UM CONTO DE NATAL

UM CONTO DE NATAL.

De Otrebor Ozodrac

FESTA DE NATAL

O relógio da igreja matriz começava o badalar anunciando que chegara a meia noite do dia 24 de dezembro do ano de 2000. Na casa da família Cerqueira a primeira garrafa de espumante foi aberta, como um tiro projetando a rolha no teto, que ricochetou e veio a cair sobre a mesa.

Abraços e beijos de confraternização entre os membros da família. Destaca-se o abraço do pai em suas filhas, Antônia e Anita, que estreitadas uma em cada braço, lhe colocavam beijos inúmeros nas faces, e diziam:

Antônia:

— Feliz natal pai querido, luz da minha existência.

Anita:

— Pai querido, feliz natal e que este novo ano seja de muito carinho e felicidade para todos nos.

Após dirigiram-se a mãe e os quatro abraçados, riam e choravam de alegria.

Passaram a proceder na abertura dos presentes que estavam sob a árvore de natal. A matriarca da família tomou a iniciativa e disse:

— O meu presente de natal vai para uma pessoa muito especial, que me deu dois grandes e maravilhosos presentes que encheram a minha vida de alegria. Meu esposo querido.

Assim foram se sucedendo à revelação e entrega dos presentes. Quando chegou haver vez Anita, como faz há alguns anos ela falou:

— Como já é costume nos últimos natais, eu quero render uma tosca, mas sincera homenagem, a um ser muito especial que neste momento está ausente de corpo, mas presente em minha mente. O meu Avo Norberto, esteja onde estiver receba a minha especial homenagem.

Nesse momento sua mãe, passou o dedo polegar na parte inferior do olho direito e colheu uma lágrima que irrompera e tentara correr sobre a face. Tios, primos, avós, todos revelaram o amigo oculto daquele natal.

Já passava das duas horas da madrugada e a festa ainda estava animada. O telefone toca. Um calafrio fez seu corpo estremecer e Anita corre e atende:

— Alo! Residência dos Cerqueira, Anita falando.

— Aqui é o Delegado Silveira. Quero desejar-lhe um feliz natal e um ano novo muito bom para você minha querida.

O telefone foi logo desligado, deixando Anita atônita. Ela pensou:

Não pode ser, será? ele está aqui? Mas logo ela lembrou que assim fizera nos últimos três anos.

Nisso sua mãe lhe pergunta:

— Anita! Quem estava ao telefone?

Um calafrio irrompeu pela espinha e espalhou-se por todo o seu corpo e ela respondeu:

— Foi engano mamãe.

Alguns já estavam bêbados de tanto tomar espumante, Anita se recosta em um sofá ao lado da árvore de natal e seus pensamentos voam para o passado. Lembrava, do dia em que alguém havia telefonado por diversas vezes para fazer gracinhas, pois quando atendiam a voz dizia um gracejo sem graça e desligava. Foi quando ele com sua calma costumeira, disse:

— Deixe que eu atendo da próxima vez, ele não voltará a telefonar.

O telefone tocou e ele foi atender, levantou o fone do gancho e disse:

— Delegado Silveira as suas ordens. O telefone foi desligado imediatamente e o engraçadinho não mais telefonou. Ela carinhosamente passou a chamá-lo de delegado Silveira.

Este fato marcara indelével sua memória, que nesse momento sonhava com o encontro com seu avo querido. Não poderia dizer nada, a ninguém, pois o velho avo era persona não grata dentro da família. Sua mãe, filha dele, nem queria ouvir falar o seu nome. Seu

marido, seu pai, o detestava tanto que sequer permitia que o seu nome fosse pronunciado. Sua avó, esposa dele, havia pedido o divórcio após quarenta e oito anos de casada. Mas, Anita em suas lembranças somente tinham recordações amáveis daquele homem tão desprezado por todos da família. Certamente se ele quisesse encontrar com ela, com toda a certeza não faltaria ao encontro. Pois, de todos os familiares, ele foi sempre aquele que mais carinho lhe avia dado, dês de que se conhecera por gente. Em suas lembranças vinham, as extensas caminhadas que davam pelo parque da cidade, onde ele sempre tinha uma nova estória para lhe contar. Todos os seus pequenos grandes problemas ela sempre levava a ele que lhe aconselhava e tudo dava certo. Não entendia o porquê que todos passaram a desprezá-lo de repente e ele por que havia ido embora de casa, deixando o seio da família.

