Welcome to your life
Bem-vindo à sua vida
There's no turning back
Não há volta
Even while we sleep
Mesmo quando dormimos
We will find you
Nós iremos te achar
Acting on your best behavior
Agindo da melhor maneira
Turn your back on mother nature
Dá as costas à mãe natureza


Everybody Wants To Rule The World
- Tears For Fears










 
Era uma vez uma pequena vila escondida nos confins do mundo, rodeada por uma grande floresta seca. Seus moradores eram pessoas pobres e quase sem recursos. A comida era bem escassa e as diminutas plantações pouco produziam. Os casebres em que viviam eram pequenos e de aparência um tanto descuidada, cheios de musgo e ladeados por mato alto e arbustos tortos. 
 
Todos ali pareciam tristes e cansados da vida que levavam, com muitos doentes e quase sem condição de se manter. Os rostos abatidos dos mais velhos contaminavam a pouca alegria dos mais jovens, passando de geração em geração a perene falta de esperança pelo futuro. Com o tempo tudo que nascia ali tinha uma aparência feia, mal desenvolvida ou disforme. Essa condição afetava pessoas, animais e até mesmo as plantas, quase como uma maldição. 
 
Após algumas poucas gerações os habitantes dessa vila sem nome entraram num grande declínio. Uma doença desconhecida se abateu sobre eles, ferindo quase todos com uma moléstia incurável. Essa doença matou a muitos e exauriu as forças de muito mais outros. Isso afetou a ja minguada agricultura, fazendo a produção de alimentos cair de forma vertiginosa. Depois da inclemente doença o espírito da grande fome bateu a porta de cada um deles. Infelizmente, para aquelas pessoas aquilo era uma sentença de morte. 
 
Algum tempo de agonia se passou, e os poucos sobreviventes da vila, já bem perto do fim, clamaram com todas as forças um milagre vindo dos céus, porém foi em vão. Sem resposta alguma para suas preces sofridas o povo moribundo amaldiçoou todos os Deuses e apenas aguardou o fim. Um a um, se arrastaram do centro da vila para terminarem de definhar sobre as camas tortas de suas casas feias. Até que sobrou apenas um. Uma velha mulher. A última filha da vila sem nome. 
 
Ela estava deitada em sua cama. Tinha os olhos fundos e tristes cheios de lágrimas. A pele ressecada do rosto assombrosamente magro estava cheia de manchas e rachaduras, tão fina que quase era possível desenhar as formas de seus ossos através daquela fina capa de carne. Todos estavam mortos, seu esposo, seus filhos, seus irmãos, sua família, seu lar. Sentiu uma desolação indescritível naquele momento. Estava triste, só e desamparada. Não lhe restava muito tempo agora. Disse algumas palavras pra si, chorou um pouco mais e se entregou, esperando pela morte silenciosa lhe conceder algum descanso. 
 
Mas esse descanso não veio. Ela abriu os olhos e fitou o silencioso teto de palha seca de sua humilde choupana. O estômago ainda doía vazio, reclamando para si algum alimento. Sua dor não havia cessado. Perto da porta aberta ela observou uma figura espreitando. Não havia forças para mover seu corpo para ver melhor, então se conformou em apenas virar sua cabeça um tanto. Pelo que pode ver era a forma de uma mulher encostada numa das laterais da porta.
   
- Quem vem ai? 
 
- Uma andarilha. 
 
- O que deseja? 
 
- Um pouco de sua hospitalidade, um bocado de pão e um gole d’água. 
 
A mulher deitada quase riu ao ouvir aquilo, mas a dor em seu corpo não permitiu. 
 
- Estou esperando meu fim. Infelizmente não tenho nada que possa me oferecer. Perdoe-me. - Disse ela.
 
A outra mulher aproximou-se. Estava vestindo uma escura capa longa com um capuz que lhe cobria parte do rosto. Ela se achegou junto da cama e lhe olhou mais de perto.
 
- Pobre mulher. - balançou a cabeça - Não merece um triste fim assim. 
 
- Os deuses nos abandonaram. 
 
A mulher de capa deu um pequeno sorriso.
   
- Não existem deuses. Não no nosso mundo. 
 
- Talvez. Eu já não sei. 
 
- Eles não existem. Mas se existirem só devem se alegrar de nossa miséria e horror. 
 
A mulher moribunda não respondeu. 
 
- Se for assim é melhor que viremos nossas costas pra eles, não? 
 
- Fiz minha última oração, mas recebi apenas o silêncio, então nada mais importa. 
 
- Eu entendo, mas se eu disser que ainda há um futuro para ti?
 
Olhos profundos da mulher faminta se fecharam por um segundo.
 
- Eu diria que de nada vale dar esperança a um condenado.
 
A viajante olhou com olhos de pena para a velha.
 
