacando a wakizashi e aparando o ataque da oponente. O choque entre garras e lâmina gerou faíscas. O guerreiro, focando suas ações em lutar diretamente com Kiha, desconcentrou-se da técnica e a mesma se desfez.

Para sorte de Gurin, a grande mão de terra que vinha em sua direção para esmagá-lo desmanchou-se, e um monte de areia bateu no solo sem nenhum dano. O goblin conseguiu desviar com facilidade. Ajoelhando para se concentrar melhor, fez mira com a flecha, mas preocupado com a amiga não conseguiu disparar, com medo de atingi-la sem querer.

A primeira troca de golpes entre Kiha e o samurai foi rápida e já deu para a kitsune perceber que o guerreiro era muito experiente. Suas habilidades marciais de aprendiz não seriam suficientes para derrubá-lo. Mas, como havia decidido antes, morreria em combate defendendo seus amigos, como uma verdadeira guerreira kitsune.

Kiha por várias vezes mirou o rosto do oponente, tentando atingir seus olhos e cegá-lo, mas o samurai esquivou de todos as tentativas. E a resposta do guerreiro era sempre precisa. Um golpe poderoso atingiu o rosto da kitsune, tirando sangue de sua boca, um segundo golpe acertou o abdômen, lhe tirando o ar. O terceiro foi com a espada, e seria mortal se atingisse.

Movendo suas últimas reservas de força, Kiha conseguiu impedir o golpe mortal, atingindo a mão que segurava a espada com as garras do pé, rasgando o pulso do samurai, fazendo-o largar a arma no chão. Enfurecido pela dor, o samurai revidou acertando a kitsune com um poderoso chute frontal que a arremessou longe.

Kiha voou e se chocou de costas numa árvore. Mais sangue foi expelido de sua boca. E não parou por aí, pois logo em seguida sentiu uma dor lancinante em seu ombro quando um punhal o perfurou e saiu do outro lado, cravando-se no tronco da árvore.

- Agora fique quieta enquanto termino logo com isso – disse o samurai

O guerreiro não percebeu a flecha que rasgava o ar, apenas sentiu a dor quando foi atingido na perna. Virou-se para encarar o goblin e outa flecha penetrou em seu peito no lado direito, fazendo-o dar um passo para trás.

- Aaaagghhh, bakemono desgraçado, ainda não morreu? - disse o samurai, gemendo de dor. Fazendo um rápido movimento com as mãos, mais uma vez conjurou sua técnica mágica, gerando outro punho de terra, desta vez menor do que os outros anteriores, que atingiu em cheio o corpo do goblin, arrastando a vítima até um conjunto de árvores e explodindo no choque, levantando detritos para todos os lados.

Quando a massa arenosa dissipou, o corpo de Gurin apareceu inerte, aparentemente sem vida.

- G..Gurin – sussurrou Kiha, também já sem forças.

- Confesso que foram corajosos, estupidamente corajosos – falou o samurai. O mesmo se aproximou e segurou Kiha pelo pescoço e a ergueu para encará-la – Mas isso termina aqui e agora, tola criança kitsune. Finalmente terei minha primeira raposa abat…..uuuggghhhh!

O samurai sente uma imensa dor nas costas, atravessando para o tórax. Ao expelir grande quantidade de sangue pela boca, olha para o peito e vê a lâmina de uma espada manchada de vermelho. O guerreiro larga Kiha no chão e toca na lâmina com as mãos, sabendo que seu fim havia chegado. Num último esforço, vira o rosto para enxergar quem o atacou.

- P..princesa….po..por que?- essas foram suas derradeiras palavras. Seu corpo caiu inerte para o lado.

Atrás dele estava Aiori, ainda segurando a katana ensanguentada. A garota chorava pela morte de um bravo samurai do seu clã, mas sabia que não havia outra alternativa.

Toda a cena foi vista por Kiha, que com os olhos semicerrados enxergava o contorno embaçado da garota. Parecia de fato uma guerreira samurai.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 29/07/2019
Reeditado em 29/07/2019
Código do texto: T6706987
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