Orinsuke e Os Sete Trovões - Cap 25: Final Interrompida

Orinsuke abriu os olhos devagar depois de passar algumas horas inconsciente. Faixas cobriam sua testa, o olho direito e o canto da boca, áreas que ainda estavam bastante doloridas quando resolveu mexer a cabeça depois que alguém chamou pelo seu nome.

Ao seu lado estavam Yume, Katsuromo e Asako, os três companheiros mais próximos da turma.

- Olá, pessoal, estão há muito tempo aí?

- Sensei Azura permitiu somente alguns minutos para uma visita – falou Yume – Queríamos saber como você estava.

- Tirando a dor de cabeça, me sinto bem.

- Eu falei com a sensei Aika. Ela disse que cuidou pessoalmente de você e do Zenpo – disse Yume.

- Zenpo? Sim, o Zenpo, como ele está? Já acordou? - Orinsuke demonstrava sincera preocupação.

- Não se preocupe com aquele arrogante. Faz tempo que acordou e já foi para o dormitório. Uma pena que os ferimentos dele foram menores que os seus – Katsuromo ficou sério ao falar do outro gakusho, demonstrando ressentimento no tom de voz.

- Realmente é uma pena que tenha sido desclassificado e ficado neste estado – disse Asako – mas adorei ver a surpresa do Zenpo quando o acertou. Por falar nisso, como conseguiu acertar aquela cabeçada? Aquilo me pareceu totalmente improvisado.

- E foi mesmo – disse Orinsuke, com um sorriso de constrangimento – Não sei como fiz aquilo, só sei que consegui enxergar uma brecha em sua defesa e tentei me mover o mais rápido que pude. E deu certo.

- De fato foi um movimento totalmente sem técnica, mas foi bem preciso – disse Yume, sorridente.

- Taijutsu não é um conjunto de movimentos fechados. O objetivo é inutilizar o adversário no combate corpo a corpo, inclusive utilizando de movimentos inesperados. Portanto, você utilizou taijutsu sim, Orinsuke.

- Parece que alguém andou estudando sobre o tema – falou Asako, olhando para Katsuromo.

- Andei lendo alguns pergaminhos sobre essa técnica. Samurais não precisam ser apenas máquinas de luta, precisam estudar também – disse Katsuromo, sem a mínima intenção de esconder o orgulho do conhecimento adquirido.

- Muito bem, os minutos já passaram e precisamos retornar para o dojo e acompanhar as lutas finais – disse Asako, apressando os colegas – Yume, você vem ou não?

Yume olhava ao redor para a ala médica repleta de camas, algumas ocupadas, acompanhando a movimentação dos enfermeiros e médicos, na verdade samurais usuários do chi e especializados na arte da cura.

- Algum problema? - perguntou Orinsuke.

- Lembra da história que te contei a respeito do garoto que morreu na estalagem onde eu trabalhava? O nome dele era Iori.

- Sim, lembro – falou Orinsuke

- Em minhas horas de folga, sempre dou um jeito de passar aqui na ala médica, fortalecer a promessa que fiz a mim mesma, de jamais permitir que alguém morra novamente em meus braços sem que eu possa fazer nada. É isso que quero ser, uma samurai médica.

O trio se despediu de Orinsuke e retornou para o dojo, onde mais duas lutas aconteceriam neste dia. Shimitsu enfrentaria Taira e Takeda lutaria contra Mamoru.

No primeiro combate, como a maioria dos alunos esperavam, Shimitsu não teve nenhuma dificuldade em derrotar Taira. A pequena gakusho até tentou acertar seus golpes, com a maior agilidade que pôde empregar, mas a oponente estava em outro nível para ela.

Shimitsu esquivou de todos os golpes de Taira e, no final, atingiu rapidamente seu pescoço num ponto de pressão, fazendo-a cair desacordada. Não queria de forma nenhuma machucar a amiga. A intenção era guardar todo o esforço para a luta final.

Por sua vez, a segunda luta não foi nada amistosa. E apesar de almoçarem juntos e estarem sempre na companhia um do outro, Takeda e Mamoru travaram um acirrado combate. Seus taijutsus eram parecidos nos movimentos vigorosos e na intensidade dos golpes.

Para Takeda, chegar à final do kumite seria a confirmação da superioridade de sua família como guerreiros samurais, cujos membros ocupam cargos de liderança há muitas gerações em Hikuran. Já para Mamoru, a vitória representaria a afirmação de suas habilidades marciais, principalmente diante do gakusho que mais admirava. Derrotar Takeda o colocaria num novo patamar diante da turma, assim pensava.

O combate se arrastou por alguns minutos que pareciam intermináveis, com Mamoru dando tudo de si para bloquear as investidas de Takeda. Mesmo assim, por mais que se esforçasse, chegando a ferir o rosto do adversário e derrubá-lo no chão uma vez, a ferocidade do gakusho grandalhão era sua arma mais eficaz.

