Dafne e Os Guardiões Espaciais - Cap 4: Olhos Sombrios

Como imaginou que aconteceria, Dafne recebeu uma enorme reprimenda do pai. A visita à tenda de Madame Kamala, e a estranha visão que teve, a fez perder a noção do tempo. Preocupado, seu pai já a procurava pelas ruas próximas e, assim que a avistou, a fez lembrar da caverna em Kanteia e do perigo de vida a que se expôs quando resolveu sair sozinha e bancar a exploradora de túneis.

Dafne escutou toda a bronca calada, pois sabia o quanto seu pai se esforçava em cuidar dela. Adorava passar esse tempo com ele, já que por muitos dias o pai ficava longe de casa, buscando formas de ganhar algum dinheiro, ora como minerador freelancer ora como mecânico faz-tudo.

Mas Dafne tinha uma ressalva, não gostava do seu jeito controlador do pai, sempre mantendo-a debaixo de suas asas, vigiando seus passos. Sentia-se presa quando ele reclamava que não podia se afastar demais. Sabia que muitos lugares são bastante perigosos para garotas andarem sozinhas, mas já se sentia adulta o suficiente, apesar de seus quatorze anos, para discernir sobre os lugares onde ir e com quem falar. Mas o pai não achava isso e sempre a tratava como uma criança indefesa.

Quando finalmente a Stradix ficou pronta do conserto, Cassian guardou a nave num pequeno hangar pertencente a um velho amigo dos tempos de mineração, da época em que trabalhavam juntos numa grande empresa que explorava a superfície de Heluus.

Certa vez Dafne ouviu do pai uma história que dizia que no passado os ancestrais dos povos que habitam as quatro luas viviam em Heluus, e que uma enorme guerra civil devastou a superfície do planeta a ponto de não haver mais possibilidade de viverem lá outra vez devido à radiação no ambiente. Esses ancestrais utilizaram sua tecnologia para colonizar as luas do planeta. Hoje a superfície de Heluus só é visitada por empresas de mineração.

Dafne e o pai retornaram para casa, nos arredores da periferia de Alghra, e a garota escutou o segundo round de broncas, dessa vez de Katerine, sua mãe. Escutou sobre responsabilidade, obediência e cuidados em relação aos perigos do mundo lá fora. Na hora do juntar, já cansada de ouvir os sermões dos pais, ao falarem que ela não se importava com a preocupação deles, Dafne perdeu a paciência e reclamou em voz alta, perguntando se, pelo menos uma vez na vida, não podiam confiar nela.

Deixando a comida pela metade, Dafne foi para o quarto e demorou a pegar no sono, ficando um bom tempo contemplando a noite pela janela, como sempre fazia quando estava triste com alguma coisa. A imensa superfície alaranjada de Heluus iluminava o céu, refletindo-se nos braceletes em seus pulsos.

Dafne voltou a lembrar da visão que teve e do olhar da jovem Maiera. E se os braceletes fossem algum artefato pertencente aos antigos habitantes de Heluus? Talvez Maiera tivesse fugido do planeta na época da guerra civil entre os antigos habitantes e sua nave tenha caído em Kanteia. Talvez isso explicasse o aspecto tão antigo do corpo encontrado na caverna.

Tudo isso não passava somente de uma vaguíssima suposição. Mas as perguntas mais intrigantes permaneciam em sua mente: os braceletes lhe foram dados por algum motivo especial? Ou simplesmente porque foi a primeira pessoa que apareceu? E mais, o que seria a Ordem dos Guardiões? Intuída a buscar respostas, Dafne decidiu que no dia seguinte faria uma visita à biblioteca da cidade.

Enquanto isso, longe dali milhares de quilômetros no espaço, no sombrio e poluído planeta Ordum, uma encurvada figura feminina, envolta num manto escuro e segurando um cajado, percorre apressadamente os corredores de um palácio até chegar aos seus aposentos. Na ponta de seu cajado um cristal escuro emitia um leve brilho.

- Não pode ser – falou baixinho para si mesma – Depois de todo esse tempo volto a sentir esse tipo de assinatura mágica. Mas é inconfundível, só pode ser de algum tipo de artefato dos tempos antigos. Mas como, se seus portadores foram destruídos há mais de cem anos? Provavelmente algum incauto encontrou e sem querer ativou de alguma forma seu poder.

A anciã se posiciona no centro de um pentagrama iluminado no chão. Logo em seguida o aposento é tomado por uma densa escuridão e outros pentagramas aparecem, formando um círculo. Figuras sombrias surgem alguns segundos depois.

- Espero que o motivo dessa convocação seja relevante, irmã - disse uma dessas figuras.

- Não acionaria esta reunião se não fosse – falou a anciã – Irmãos e irmãs, recentemente senti emanações místicas cuja leitura só pode indicar uma coisa: um dos artefatos dos guardiões foi acionado.

- Como pode ter tanta certeza disso, irmã? Estamos há muito tempo procurando e até agora nenhum sinal de um deles – falou outra figura.

- De qualquer maneira lembrem que já encontramos uma alternativa para abrir o portal e os recursos estão sendo movidos para isso – disse uma terceira figura.

- Uma alternativa que também nos custará muito tempo ainda – disse a anciã.

- Não mais do que a procura pelos artefatos. Há quanto tempo estamos procurando, irmãos? Agora, mais do que nunca, é a tecnologia que nos dará a chance de criar a chave. Os artefatos não possuem mais sua utilidade.

- Mas sempre foram nossa principal missão – falou a anciã, indignada – Como podem esquecer disso? É nosso dever destruir qualquer resquício dos nossos grandes inimigos. As emanações que senti com certeza nos levarão a um dos artefatos. E uma vez em posse de um deles, será mais fácil encontrar outros e até quem sabe algum remanescente dos guardiões.

- Impossível – falou a primeira figura – Foram todos mortos. Mas de qualquer forma acredito que tenha razão, irmã. Não devemos esquecer nossos deveres.

- Obrigado, irmão. Sugiro que mandem seus farejadores procurarem essa emanação.

- Façamos isso.

- Nossa, faz algum tempo que não uso magia. Talvez envie meus brinquedos na caçada se o artefato estiver aqui em Prayonki – disse uma das figuras com voz sarcástica.

- Seu vício em tecnologia vai acabar te tirando do foco, irmão. Lembre-se que tem uma missão importante neste planeta, crucial para nossos designius.

- Sim, eu sei, estou dedicado a isso.

- Declaro encerrada esta reunião – disse a anciã. Logo depois o ambiente mudou de novo e estava de volta ao seu aposento.

Interrompendo seus pensamentos, a porta do aposento se abre revelando a presença de um grande guerreiro reptiliano vestido numa armadura.

- Olá, comandante Sirek. A que devo sua nobre visita? - perguntou a anciã.

- Olá, Bruxa da Noite. Vejo que, apesar da idade, ainda não sabe arrumar seu quarto. Esse lugar é uma bagunça.

- Não se preocupe com essa bobagem. Eu sei exatamente onde está cada coisa aqui dentro.

- Que seja – falou Sirek – Encontramos a última célula rebelde nas montanhas do norte. Meu pai solicita sua presença no conselho de guerra.

- Mas é claro – disse a Bruxa da Noite com um sorriso sombrio nos lábios – Toda solicitação do rei Xakuk é uma ordem para mim.

MiloSantos
Enviado por MiloSantos em 14/07/2020
Código do texto: T7005228
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