A rainha
Ao ser introduzido pelo pajem na sala de jantar privada da rainha Ylenor, um arrepio de excitação percorreu o corpo de Romar. Ali estava ele, um forasteiro da distante Noranto, sendo admitido à presença da poderosa governante da Caríngia! A rainha, uma mulher pálida de longos cabelos negros, penteados numa trança que lhe caía sobre o ombro esquerdo, ocupava a cabeceira da mesa posta para cinco pessoas. Ela o encarou com curiosidade analítica.
- As roupas ficaram boas - avaliou ela.
- Muito lhe agradeço, vossa majestade - respondeu o rapaz, fazendo uma vênia.
- Sente-se ao lado do bailio Eroel - demandou a rainha, indicando um lugar vago à sua esquerda. Na cadeira seguinte, estava sentado um homem de meia-idade, cabelos e barba em ponta grisalhos, vestido de veludo azul com uma grossa cadeia de ouro pendente do pescoço. Do outro lado da mesa, o mordomo Kamano ocupava o assento à direita da rainha, tendo à esquerda um militar usando uma capa adamascada em vermelho e ouro sobre o uniforme bordô.
- Com sua licença - solicitou Romar, tomando assento.
- Você já conhece o nosso mordomo, o bailio Eroel é o administrador civil da circunscrição da Montanha Isolada, - disse a rainha, fazendo as apresentações - e o cavalheiro ao lado de Kamano é o preboste Nondar, com o qual você irá trabalhar diretamente.
- Encantado, cavalheiros - replicou Romar, fazendo vênias de cabeça a cada nome pronunciado. E para Nondar:
- Encontrei um dos oficiais de vossa excelência ao subir a montanha... o tenente Wasir.
Nondar fez um gesto afirmativo.
- Wasir é o responsável pelo comando dos postos de guarda na Montanha Isolada. É bom que o tenha conhecido, irão viajar muito juntos.
- Será uma honra - afirmou Romar.
- Podemos começar? - Indagou a rainha para Kamano.
- Pois não, majestade - disse o mordomo, fazendo soar uma sineta de prata duas vezes.
As portas da sala foram abertas e por ela entraram dois criados empurrando carrinhos sobre os quais estavam dispostos travessas e terrinas. Para alívio de Romar, que comera ao chegar, a ceia era bem leve, constituída basicamente de sopas, fatias de carne fria, pão, queijo, frutas e cerveja. Os pajens estenderam bacias de cobre para que os convivas lavassem as mãos e depois guardanapos de linho. Em seguida, dispuseram-se em lados opostos da sala, aguardando serem chamados. A conversa entre os presentes, decorreu previsivelmente trivial; apenas quando a refeição terminou e os pajens se retiraram levando a louça, a rainha acendeu um cigarro e depois de dar uma baforada em direção ao teto, comentou em tom retórico:
- Sempre achei que essa história de congênitos fosse lenda.
Olhou depois para Nondar, que esboçou um sorriso.
- Isso ainda está para ser provado, majestade.
- E o que tem em mente, Nondar? - Inquiriu Ylenor.
- A Montanha Isolada não tem esse nome por acaso, como bem sabe - arguiu o preboste. - Se o nosso mestre de armas conseguir atravessar esse isolamento, várias possibilidades interessantes se abrem para o reino.
Foi só então que Romar compreendeu que não o queriam ali apenas por sua expertise em armamentos, mas pelo dom que involuntariamente seus pais haviam lhe dado: ele próprio era a arma que a Caríngia pretendia utilizar contra seus inimigos!
[Continua]
- [28-10-2020]