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[História anterior: https://www.recantodasletras.com.br/contosdesuspense/5870963]

O estranho vestido de preto que se sentara na extremidade do banco do parque onde eu estava, parecia suficientemente intimidador para que eu aceitasse sem discutir o que acabara de me dizer: que ele era o dono do velho livro que eu descobrira ao me sentar naquele recanto isolado, para comer o meu lanche. Todavia, algo no meu íntimo me fez refrear o impulso inicial de lhe estender o volume e dar a história por encerrada.

- Então... o livro é seu? Se isto é verdade, o que está escrito neste papel?

Ergui a folha de caderno dobrada, que descobrira entre duas páginas em branco.

O homem de preto retraiu a mão, uma expressão desagradável tomando conta do seu rosto pálido.

- Você está cometendo um erro - sussurrou ele.

Passava pouco das 12:30 h, mas aquele canto do parque urbano, além de sombreado, pareceu ficar estranhamente frio. Os pássaros haviam parado de cantar, e um vento gelado agitava os ramos das árvores. Eu já fora longe demais para me dar por vencido, pensei, apesar do medo que sentia. A folha de caderno talvez contivesse a resposta para aquele mistério. Num átimo, eu a abri.

Numa letra redonda, escrita a lápis, li a seguinte frase: "se está lendo isto, você é o escolhido".

Recoloquei a folha dentro do livro e o fechei, segurando-o firme com as duas mãos. Ao olhar para o estranho, vi que ele pusera-se de pé, e parecia mais alto e mais magro do que quando eu o vira da primeira vez. Seus olhos também estavam diferentes: vermelhos e mortiços.

- Dê-me o livro - rouquejou ele, estendendo-me a mão ossuda e encurvada, qual uma garra.

- Acredito que se não o tomou de mim até agora, está esperando que eu o ceda de livre e espontânea vontade - retruquei, também me erguendo. - Ou seja: você não tem poder sobre mim.

- Tolo! - Exclamou ele. - Vai pagar caro por esse erro!

- Talvez. Mas não agora - e abracei o livro contra o peito, como que para defendê-lo.

O estranho recolheu a mão e recuou dois passos, seu rosto contraído de ódio. Depois, sempre de costas, continuou andando até desaparecer entre as árvores do parque. Imediatamente, percebi que o Sol brilhava novamente por entre as folhas das árvores, e um pardal chilreou em algum ponto dentre a ramaria.

Desfiz lentamente o abraço que dera no livro e consultei o relógio de pulso. Tinha que voltar para o trabalho imediatamente, ou chegaria atrasado. Finalmente, com o volume debaixo do braço, caminhei de volta para a saída do parque, sempre olhando ao redor para ver se não estava sendo seguido.

Porém, nada mais de estranho ocorreu.

- [23-08-2019]