O vento e as emoções

Emótica estava esperando para falar com a diretora do colégio de magia ao lado de uma grande lenda: era Velenta, a fada dos ventos mais habilidosa daquela época. Chegava a ser difícil de acreditar que estava no mesmo colégio que tamanha celebridade.

 

Talvez um dia ela fosse tão conhecida quanto Velenta. Afinal, nunca antes existiu uma fada das emoções. Esse era, inclusive, o tema da conversa com a direção. Como nenhum colégio possuía professores capacitados para essa habilidade, além de aulas particulares, passaria por um experimento pedagógico. Caso funcionasse, seria aplicado em larga escala com as futuras fadas das emoções.

 

Depois das orientações sobre como seriam suas aulas, Emótica ficou extremamente empolgada. A alegria foi notada pela fada dos ventos, que logo perguntou o assunto abordado com clara curiosidade.

 

— Eu sou uma fada das emoções, a primeira. Os professores farão vários experimentos na tentativa de ensinar-me a controlar meu poder e, se eu me sair bem, talvez seja contratada mais para frente como professora!

 

— Fada das emoções?! — Velenta estranhou. — Mas seus pais tinham poderes da natureza que nem as outras, não?

 

— Não sei. Eles morreram quando eu era muito jovem, então não me lembro deles. Mas provavelmente tinham poderes já catalogados sim. Os pesquisadores acham que minhas habilidades são por causa da evolução natural mesmo, alguma mutação aleatória… talvez a próxima fada das emoções nem seja minha parente.

 

— Estou vendo que está bastante animada. Curiosa com as possibilidades de extensão de sua magia? — Velenta pergunta sorrindo, já contagiada.

 

— Com certeza! — respondeu Emótica sorridente.

 

Infelizmente, a fada das emoções era uma das poucas que via o surgimento de um novo poder tão fora do padrão como algo bom. Para a maioria, não fazia o menor sentido nascer alguém sem habilidades da natureza, era quase antinatural. Além disso, quais feitiços ela conseguiria fazer? Magias com certeza menos interessantes do que as tradicionais.

 

Fora Velenta, nenhum dos outros alunos tinha interesse em relacionar-se com ela. Então raramente era vista fora da sala de aula em que desafiava os limites de seus poderes. O professor responsável por orientá-la em suas pesquisas era comumente visto com expressões de admiração, isso indicava um possível excelente resultado com a magia das emoções.

 

Emótica gostava de assistir os duelos de fadas, assim como grande parte da população. Sendo amiga de Velenta, ela conseguiu ingressos gratuitos para vários deles. Era sempre incrível ver o quanto os poderes da natureza eram amplos e harmoniosos, ela sempre pensava com seus botões se o dela também seria.

 

A estrela da noite, obviamente, era sempre sua amiga fada dos ventos. Velenta já tinha ganhado vários prêmios e reconhecimento, e olha que sua idade era de apenas 16 anos. Chegava a ser inacreditável pensar que Emótica era sua companheira, seria isso um sinal de que seu poder também era especial?

 

Não era incomum escutar comentários ofensivos enquanto caminhava com sua amiga pelas ruas da cidade das fadas. Ninguém perdia a chance de caçoar os poderes diferentes de Emótica e insinuar que seriam mais fracos e menos atraentes.

 

— O que vai fazer com esse poderzinho fajuto? Arrumar um namorado? — dizia alguém e caia na risada em seguida.

 

— Não fale assim. — respondia a fada ao lado. — Ou talvez ela faça você ter medo do escuro. — E juntava-se ao outro nas gargalhadas.

 

Velenta insistia sempre para Emótica não se importar. Afinal, era tudo inveja por ser ela a acompanhar a famosa fada dos ventos. E em todas as vezes lançava um feitiço para que ventasse bem forte no cabelo de quem disse aquilo e bagunçasse tudo.

 

Essa tática conseguia arrancar risadas da fada caçoada e urros das caçoadoras, porém não mudava a sensação de inferioridade gerada. A verdade era que nem sequer um namorado Emótica poderia arranjar com sua magia, já que o amor era um sentimento, não uma emoção.

 

Caso ela quisesse conquistar alguém, teria o mesmo trabalho que uma fada com poderes naturais. A única diferença seria que geraria as emoções com magia, não com ações. Mas nem Velenta nem ninguém sabia disso, os avanços nos estudos do poder das emoções eram mantidos em sigilo a pedido da própria estudante. Ela queria mostrar suas habilidades ao mundo das fadas apenas quando estivesse pronta.

