As Mariposas e Morcegos do Jardim

O mundo parecia apontar todas as suas armas contra David Benoit.

Caminhando pelo mundo dos sonhos, ele se sentia livre. Na verdade, ele estava tão livre quanto uma gota d’água cercada por uma roda de fogo.

Frequentemente, seus sonhos o levavam por um caminho onde brisas tornavam-se furacões e uma imensa tempestade tornava-se uma suave e fria chuva de um Novembro às vésperas da virada do milênio.

Um domingo qualquer, após mais um de seus passeios pelo misterioso e sombrio mundo do sono, David acordou e seguiu sua rotina diária.

Antes de passar pelo portal de pedra da entrada, David fechou os olhos; então, continuou andando pelo sinuoso caminho de pedras em que seus pés ligeiramente pisavam e iam deixando pra trás. Não havia ninguém por alí. No meio de duas gigantescas pedras havia um imenso carvalho. Parou por um momento. Perguntou-se o que realmente estava fazendo num lugar daqueles. Lugares como aquele faziam com que ele se sentisse bem. Uma sensação um tanto quanto peculiar. Parecia não haver vento e as nuvens não se movimentavam no céu. O sol permanecia no céu queimando o pescoço e o rosto desprotegido de David, que caminhava por entre anjos e cruzes de pedra. Nomes estavam escritos em cada uma das pedras. Nomes estavam escritos em cada uma das placas. David conhecia o dono de cada um daqueles nomes.

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Maya Woods. Ela tinha apenas dez anos de idade quando durante a noite, esfaqueou o pai e a mãe até a morte. Coisa dificil de se acreditar, mas infelizmente, certas coisas acontecem e suas razões permanecem escondidas para sempre. A policia nunca descobrira que Maya era a assassina. Somente seu pai, sua mãe e ela mesma conheciam a verdade dos fatos. Dois meses depois, Maya estava morando com os tios. Tinha uma vida sossegada, como se algo tão trágico nunca houvesse ocorrido em sua pequena e curta vida. Um dia, Maya simplesmente sumiu ao sair da escola. Os tios ficaram desesperados. Três dias depois, Maya foi encontrada em um beco isolado, do outro lado da cidade, de braços abertos e pregados em uma cruz de madeira...

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Adrien Burton. Seu esporte preferido? Assassinar pessoas. Matava por dinheiro. Matava por diversão. Matava por puro prazer. Adrien também gostava de satisfazer outros prazeres. Contratava prostitutas todas as noites. Numa das noites, adormeceu na cama com uma garrafa de uísque barato na mão. Nunca mais iria acordar. Seu corpo fora deixado na porta do departamento de polícia. Pregado em uma cruz de madeira.

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Antonio Dominguez era um padre de muita influencia no meio político e religioso. Mandava e desmandava nos assuntos que se referiam à cidade. Muitos sabiam de seus casos não tão secretos com algumas mulheres. Morava na casa paroquial. Uma casa que poderia ser chamada de mansão. Antonio sempre desfilava pelas ruas com seu Honda Civic preto, obra do dinheiro de Deus... Dinheiro que algumas pessoas deixavam na cestinha da Igreja com toda boa fé que um bom cristão pode de deve ter. Num domingo, quando algumas mulheres chegavam para a missa, perceberam que a estátua de Nosso Senhor que ficava na parede atrás do altar, parecia um tanto o quanto diferente. Ao verificar, descobriram que uma pessoa estava realmente alí, pregada naquela cruz de madeira, com duas notas de cem nos bolsos e um pacote de camisinhas colado em seu rosto.

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Michel DeClerc vivia pelas ruas da cidade. Não tinha moradia fixa. Vivia das doações das pessoas. Com uma Bíblia na mão, fingia pregar a palavra de Deus, mas não entendia nada do assunto. Charlatanismo barato em troca de comida e dinheiro. Ele, particularmente preferia o dinheiro. Assim, durante a semana, tentava arrumar o máximo de dinheiro possivel pra que nos domingos e feriados, santos ou não, saísse da cidade e bebesse como um condenado em festas em todos os cantos em que lhe era possível. Um dia não mais pregou. Foi pregado em uma cruz de madeira, com a Bíblia amarrada em seus pés...