Lembrava com saudade dos diálogos que tinha com ele, em que dizia:

— Vô! Eu tenho medo à noite antes de dormir, chego a ficar um grande tempo acordada suando e chorando de tanto medo do escuro.

— Ora minha querida, isso ocorre com todas as crianças. Eu chamo efeito pensamentos negativos. Você certamente costuma a ficar pensando em coisas que podem lhe causar medo, não é assim?

— Sim, eu penso que um monstro vem me pegar, ai eu tapo a cabeça e fico ali tremendo de medo.

— Ora, ora, basta que você não pense mais no monstro que lhe quer pegar. Procure pensar que você está em uma praia, às ondas vindo cobri-la. Que de repente aparece um peixinho que uma onda mais forte havia trazido e deixado na areia. Que este peixinho olhou para você e você para ele, ele lhe disse:

— Você ai, que está me olhando, porque não me devolve a água?

Você perplexa, se aproxima dele e o pega com a mão e o leva até a água e o larga justamente quando uma grande onde se aproxima. O peixinho sai nadando dá um salto que o tira da água e com a cauda abana para você. É isso que você tem de fazer, crie uma estória que não seja de medo e pavor, mergulhe na estória, viva a estória e verá que o sono chega e você dorme sem ter medo.

— Farei isso vovô.

Tomei como habito criar estórias antes de dormir.

E de fato nunca mais senti medo do escuro.

Quando estava no quarto ano primário, com a introdução de matérias diversas, eu senti alguma dificuldade de aprendizado, minha mãe e meu pai, não tiveram paciência comigo e pediram para ele me ensinar as matérias. Quanta paciência e carinho ele me deu. Ensinava-me por diversas vezes, mudava a forma de ensinar para que eu aprendesse.

Porque não querem falar nele? E, quando eu falo, eles simplesmente dizem: — Não fale mais em seu avo ele não existe para nós. O que é que ele faz de tão grave que nem o seu nome eles querem pronunciar?

E assim se passaram os anos, Anita no natal, recebia um telefonema do Delegado Silveira que lhe dizia sempre a mesma coisa. “Quero desejar-lhe um feliz natal e ano novo muito bom para você minha querida.”

Anita, por sua vês, em todos os natais o homenageava, com uma lembrança ao seu querido avô.

Anita aos seus dezoito anos, reuniu seu pai e sua mãe e lhes disse:

Hoje eu não os deixo saí sem que me digam o que houve com o meu avô. Que desapareceu quando eu tinha dez anos, eu o queria tanto, e de repente ele simplesmente desapareceu. Por oito anos ele sempre me telefonou no natal. Vocês sempre me ocultaram o que teria acontecido com ele, mas agora que tenho dezoito anos eu exijo saber.

Seu pai e sua mãe se olharam, logo seu pai baixou a cabeça, como quem diz isso não é comigo. A mãe sentiu, naquele momento, um aquecimento em seu peito, suor brota-lhe na testa, ela se sente abafada, gesticula sem saber o que dizer.

O pai pigarreou e disse com voz embargada.

— Sinto muito, mas tu comes filha é quem deves dizer o que aconteceu com teu pai.

— Filha! Vamos deixar disso, o que aconteceu, aconteceu, mas faz muitos anos, porque revolver o passado, que poderá nos causar desgostos no futuro.

— Não mãe, eu quero saber o que aconteceu com meu avo e agora.

— Depois não vai dizer que preferiria não ter sabido de nada.

— Prometo que não me queixarei.

— Quando você tinha dez anos, seu avo a encontrou desacordada, você estava sozinha em casa, e levou-a diretamente para o hospital, lá chegando os médicos constataram que você tinha sido violentada. Foi feito registro da ocorrência policial, a polícia não apurou nada sobre o caso. Mas, eu e seu pai, inquirimos o seu avô, para que explicasse o que teria ido fazer na sua casa, sabendo que você estava sozinha?

Ele disse que teria tido uma premunição, teria experimentado de súbito uma sensação de angústia, o pressentimento ou a percepção de uma coisa atroz estaria acontecendo com você. O que o levara até onde você estava. Lá chegando vê-la desacordada, tentou reanimá-la, mas foi inútil, tendo resolvido levá-la ao hospital. A família desconfiou dele, tudo parecia tão inverossímil, ele possuía a chave da minha casa, podia entrar e sair à hora que quisesse. No dia, não se ouviu falar de algum suspeito pela região. Seu pai chegou a acusá-lo, e confesso que eu também. Ele se dizia inocente e que jamais faria semelhante coisa com você.

