A lagoa encantada

– Que lagoa mais linda! – Disse para ela, emocionado com aquela visão que se fazia no lençol da noite.

Estávamos sentados em cima de uma grande pedra, cercados pelas criaturas da escuridão. Vagalumes cobriam o capim e subiam acima da copa das árvores, com certeza queriam se fazer de estrelas. Grilos se escondiam por entre as folhas e descambavam a cantar com as pernas. Músicas diversas encantavam a noite. Também as corujas gritavam melodias tristes. Ao largo víamos morcegos voando e se embelezando de escuridão.

O céu estava maravilhoso. Adornado de estrelas amarelas, o infinito sorria com olhos azuis. Todas as nuvens tinham partido da noite. Elas também são criaturas que migram. Assim, as estrelas podiam ser vistas dançando. Seu balé maravilhoso espalhava o brilho desde o insondável até as águas sedentas da lagoa. Mas a lua também acendia as águas com seu brilho do dia.

Eis o mais belo retrato do dia: a lua que reflete a imensidão luminosa.

As estrelas diziam aos vagalumes para se conhecerem:

– Somos tão profundas quanto à noite e tão breves quanto o brilho de suas lanternas. Somos como vocês.

Tudo se assemelha por causa do fio que os liga. É a noite que liga todas essas criaturas. Sem ela, nenhuma delas poderia existir desse jeito magnifico. É por isso que todos agradecem a noite, como também o faz lagoa.

Cheguei aqui por meio de encantes. A bela moça de cabelos escuros me trouxe para ver, quer dizer, para sentir em profundidade o mistério das águas. Porém, ela não me disse o seu nome. Não quis lhe interromper a imaginação, pois seus olhos estavam fixos na água. Seu sorriso não mostrava os dentes, mas nele se via ilusão, aquela qualidade que só quem se pertence ao encantamento possui.

Desde que me sentei sobre a pedra, em sua presença, que procuro entender o que se move dentro das águas e que lhe seduz a visão, iluminando seu sorriso. Além da luz maravilhosa, alguém se movimenta. E não posso ver bem, até que se aproxime mais para o centro da lagoa.

De onde estamos até onde a água descomeça as areias, um capim verde se levanta e engole tudo. Mas com tanta perfeição ele esconde os caminhos, que não podemos enxergar a menor possibilidade de seguir até a beira da lagoa. Somente o vento se determina a seguir um percurso. Ele passa por sobre o capim e alcança as águas, lhes soprando com força e lentidão. Somente o vento pode unir estas coisas. E de um jeito que as águas não se assustam com seu toque, mas se balançam devagarinho.

É por causa do capim verde, que me parece muito macio, que não sei como aquele homem entrou nas águas nem para quê. Às vezes as coisas que acontecem deste lado do mundo são muito misteriosas. E não dá para saber a menos que os Encantados decidam explicar.

Decidi esperar até que a moça falasse, pois quando lhe disse que a lagoa é maravilhosa, ela apenas suspirou, como quando alguém está apaixonado. Então retornei ao silêncio e à contemplação.

Enquanto isso, o homem se aproximava do centro da lagoa sem nunca afundar. Notei que ele não fazia esforço em seu movimento, apenas vencia suavemente as distâncias. Não nadava, simplesmente caminhava pelo fundo da lagoa. Em seu ombro ele levava uma tarrafa, que parecia ser pesada. Entretanto isso não interferia em sua mansidão. Sua cabeça era protegida por um chapéu de palha que lhe sombreava a face. Mesmo que seu peito e sua tarrafa estivessem expostos pela luz, seu rosto permanecia preservado. Não tive como reconhecê-lo.

Senti uma brisa macia beijar-me a face. E uma aproximação. A moça que estava ao meu lado também pareceu senti-las. Então ela encheu o peito e preparou os lábios para falar:

– Sempre gostei desta lagoa. Ela é como um paraíso onde todas as coisas da noite se reúnem. Trouxe-te aqui para vê-lo com seus próprios olhos.

– Quem? – Perguntei, achando que se tratava das coisas da noite. Porém senti que não deveria lhe interromper. A moça não mudou suas feições macias e continuou:

– Não. As coisas da noite sempre estarão em você por causa da sua alma. Mas estou falando dele – e apontou para o homem que tinha chegado ao ponto central da lagoa e jogou a tarrafa na água – daquele que caminha dentro d’água. Ele não fala nunca, mas pesca todas as palavras ao lançar sua rede na lagoa. E ele conhece todos os destinos, porque eles vacilam em sua tarrafa junto com as palavras que coleta nas águas. Parece que você está lá junto comigo. Não são apenas as nossas visões que se transportam para sua tarrafa ao olharmos, mas antes os nossos caminhos escritos na luz que se deita na lagoa.

¬– E quem é ele?

Essa foi à única coisa que me veio a mente para lhe perguntar, pois senti uma curiosidade imensa. E a moça, levantou-se na pedra e falou a mim:

– Isso você só vai saber quando se banhar na lagoa. E ainda não chegou o dia. Agora te levanta que nós vamos partir.

Obedeci a e ela. Fitei por uma última vez a lagoa. Sua mansidão era tão grande quanto sua largura. Ela bebia a lua para se encher. Senti uma profunda vontade de ficar. Os grilos me chamavam para sua cantiga. As estrelas queriam me enfeitar de amarelo. Os vagalumes abençoavam-me com suas luzes. O homem continuava a pescar... Nada disso foi suficiente para que a moça me deixasse ali por mais um momento. Embora nosso encantamento não tivesse terminado, tive que partir.

Então me acordei.