Ameaça aos Inventores

SÉCULO XV, França

 

Nicolau Pluma não conseguia acreditar em seus próprios olhos. Ele havia mesmo conseguido manipular magia com apenas um graveto e usá-la para qualquer fim dizendo um mero “Abracadabra”? Ele mal podia esperar o momento de jogar na cara de todos aqueles alquimistas que tinha conseguido algo muito melhor do que a pedra filosofal: a varinha de condão.

 

Foram anos de pesquisa até acertar a receita e a necessidade de trabalhar sozinho atrasava ainda mais o resultado. Ele não poderia correr riscos confiando em quem não devia, tanto porque poderiam roubá-lo quanto porque poderiam acusá-lo de bruxaria.

 

Na verdade, Nicolau nunca entendeu como a Inquisição não havia chegado até ele. Afinal, depois de sua grande invenção, ele era, literalmente, um bruxo. Só mais para frente essa razão seria esclarecida, mas o feiticeiro não viveria para aprendê-la.

 

Depois do sucesso de suas pesquisas, ele simplesmente queria descansar e comemorar sua vitória. Aquele dia seria um marco, já que nunca mais sofreria dificuldades com a varinha de condão em mãos. Animado, foi para a taberna na qual se encontrava com os alquimistas com sua invenção em mãos, pronto para apresentá-la ao mundo.

 

Todos encantaram-se com a criação e parabenizaram Nicolau, o espetáculo de funcionalidades durou bastante tempo e o público não parava de se renovar. O inventor adorava aquela exibição e, por ele, poderia continuar até o dia seguinte.

 

De repente, entrou na taberna a mulher mais linda que ele já tinha visto. Seu orgulho e vontade de contar vantagem enfraqueceram drasticamente e foram substituídos pela vontade de estar ao lado da recém-chegada. Era mesmo o dia de sorte do homem!

 

A moça logo notou a pequena plateia ao redor de Nicolau e foi em direção a ele. Talvez estivesse curiosa quanto ao motivo de tudo aquilo. A aproximação dela só aumentou o desejo do inventor, parecia que ela fazia de propósito! O jeito era torcer para ser uma meretriz, do contrário não haveria chances com ela.

 

Suas preces foram atendidas, o que era bizarro considerando seu teor. Logo os dois estavam em um quartinho bebendo muito champagne, e foi aí que tudo deu errado. A mulher provavelmente colocou alguma coisa em sua bebida, pois, no segundo seguinte, Nicolau estava tonto na cama quase apagando.

 

O último evento o qual lembrava era a moça tirando sua capa, revelando possuir asas, pegando a varinha de condão e dizendo:

 

— Nenhum humano jamais será mais poderoso do que as fadas! — Após essa fala, disse “Abracadabra” e desapareceu.

 

SÉCULO XX, Mundo das Fadas

 

— Leona, líder das fadas, o que deseja de mim?

 

— Outro humano inventou algo capaz de torná-los mais poderosos que nós. Preciso que você seduza Alan Turing e roube dele o computador.

 

A fala foi recebida com muitas risadas, o que gerou certo estranhamento em quem a proferiu. Afinal, foi dita com a maior seriedade.

 

— O que foi, Volpina? Há algo de errado com Alan?

 

— De errado nada, mas ele é gay. Você vai precisar de outro plano.

 

— Gay? E o que é isso? — A pergunta de Leona demonstrava seu desconhecimento.

 

— Quer dizer que ele gosta de homens. — explicou Volpina.

 

— Ah, então se passe por homem! — disse com alívio. — Você sabe que não somos mulheres de verdade, só fingimos ser porque…

 

— O primeiro humano a nos ver foi etnocêntrico para caramba em chamar-nos de mulheres aladas! — disse com revolta.

 

— E etnocêntrico? Que raios é isso?

 

— É quando você analisa a cultura alheia pela ótica da sua. Fadas não têm gênero, isso é coisa de humanos!

 

— E como você conhece tantos termos da cultura deles? — Leona perguntou com confusão.

 

— Você manda-me ir atrás de inventores toda hora, é natural que eu aprenda algo. — falou Volpina com certo orgulho.

 

— Tudo bem. Estude o quanto quiser, mas traga o computador. — Foi firme.

 

— Será que dessa vez poderíamos não intervir? Ele é diferente dos outros… — Pediu com insegurança.

 

— Por que ele é etnocêntrico?

 

— Ele não é etnocêntrico, quer dizer, deve ser… enfim, não é por isso. A invenção dele pode parar o nazismo!

 

— E mais essa agora… Nazismo é o que?

 

— Nem queira saber, é horrível! Eles estão… — Volpina tentou contar os horrores do regime.

 

— Eu não quero saber mesmo. — Interrompeu Leona. — Grave aí na sua cabeça, eu não me importo com os humanos. Do contrário, não tentaria barrar seu desenvolvimento tecnológico!

 

— Mas…

 

— Sem mas! Eu conheço essa argumentação barata, você fez a mesma coisa quando mandei ir atrás do James Watt. E olhe no que deu: revolução industrial! — exclamou.

 

— Que orgulho… Você aprendeu alguma coisinha de cultura humana entre tudo que eu disse! — Sorriu. — E eu já falei que o James era fiel à esposa. — Justificou.

 

— Que esposa que nada! Eu procurei e não encontrei nada sobre uma Sra. Watt!

 

— Mas eu já expliquei o motivo! É que os humanos têm uma cultura sexista e…

 

— Sai para lá com essa história de sexismo. Você disse a mesma coisa quando eu mandei ir atrás da Ada Lovelace e agora temos o computador!

 

— Do jeito que você fala, eu pareço incapaz de roubar uma invenção de um humano. Há uns 40 anos eu impedi os irmãos Wright de inventarem o avião! — Defendeu-se.

 

— E serviu para droga nenhuma! Santos Dumont veio logo atrás e fez o serviço de novo!

 

Volpina já estava sem ideias de como convencer Leona a deixar Alan Turing ficar com o computador. Por isso, tentou uma última cartada. Provavelmente, não funcionaria, porém a menção a Alberto fez a lembrança invadir sua mente de tal maneira que nenhum outro argumento lhe ocorria.

 

— Veja pelo lado positivo, a invenção do avião acabou tendo suas vantagens. Ele foi usado na guerra, então ajudou a matar vários humanos. — disse Volpina.

 

— Nisso você tem razão.

 

— Com o computador, eles podem inventar uma rede global de conexões e, com base na inteligência artificial, criar bolhas de interesses comuns. Assim, a divulgação de notícias falsas seria facilitada e propiciaria o renascimento de regimes autoritários.

 

— Ótima ideia! Brigando entre eles, ficam mais fracos e não há chance de se tornarem mais poderosos do que nós. E, diferentemente do avião, que poderiam usar para chegar até nosso lar, essa situação nem respinga em nós! Tudo bem, Alan Turing pode ficar com o computador.

 

Volpina não fazia ideia de como Leona havia comprado aquele raciocínio maluco. Afinal, quais as chances de acontecer mesmo daquele jeito?