Resolvemos botar uma pedra em cima de tudo, no entanto, dissemos a ele que todos nós incluindo sua avó, não mais queríamos velo. Ele sem muito questionamento deixou a casa, e partiu para lugar ignorado.

— Porque nunca me falaram disso?

— Você tinha sofrido um trauma muito violento, quisemos poupá-la.

— Eu lhes asseguro que meu avo jamais faria isso comigo, ele me amava e eu o amava. Tinha um carinho muito especial comigo.

Tenho algumas recordações daquele dia e nelas meu avô não está.

— Diga-nos o que recorda?

Então, duramente, reviveu tudo o que ocorrera naquele dia. As imagens relampejavam em sua cabeça. E voltou aos seus 10 anos.

— O homem dos quadros, ele bateu a campainha, eu apareci no alto da escada e disse que não havia ninguém em casa, ele disse que queria me mostrar uns quadros muito bonitos, que eu iria adorar. Lembro que lhe jogueis as chaves e ele entrou, e me disse, também tenho um perfume para você! Fez-me cheirar um vidrinho e eu não vi mais nada.

Quando ela terminou a narrativa, o casal estava perplexo. Em um instante, viram tudo. Um grande erro tinha sido cometido. Tão óbvio. Tão claro. Tão tortuosamente simples. E eles não viram.

Os três se abraçaram e choraram copiosamente por longo tempo.

Quando recobraram os ânimos, sua mãe disse:

— Não lhe damos seque o benefício da dúvida.

Uma dor lancinante na base do crânio avisou-a de que estava totalmente afundada em remorso.

— E agora o que faremos? — disse a mãe.

— Fomos uns imbecis, nunca falamos nada para você, para não traumatizá-la. E terminamos cometendo uma grande injustiça para com o meu pai. — disse o pai de Anita à esposa.

Todos os músculos estavam duros como pedra. Tensos. Retesados. Os braços doíam, sentiu espasmos nos ombros e o estomago enjoado. Estava dominado pelo arrependimento.

— Ele se comunica comigo todos os anos no natal, o que ocorrerá daqui a três meses — disse Anita.

— Perguntarei onde ele está e que tudo está esclarecido agora, e que ele poderá voltar.

— Nos estaremos ansiosos para falar com ele — disse sua mãe, com voz trêmula.

A véspera do natal chegara. A família fez grandes preparativos para esperar o avô. Após a meia noite todos a espera de uma chamada telefônica. Anita não saia do lado do telefone, queria atendê-lo imediatamente logo que chamasse.

Era mais de duas horas quando o telefone tocou.

Anita trêmula pegou o telefone e disse:

Alo! Residência dos Cerqueira, Anita falando.

Uma voz, fraca e quase murmurante, pela dificuldade de respirar disse:

— Aqui é o Delegado Silveira. Quero desejar-lhe um feliz natal e ano novo muito bom para você minha querida.

Todos ao redor havidos em querer saber o desenrolar da conversação.

Anita logo disse não desligue, está tudo esclarecido, todos sabem que você não é culpado de nada.

— haaa! Minha querida! Tarde, muito tarde, estou vivendo os meus últimos dias. Graças a Deus, minha hora está chegando.

Quem nesta vida não sofreu uma injustiça? Quando um estranho nos faz uma injustiça, sentimos muito, mas levantamos olhamos para o alto e continuamos a nossa jornada.

Eu não faço parte da exceção, sofri algumas poucas injustiças de estranhos. Algumas delas serviram para trocar o rumo da minha vida e os resultados foram melhores do que se tivesse no rumo anterior.

Porém, quando a injustiça vem dos nossos entes queridos, não só sentimos muito, como sucumbimos como a morte nos tivesse atingido. Enchemo-nos de tristeza e passamos a pensar, onde erramos, se só nos dedicamos de corpo e alma, os protegemos, amparamos, confortamos e os amamos por toda a vida, sem nada cobrar, sem nada pedir. Servimos porque queremos servir, amamos por queremos amar. Embora com o coração partido e a alma despedaçada, apenas nos resta dizer aos meus entes queridos, eu os perdoo.

A Deus, minha querida, diga a todos que já os perdoei há muito tempo.

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Otrebor Ozodrac
Enviado por Otrebor Ozodrac em 16/12/2021
Reeditado em 15/01/2023
Código do texto: T7408829
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