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Bill Hopkins tinha tudo o que o pai podia lhe comprar. Desde os mais sofisticados computadores, até os mais caríssimos carros. Bill não podia ver algo novo com um de seus amigos, que logo já desejava ter um igual, ou às vezes, um até melhor. O mesmo acontecia com as garotas. Preferia sempre as garotas compromissadas, que às vezes, eram até mesmo namoradas de seus amigos. Ao perceber que o filho não saía do quarto em um domingo, o pai de Bill foi ver se algo havia acontecido. No quarto, viu somente a cabeça de Bill saliente por cima de todas as coisas que haviam em seu quarto. Bill estava soterrado pelas coisas que tanto cobiçara. O pai tirou as coisas de cima do filho e viu que algo de madeira permanecia embaixo do corpo do filho. Chorando, o pai viu seu filho pregado em uma cruz de madeira, com fotos das namoradas dos amigos amarradas em suas mãos.

Convencido de que os assassinos de seu filho eram os amigos, o pai de Bill fez de tudo para por os garotos na cadeia, mas desejando do fundo da alma, a morte de todos os três. Três meses depois, foi a empregada que encontrou no jardim o corpo do pai de Bill pregado numa cruz, com uma cópia dos documentos do processo amassada em sua boca...

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Jeffrey Barnes era um daqueles homens que passam 99% de sua vida correndo atrás da aparentemente única necessidade que necessitam. Maldito dinheiro. Não amava ninguém. Não era amado por ninguém. Ganhava a vida honestamente. Sempre atrás do que pra ele seria a coisa mais importante do universo. Depois dos 12 anos de idade, nunca mais fora à uma igreja. A mãe insistia, mas ele e o pai sempre preferiram o futebol e às finanças do que acertar suas contas com Deus. Talvez pensassem em comprar um lugar no paraíso depois que a luz da vida se esmaecesse e a escuridão da morte tomasse conta de seus olhos para sempre. Aos seus 35 anos, Jeffrey era um dos homens mais ricos da cidade. Não fazia doações. Não ajudava ninguém. Seu coração parecia estar embrulhado em notas verdes de cem, ou de cinqüenta. Numa sexta-feira de Outubro ele desapareceu. Ninguém sentiu sua falta. Três dias se passaram e numa cidade vizinha, policiais tiveram a chamada mais estranha de que aquela cidade já tivera noticia. Na frente de um banco, na porta de entrada, jazia um corpo machucado de um homem, pregado em uma cruz de madeira. Nunca se descobriu a verdadeira identidade daquele homem. Foi enterrado como indigente numa vala pública, ao lado de um grande carvalho e duas pedras gigantescas...

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David caminhou por um outro caminho de pedras sinuosas, agora iluminado pela luz bruxuleante de uma gélida lua que parecia seguir cada um de seus passos. Sentou-se ao lado de um outro túmulo, mais sombrio do que qualquer um dos outros. Ao lado desse túmulo havia um pequeno lago. Segurando a Bíblia em suas mãos, David fechou os olhos e tentou falar com Deus, mas não obteve nenhuma resposta. Lembrou-se de alguém lhe dizendo que um dia ficaria frente à frente com o seu pior inimigo. Mas David acreditava na palavra de Deus e pediu pra que Deus lhe revelasse seu pior inimigo. Ele estava pronto. Queria um sinal.O vento que não soprara o dia todo, apareceu como uma neblina quase que sobrenatural e foi tão forte que fez com que a Bíblia caísse das mãos de David e fosse parar dentro do pequeno lago. Ao se abaixar, David viu seu próprio reflexo na água, iluminado pela luz da lua e conheceu o seu pior inimigo. Levantou-se assustado, buscando algum tipo de resposta por todos os lados. Não havia nada que pudesse ajudá-lo. Olhou mais uma vez para o túmulo ao seu lado e o sangue pareceu parar de correr em suas veias. Gravado na pedra, em letras bem grandes ele leu:

DAVID BENOIT

1966-1999

“A LEI DE DEUS NUNCA FALHA”

Alencar Moraes
Enviado por Alencar Moraes em 19/11/2005
Código do texto: T73590