Quebra-cabeças Noturnos

Entrego a cabeça ao travesseiro e a anestesia geral percorre a minha epiderme, meus músculos e meu sangue. Borboletas essencialmente brancas voam duzentos metros rasos – dos meus pés ao último girassol do meu mais alto sonho. Sonhar é gostar muito de flores, giz de cera e cachecóis.

Adoro sonhar com manhãs ensolaradas e acordar com gosto de hortelã na língua; em dias assim o meu vocabulário é mais doce. Já me aconteceu de sonhar com um céu infinito e acordar rezando. Logo eu, ateísta enquanto de olhos abertos! Fecho os olhos e Nossa Senhora Aparecida desce até mim, faz crochê de estrelas e sussurra coisas que não se entende entre as luzes da consciência, apenas na incerteza do mar do sonho.

Simples assim: entrego a cabeça à fronha florida e de repente as margaridas podem ser obscuras. A flora e a fauna do meu inconsciente ganham vida autônoma e gostam de cantar em mandarim nas minhas asas. Os cães do meu oceano noturno são todos pastores. Geralmente, sou a ovelha mais peralta do grupo.

Certa vez, sonhei que o meu irmão caçula morrera. Acordei com o travesseiro inundado de lágrimas, as margaridas podres por causa do sal. Desde então, dou cobertores amarelos para ele no Natal. O sabor do trevo de três folhas esmagado volta à minha boca em todos os dois de novembro.

Já cheguei a sonhar com a minha própria morte. Não sei ao certo; acho que morri com uma apunhalada indolor nas costas. Enterrada sob edredons, ressuscitei numa quinta-feira às 14h38, com ressaca de algodão doce, rezando o terço nas minhas tranças.

Todas as vezes que rendo minha cabeça à primavera do travesseiro, peço a mim mesma que o tema da maré de sonhos mude as minhas noites durante toda a vida. Infinito, dê-me hoje um sonho incoerente. Então saberei que amanhã acordarei esclarecida.

Mundo, jogue sobre a minha cabeça toda a sua loucura e todos os simulacros noturnos, pois devo minha maturidade aos sonhos que tive em menina. Os sonhos que terei agora construirão o balanço para a minha velhice amanhã. Haverá um dia em que haverá uma noite em que o meu mundo tomará um outro rumo, e a partir daí ele será oceânico, claro e eterno, assim como a minha vida, enquanto de olhos abertos.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 20/11/2007
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