O muro de madressilvas

- Cicely! - Parnell Langstone bateu palmas duas vezes diante da choupana de palha, porta e janelas fechadas. Nenhuma resposta.

Ao lado dela, no terreiro diante da construção, Agnes aguardava, curiosa. Parnell não lhe dera muitas pistas sobre quem era Cicely Sherbourne, ou porque a estavam procurando. Mas as amigas da mãe adotiva eram todas figuras interessantes, por um motivo ou outro; Agnes sabia que a viagem certamente não seria perdida, exceto...

- Acho que Cicely não está em casa - Parnell finalmente comentou de si para si, em voz alta.

- Pensei que ela estivesse nos esperando, mãe - murmurou Agnes, decepcionada.

Parnell acariciou os cabelos da menina.

- Vamos nos sentar na soleira e aguardar um pouco. Talvez ela não tenha ido longe, não cruzou uma vassoura na frente da porta para indicar que iria demorar...

Sentaram-se lado a lado, voltadas para o caminho que as trouxera até ali através das colinas arborizadas que ladeavam um terço do vilarejo. A tarde ia pelo meio, e abelhas zumbiam por entre as flores azuis da madressilva que encobria o muro de pedra baixo que cercava parte da choupana, protegida dos rigores do sol pela sombra das árvores próximas.

- Essa madressilva é só para decoração ou tem alguma outra serventia, mãe? - Indagou Agnes, que estava aprendendo a colocar em prática sua curiosidade a serviço do conhecimento.

- Madressilva é boa para problemas das vias respiratórias - assegurou Parnell. - Você mesma já tomou chá de flores secas quando teve tosse...

- Então, a tia Cicely é uma curandeira? - Questionou Agnes.

- Esse é um dos dons dela - assentiu Parnell. - Mas o maior deles, é que Cicely é capaz de invocar a sabedoria dos mortos.

- Como você? - Agnes ergueu os sobrolhos. - Com pombos e tudo o mais?

- Não - Parnell refutou. - Não se trata desse tipo de comunicação... há uma alma que Cicely invoca e que lhe dá respostas sobre assuntos práticos, não sobre como e onde está alguém que morreu.

- Um espírito conselheiro? - Agnes continuava intrigada.

- Uma alma sábia - prosseguiu Parnell. - Você pergunta, por exemplo, qual é a melhor dosagem de meimendro para ser usado como relaxante muscular e não como veneno de ação rápida, e ela lhe dá a quantidade exata.

- Mas isso a gente pode ler num livro - ponderou Agnes com circunspecção. - Isto é, quando eu aprender a ler tão bem quanto a senhora...

Parnell riu.

- Certamente que poderá ler num livro, até ser capaz de lembrar de cor.

E, novamente séria:

- Mas essa alma sábia de Cicely tem aspectos bem mais interessantes do que nos lembrar de coisas de que já sabemos... ela também se lembra de coisas que não sabemos. Em outras palavras, ela sabe muito mais do que somos capazes de entender, e foi por isso que Cicely nos chamou aqui, para conhecê-la.

- Então... o que temos que aprender é como fazer as perguntas certas? - Inquiriu Agnes, curiosa.

- E quem melhor do que a filha de uma bruxa para fazer essas perguntas? - Replicou Parnell, com uma piscadela.

Agnes começou a elaborar mentalmente um monte de questões que gostaria de colocar para a tal alma sábia. Algumas, ela não teria coragem de fazer nem à mãe adotiva...

- Será que ela sabe por que o céu é branco? - Perguntou Agnes.

- E de qual outra cor ele seria? - Redarguiu Parnell, surpresa.

- [03-02-2022]