 

Esse momento pareceu chegar apenas no dia da formatura. Velenta pôde perceber isso porque, de repente, Emótica não parava de falar sobre tudo o que descobriu ser capaz de fazer e sua vontade de mostrar isso para o mundo. Anteriormente, por mais que perguntassem, ela nunca dizia nada.

 

Quando faltava poucos dias para o evento, a fada dos ventos descobriu que a mudança de atitude em relação aos poderes das emoções nada tinha a ver com a cerimônia. Outra fada com essas habilidades tinha sido descoberta e, como Emótica já estava próxima de adquirir o diploma e faria 18 anos no ano seguinte, seria escalada como professora quando chegasse a hora.

 

Ela estava bastante nervosa e só pensava nos cursos de pedagogia que faria. A nova fada com habilidades emotivas era um rapazinho chamado Flynn e parecia o ser mais importante do universo para quem ouvisse sua futura tutora falando:

 

— Ele será respeitado como alguém do nosso porte merece, eu garantirei. — Ela dizia firme, deixando Velenta curiosa.

 

Apesar de toda aquela determinação súbita deixar algumas suspeitas, a fada dos ventos nunca perguntou nada sobre o que ela pretendia. Por isso, foi tão surpreendida quanto todo mundo quando o nome de Emótica foi chamado para receber o canudo.

 

Ela voou até onde estava o professor, mas em vez de posar para a foto e voltar ao seu lugar, começou a fazer um pequeno discurso:

 

— Vocês dizem que meus poderes são inferiores por não serem da natureza. A verdade é que eles me fazem mais forte do que todos vocês! Dizem que apenas uma fada dos ventos pode prender alguém, com rajadas tão potentes a ponto de ninguém conseguir vencer. Pois eu posso paralisar alguém de medo!

 

Para demonstrar, fez algumas fadas que já vinham em sua direção sentirem medo dela e das habilidades que estava prestes a revelar. Essa atitude impressionou todos no recinto.

 

— Dizem que apenas uma fada do fogo pode impor dor, com suas chamas queimantes. Pois eu posso fazer vocês sentirem muita dor com a tristeza! — Continuou ela.

 

Em seguida, fez com que todos ficassem tristes pelo modo como trataram-na e pelos traumas que a garota teve por causa disso.

 

— Dizem que somente uma fada d… — Emótica foi interrompida no meio do discurso: era Velenta.

 

A fada dos ventos foi a única que não recebeu nem a magia do medo, nem a magia da tristeza. Por isso, estava apta para convencer a outra a parar com toda aquela confusão. Ao perceber quais eram suas intenções, a fada das emoções não perdeu tempo em corrigir seu erro.

 

Logo, Velenta foi atingida por uma onda inexplicável de raiva. Sua amiga havia traído sua confiança ao atacar todos da escola e nem sequer lhe contar antes!

 

— Eu não acredito que você está mesmo com raiva de mim! — Emótica disse após perceber as intenções da outra. — Achei que você era minha amiga… — disse deprimida. — Ou será que eu sou mais poderosa do que uma amizade verdadeira? Que seja! Não quero mais você com raiva. Sinta medo como os outros.

 

Ao perceber a origem mágica daquela raiva, Velenta percebeu o quanto a fada das emoções era poderosa e começou a ficar com medo do que ela poderia fazer.

 

Vendo o olhar de desespero no rosto da companheira, aquela com habilidades das emoções sentiu-se culpada de enfeitiçar a única que lhe tratou bem e resolveu libertá-la. Era muito doloroso vê-la com medo de seu poder. Liberta da raiva e do medo impostos, a fada dos ventos finalmente conseguiu encurralar a amiga e obrigá-la a liberar todo mundo.

 

Atacar os outros com seus poderes era um crime naquela sociedade e Emótica provavelmente receberia alguma punição, mas Velenta sabia o quanto ela sofreu e pensava que discriminação dos poderes também deveria ser crime. Por isso, resolveu usar o dinheiro recebido nas premiações de duelos para pagar a fiança, fosse ela qual fosse.

 

Afinal, Flynn merecia receber aulas de alguém que o valorizasse, já que a sociedade estava apenas começando a entender o valor da magia das emoções. A primeira e única não relacionada com a natureza.