- Somos todos condenados minha criança, a diferença é o que escolhemos fazer com nossas vidas. Eu por exemplo escolhi servir outro senhor. Alguém que ouve meus pedidos.
 
- Outro deus?
 
- Algo bem mais antigo que todos os outros deuses.
 
- Eu não entendo.
 
- Eu também já estive em seu lugar, já me torturei com essas dúvidas amargas. Mas já faz mais de um século desde que fui chamada à causa.
 
A mulher magra olhou o rosto da visitante e viu a beleza de pele macia emoldurando um par de olhos verdes brilhantes.
 
- Um chamado?
 
- Sim, fui achada sem rumo e sem esperanças, como você. Uma de minhas novas irmãs de magia me achou, meu deu uma nova vida e um propósito. Hoje servimos a esse novo senhor. E agora, tal como antes ele lhe mostrou para nós. Disse que precisaria de uma resposta, de um milagre. Por isso estou aqui, mas só depende de você aceitar essa nova oportunidade.
 
- O que preciso fazer?
 
Disse a moribunda, entre sussurros cansados.
 
- Muito bem.
 
A viajante então lhe estendeu a mão com gentileza.
 
- Venha, levante-se, pois você entenderá.
 
A mulher de capa a amparou e com paciência lhe colocou de pé, lhe deu uma vassoura como bengala e ambas rumaram para fora da cabana. Com bastante dificuldade a mulher esquálida abriu a porta, mas logo ficou terrificada ao perceber que não mais existia uma vila decrépita ali, nem mesmo uma floresta de árvores tortas. As duas estavam agora numa clareira limpa, rodeada por um lindo bosque de grandes e belas árvores, que agora jogavam suas frondosas sombras sobre a casa. A velha espantou-se, se sentindo pequena diante daquela maravilha.
 
- Magia!
 
Falou, perplexa.
 
- Sim.
 
 Disse a andarilha, agora tirando o capuz escuro. Os cabelos louros pareciam brilhar como ouro.
 
- Não te espantes, isso é apenas uma amostra. Algumas de nós podem fazer muito mais do que pode imaginar. Esse poder pode ser seu, se assim desejar.
 
- Mas qual o custo? Não é possível que algo assim seja somente uma graça recebida.
 
- Fidelidade eterna a causa não nunca me pareceu custoso.
 
- Apenas isso?
 
- Isso e outra coisa tão importante quanto.
 
- E o que mais seria?
 
- Almas.
 
A voz da mulher ressoou, ecoando pela grama brilhante ao redor da choupana.
 
- Almas? Mas como.. Eu não..
 
- Isso mesmo. Diferente dos falsos deuses nosso Senhor não se agrada de preces vazias, mas sim de almas puras ofertadas em seu nome, de preferência almas jovens como de crianças.
 
A velha perdeu um pouco da pouca força que tinha, desabando lentamente de joelhos enquanto digeria tal proposta em silêncio.
 
- É isso, ou desaparecer sem ser lembrada. Então o que me diz?
 
A moribunda pensou por mais algum tempo até se render com um demorado aceno de cabeça.
 
A viajante então tirou sua capa negra e vestiu a velha mulher. No mesmo instante que recebeu a vestimenta ela sentiu suas forças se renovando aos poucos, até que pode se levantar sem ajuda. Porém algo permanecia como antes.
 
- Ainda tenho fome.
 
Disse.
 
- Sim, mas essa fome não é de alimento e sim de almas. Mas não se preocupe em breve você poderá saciá-la.
 
- O que devo fazer agora?
 
Quis saber.
 
- Por enquanto apenas viva, mas quando tiver oportunidade sacie sua fome, com isso sua magia aumentará.
 
A velha olhou a maravilha ao redor e depois respondeu.
 
- Eu o farei minha irmã.
 
- Muito bem, agora tenho que ir.
 
- Espere, você não me disse seu nome.
 
A mulher riu.
 
- Meu nome é Fefa, mas me chamam apenas de bruxa.
 
E dizendo isso seus olhos brilharam e seu corpo se enegreceu dos pés à cabeça, transformando-se numa grande e barulhenta revoada de corvos, voando rápido até desaparecer junto à copa das árvores do bosque.
 
A mulher velha se voltou ao casebre, que para sua surpresa também tinha sido transformado. Olhou todo ele e então riu, observando as várias formas coloridas e engraçadas de seu novo lar. Logo depois entrou sem pressa, fechando lentamente a porta adocicada daquela convidativa casa feita de doces.
 
 
 
 
   
   
  
   

 
Uma pequena homenagem para uma autora amiga aqui do recanto e da vida.


 
Jeff Silva
Enviado por Jeff Silva em 11/02/2021
Reeditado em 13/02/2021
Código do texto: T7182155
Classificação de conteúdo: seguro
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