O Fantasma recebe uma ilustre visitante

O FANTASMA RECEBE UMA ILUSTRE VISITANTE
Miguel Carqueija



Sentado em seu trono na Caverna da Caveira o Fantasma observou a sua visitante, que se acomodara na poltrona à sua esquerda. Parecia tímida e o Espírito-que-anda tratou de estimulá-la:
— Como é que você conseguiu me localizar?
— Aqui em volta todo mundo conhece você...
— Pode ser, mas você não conhece a língua local...
— Eu só falo japonês e inglês...
(O inglês muito mal e porcamente, pensou o Fantasma)
— Mas então...
— Eu usei desenhos — e aí ela abriu a mochila e mostrou algumas folhas.
O Fantasma examinou, fez força para não rir e se admirou que os nativos conseguissem identificá-lo por aquilo.
Ele devolveu os desenhos:
— A sua visita muito me honra. Por que você veio me ver?
Ela coçou a cabeça, ajeitou suas imensas tranças, sorriu meio sem jeito e respondeu:
— Eu estava muito curiosa a seu respeito e quis saber alguma coisa. Vim conhecê-lo.
— Nunca sou visitado por super-heróis. Só Mandrake e Lothar vieram aqui.
— Mas eu tinha que vir. Me diga uma coisa: você realmente tem 500 anos de idade?
Não agradavam ao Fantasma perguntas muito invasivas, pois muitas informações eram confidenciais, segredos. Aquela história dos 500 anos, por exemplo. Ele sorriu, mas o seu sorriso típico, discreto, sem mostrar os dentes. Ajudava a manter o controle da situação e não ser levado a falar demais. E em vez de responder diretamente à pergunta da garota ele fez outra pergunta:
— Você acha muito difícil acreditar nisso?
Ela pôs a mão no queixo e assumiu um ar pensativo — coisa rara nela!
— Acho que não, Fantasma... afinal eu mesma tenho alguns milhares de anos...
Assim dizendo Sailor Moon deu um risinho típico de menina encabulada. O Fantasma se admirou mas não quis esmiuçar, ou ela poderia querer esmiuçá-lo. Cada qual com seus segredos. Mas Sailor Moon não pareceu tão ciosa assim, pois acrescentou:
— Você entende, eu e a Luna aqui — e apontou para a gatinha preta, a seus pés — somos de outro mundo, do reino lunar que existiu no passado... nós somos de lá.
Não acrescentou que Luna falava; esse era um segredo que devia ser mantido.
O seu aspecto é mesmo de quem veio de outro mundo.
A tiara, as longuíssimas tranças (marias-chiquinhas), o laço de fita enorme, os grandes olhos, o saiote curto, as luvas, as botas vermelhas compridas, tudo aquilo dava um aspecto exótico à garota. Mas Sailor Moon também temia perguntas indiscretas e não podia dizer que seu nome era Usagi Tsukino, que era uma estudante no Colégio Juuban Júnior e outras coisas que a identificavam. Resolveu fazer perguntas que o Fantasma pudesse responder:
— Você combate os piratas, não é mesmo?
— Isso mesmo. Eu jurei combatê-los. Fiz o juramento da caveira.
— Caveira? — Usagi arregalou os olhos.
— Esta aqui — e ele mostrou o anel da caveira em seu punho direito.
— Ouvi falar nisso. Ela deixa marca, não é?
— É, muito bandido ficou com essa marca no rosto.
— Ouvi dizer que ela dura muito tempo...
Como o Fantasma nada falasse ela continuou:
— Ainda existem piratas hoje em dia, Fantasma?
— É claro. Tem muitos no Pacífico, pela Indonésia, Malásia... chegam no Índico também.
— Devem ser muito perigosos...
— O Espírito-que-anda sabe lidar com eles — e o Fantasma fez um ligeiro gesto com o punho.
Ela sorriu.
— Imagino.
— E você, Sailor Moon, tem algum juramento?