Takeda facilmente deixava-se dominar pela raiva, e nesse estado demorava a cansar e seus golpes se tornavam mais fortes embora menos precisos. Mas isso não foi obstáculo para que terminasse a luta com um chute que arremessou longe o oponente. Mamoru saiu deslizando para fora do tatame e Takeda gritou de euforia.

- E assim se define os participantes da última luta do kumite – o sensei Azura foi até o centro do tatame para que todos o vissem – Takeda e Shimitsu, vocês terão apenas alguns minutos para se prepararem para o combate. E você, Takeda, está autorizado a se dirigir à ala médica e tratar dos ferimentos. Quero que esteja completo ao retornar.

- Sim, sensei – Takeda saiu apressado. Estava ansioso por finalmente provar a força de sua linhagem, e teria a chance de uma revanche com alguém que considerava uma oponente a altura.

Quando voltou, Takeda viu que o sensei havia reunido todos os alunos, incluindo Zenpo e Orinsuke, recém-saídos da ala médica e ainda portando muitas ataduras no rosto. Do outro lado do tatame estava Shimitsu. A gakusho estava sentada em posição de lótus, olhos fechados, concentrada. Takeda achou aquilo tudo pura exibição e estava ansioso por acabar com a pose da garota.

- Muito bem, Shimitsu e Takeda, assumam suas posições – ordenou o sensei Azura, que se encontrava no centro do tatame com o braço esquerdo erguido.

Os lutadores, sabendo que quando o braço do sensei baixasse o combate iniciaria, assumiram suas posições, músculos rígidos, olhares compenetrados e respiração cadenciada. Takeda só pensava em humilhar a garota metida enquanto que Shimitsu estava determinada a superar seu primeiro grande desafio.

Mas antes que o sensei descesse o braço e desse início à final do kumite, alguém entrou no dojo e interrompeu o acontecimento. O imponente samurai de cabelos grisalhos se posicionou na ponta do tatame e falou direto com o sensei. Takeda, ao ver o guerreiro entrar no dojo, se desarmou e o ficou encarando com olhar surpreso.

- Me perdoe atrapalhar seu treino, Azura, mas um assunto importante requer a sua presença na sala da shidosha-sama.

- Por favor, Tatsugari, me dê alguns minutos, eu já ia dar início a um combate entre esses gakusho. Aproveita e aprecie o combate enquanto espera. Afinal, acho que gostaria de saber que seu filho chegou à final do kumite.

- Não, a shidosha-sama pediu sua presença imediatamente. Eu só vim trazer o recado pessoalmente.

- Para você ter saído de perto da shidosha e vindo até aqui significa que o assunto é urgente – falou Azura-sensei, olhando logo depois para seus alunos – Portanto, daremos uma pausa até meu retorno. Fiquem todos aqui e me aguardem.

Enquanto o sensei se preparava para sair, tirando sua katana da parede e colocando-a na cintura, Tatsugari se aproximou de Takeda. Seu olhar não mudou desde que entrou no dojo, sempre sério e frio.

- Chegar à final de um pequeno torneio de luta não torna você um guerreiro de verdade. Ainda tem um grande caminho pela frente. Sabe disso, não é?

- Sim, pai – respondeu Takeda, mantendo a cabeça baixa, olhando para o chão.

- Espero que tenha percebido que sua oponente é uma garota. Portanto, não desonre a mim e nossa família com uma derrota humilhante.

Ao ouvir as palavras de desprezo do pai de Takeda, Shimitsu cerrou o olhar enquanto o encarava. Muitas lembranças vieram à sua mente naquela hora, dos tantos comentários que ouvira ao longo do tempo, sempre desacreditando de suas capacidades, do seu potencial em se tornar uma guerreira samurai. Estava disposta a nunca mais baixar a guarda para quem a subestimasse.

Tatsugari deu um leve suspiro de escárnio para Shimitsu e depois voltou mais uma vez a atenção para o filho.

- Não se atreva a nos desonrar com uma derrota, entendeu?

- Sim, senhor, horarei nossa família e vencerei esta luta – respondeu Takeda. Sua expressão era de vergonha por ter aquela conversa na frente dos demais alunos.

Ao presenciar a conversa entre Takeda e o pai, Orinsuke sentiu algo estranho. Uma inesperada empatia brotou do seu coração em relação ao companheiro de turma. Imaginou como seria viver sob esse tipo de pressão todos os dias, tendo sempre que provar que era forte. Viver dentro das famílias tradicionais deveria ser um desafio constante.

Nessa hora pensou no Sr. Onoke e agradeceu a vida que teve ao lado do pai.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 10/01/2020
Código do texto: T6838367
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