Em busca de um anjo

Certa vez um homem, cansado de tanto sofrer, decidiu escapar por uma fresta de si mesmo para poder ver sua vida pelo lado de fora e assim, viu a si mesmo pequeno aprendendo a orar para o anjo da guarda.

No começo, pedia com fé que o tal anjo lhe desse um pai, mas ao invés disso, quem acabou indo embora foi sua mãe. Foi então aprendendo a pedir ao anjo para aceitar as coisas que não podiam ser modificadas e com o tempo, seu coração se acalmou.

Casou-se e formou uma família de muitas filhas. Vivenciou com isso uma felicidade tão grande que deixou de pedir e só agradecia.

Mas parece que a vida às vezes é sarcástica, quase uma piada de mau gosto.

Sua mulher foi acometida de uma grave doença, mas ele não se abateu. À noite em sua cama, adormecia fazendo orações, enquanto a ciência fazia sua parte.

Diante das perguntas da filha caçula, decide ensinar-lhe a rezar para o anjo, já que para si, o anjo sempre fora de grande ajuda. Depois disso, volta e meia via a pequenina quietinha em algum canto em conferência com o mundo celestial.

Apesar do empenho dos médicos e da coragem de sua mulher em lutar para viver, a doença foi implacável, deixando as meninas órfãs e nosso amigo sem rumo.

- Pai, será que eu falei com o anjo do jeito errado? – pergunta a caçula, deixando-o sem resposta.

À noite em sua cama, sentindo-se extremamente angustiado, ele queria somente encontrar um sentido para tudo aquilo, mas talvez a vida fosse um conjunto de acontecimentos aleatórios e sem nenhum sentido, ora beneficiando uns, ora prejudicando outros. Nada pessoal entre um suposto Criador e suas criaturas.

E foi assim que ele, como dissemos no inicio desta narrativa, saiu por uma fresta de si mesmo e perdendo toda ligação que tinha com a matéria planou, vislumbrou o passado e agora, observando-se em repouso, sente uma imensa compaixão diante de sua fragilidade humana.

Nesse momento é arrebatado pela presença angelical e em seguida, lançado novamente em seu corpo, permanecendo em estado de êxtase. Ao levantar-se, sentindo fortes dores inexplicáveis, percebe um par de asas abrir-se atrás de si. Além disto, ouve murmúrios aos ouvidos e percebe lentamente tratar-se de milhares de preces.

Sobe no peitoril da janela e, num impulso, se lança ao ar, dirigindo-se a uma dessas preces. Uma jovem mulher reza ao lado de um homem moribundo.

Ele aproxima-se da jovem e a abraça ternamente. Ela dá um profundo suspiro e embora não perceba a presença de nosso amigo, sente seu coração mais leve.

Assim ele passa a madrugada a consolar pessoas por todos os lados e quando volta para o seu quarto, sente que a vida é muito maior que seus próprios problemas.

Descansa as poucas horas que lhe restam e ao acordar, percebe que as asas se acomodam perfeitamente sob as vestes, tornando-o novamente um homem como qualquer outro.

Ao acordar, a filha vem alegremente lhe contar:

- Pai, eu sonhei que um anjo veio morar com a gente, e acredito que tudo vai ficar bem de agora em diante.

Ele balança a cabeça afirmativamente, concordando com a pequena.

Esta é a estória que ouvi contarem. Embora não tenha visto com meus próprios olhos, sinto a sutil presença do anjo a perambular pela noite incógnito e concluo que a verdadeira dádiva não consiste em realizar os desejos das outras pessoas, mas sim, em ajudá-las a compreender e superar seus próprios sofrimentos.