— Eu e minhas companheiras fizemos o juramento contra o mal e juramos defender o amor e a justiça.
— Vocês são bem diferentes daquela turma norte-americana...
— Nem fale! São muito arrogantes.
— Também acho.
— Você não é assim. Você é independente.
Luna deu um ligeiro miado. Quando não podia falar ela miava.
Uma moça acabara de entrar, empurrando um carrinho de refeição. Era linda, alta, e trajava apenas uma túnica azulada e sensual.
— Oi, gente, trouxe o lanche.
— Obrigado, Diana.
Sailor Moon já fôra apresentada à esposa do Fantasma, pois olhou interessada para o bufê.
— Chocolate! Adoro chocolate! Incrível achar isso na selva!
Diana e o Fantasma se entreolharam, divertindo-se com a espontaneidade da garota.
— Prove esse bolo de milho — sugeriu Diana.
Ela não se fez de rogada.
— Gostou? — perguntou Diana.
— Mas demais! Eu gosto de bolo de milho assim mesmo: com a borda dura e crocante! Fica uma delícia!
Diana, que estivera meio incomodada com a presença inesperada daquela garota de roupa escassa junto de seu marido, sentiu-se relaxar. Sailor Moon era uma criança. Dava para ver pela velocidade com que ela comia a fatia do bolo e pegava outra em seguida, sem se preocupar com os limites impostos pela etiqueta.
Afinal o Fantasma observou:
— Conheço a sua fama no Japão. Lá você é um ícone.
— Ninguém me conhecia aqui em Bengala...
— Eu a apresentarei a toda a tribo dos pigmeus. Uma visitante como você merece uma homenagem, não é, Diana?
— Por mim está bem. Acho que a nossa pequena amiga realmente merece.
— Por favor, Diana, Fantasma, eu agradeço muito, mas preciso voltar... sabe como é, deixei obrigações lá em casa e ainda tenho que fazer o dever da escola!
— Não posso acreditar! Você é uma escolar?
— Mas ninguém sabe quem sou eu e nem posso revelar! Sabem... é difícil manter uma vida dupla!
— Sei como é isso! — observou o Fantasma. — Eu também uso outra identidade quando preciso...
— Pelo menos vamos chamar alguns da tribo Bandar! — Insistiu Diana. — O Guran inclusive. E tirar umas fotos. Como é que você vai para casa, Sailor Moon? Vai de avião? O aeroporto é longe!
— É claro que não! Eu uso o teleporte! Ui!
— Que foi?
— A Luna arranhou a minha perna! Esqueci de dar bolo para ela! Toma aqui...
E ela deu uma boa fatia para a ávida gatinha. Até o Fantasma riu. Diana, porém, estava pensativa.
— Teleporte... nunca pensei em ver isso. Você pode fazer na nossa frente?
— Posso. Quando chegar a hora... boto a Luna no meu ombro e uso o meu cetro... aparece uma luz e eu desapareço, só isso. Eu e Luna. E estarei de novo no Japão.
— Mas esse cetro que você usa... é um símbolo real?
— Eu sou a Princesa da Lua. Hoje em dia, porém, isso é um mero título honorífico. O Reino Lunar deixou de existir há milênios.
— Pode ser, Sailor Moon, mas ele vive em você — comentou o Fantasma.
Sailor Moon se ergueu. Diana foi chamar alguns pigmeus. Chegara a hora da despedida.
— Espero que nos tornemos a ver — Usagi ainda disse ao Fantasma.
— Quem sabe em alguma aventura? — palpitou o Espírito-que-anda.

E como diz nos seriados americanos, “to be continued”...

Rio de Janeiro, 18 e 19 de abril de 2021.

Fantasma: criado nos Estados Unidos por Lee Falk em 1936.
Sailor Moon: criada no Japão em 1991 por Naoko Takeushi.



 
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 20/04/2021
Código do texto: T7236987
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.